Crítica — por Raquel Henriques da Silva
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Quando o comissário da terceira Bienal de Coimbra, o brasileiro Agnaldo Farias escolheu como ponto de partida do seu trabalho (partilhado com os co-comissários Lígia Afonso e Nuno de Brito Rocha) um maravilhoso conto de José Guimarães Rosa, intitulado A Terceira Margem do Rio, quis enfatizar a imagem de Coimbra que se desdobra, desde a sua mais remota existência, nas duas margens do Mondego. Havia então, a ligá-las, uma operativa ponte, pelo menos desde os gloriosos tempos do Império Romano. Coimbra chamava-se Aeminium e era nó fundamental da estrada romana até Braga. Sobre estas ressonâncias fortíssimas do lugar, os comissários usaram as palavras de Guimarães Rosa para propor uma «terceira margem» que, na verdade, se constituía como difuso percurso em construção: deveriam ser os visitantes a inventar essa «terceira margem», calcorreando a cidade?
Entrevista — por Sofia Nunes
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Uma das especificidades de Claire Fontaine é precisamente esta coexistência entre os espaços visual e literário, teórico. A arte contemporânea é um espaço de liberdade absoluta que permite experimentar com qualquer medium, incluindo a escrita. As políticas dos diferentes media são a mesma: o objectivo não é o domínio e a imposição de uma suposta superioridade de um determinado medium sobre os participantes mais medíocres no sistema, o objectivo é pensar com liberdade e com todo o tipo de ferramentas sobre questões que são difíceis, ignoradas, problemáticas ou fora de um enquadramento moralista ou politicamente correcto.
Entrevista — por Catarina Rosendo
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Rui Sanches é autor de uma vasta obra escultórica e gráfica, com pontuais incursões pela pintura e pela fotografia, que retém as marcas do seu profundo interesse pela história e teoria da arte, nomeadamente na permanente revisitação aos modernismos artísticos e no questionamento das transformações ocorridas nos códigos de visualização da realidade e de relação com o espaço que percorrem, mais latamente, a modernidade ocidental. “Espelho” é o título das duas mais recentes e simultâneas exposições retrospectivas de Rui Sanches. Ambas patentes em Lisboa até 12 de Janeiro de 2020, no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, a dedicada à escultura e no Museu Coleção Berardo, a centrada no desenho.
Ensaio — por Nuno de Brito Rocha
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Anna Boghiguian gosta do mar, dos rios, da permanente impermanência das águas — e de pescar. O seu estúdio na cidade do Cairo fica em uma ilha no Nilo e, do alto de um dos prédios onde fica o seu atelier, ela está bem no meio e rodeada da cidade e da natureza. “I am inside and outside, because I like to work from both positions. I am near the source of my work but am not attached to it”. Em Anna’s Egypt, livro que a artista escreveu e ilustrou em 2003, Boghiguian tece um paralelo entre mundo humano e natural, aproximando ruas e rio como ponto de encontro e mostrando a contribuição do corpo de água para a vida econômica e social — com as suas consequências na formação de classes —, e explora a importância do Nilo na marcação do tempo no imaginário da cultura egípcia.
Entrevista — por José Marmeleira
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Uma coisa que fiz nestes dois anos, e espero continuar a fazer, foi estudar vários artistas e áreas da coleção, de 1850 até hoje, mas mantendo a nossa contemporaneidade, expondo os artistas nossos coevos. E, nesse sentido, o Prémio Sonae-Media Arte e o programa Art Cycles são momentos muito relevantes, como são também as exposições temporárias. Não quero compartimentar e criar fossos, mas continuidades, linhas de estudo. Uma das razões porque deixámos de usar a designação ‘Museu do Chiado’ tem muito que ver com isso. Em 1994, quando o museu reabriu, surgiu rebatizado como Museu do Chiado e o nome original, de 1911, [Museu Nacional de Arte Contemporânea], passou para segundo plano.
Entrevista — por Antonia Gaeta
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Quando esta direção entrou em funções, no início de Março, existia já uma programação bastante desenvolvida para 2019 e 2020, pela direção anterior, portanto o nosso compromisso foi assegurar a continuidade desses projetos. Desenvolvemos, no entanto, uma programação complementar a esses projetos que visam temáticas mais sociopolíticas e que trabalham o legado da crise económica em Portugal. Outro dos temas que tenho tido interesse em desenvolver é a interação das pessoas com aplicações digitais e a repercussão disso dentro da esfera social ou, também, a ligação às culturas que existem à margens da sociedade, como a da música underground que se desenvolve nos subúrbios do Brasil, mas que em Lisboa também tem um grande enraizamento.
Ensaio — por Eduarda Neves
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L´Éloge de l´Amour. Jean-Luc Godard. Glorificado o amor, o cineasta torna-o condição da nossa memória individual e colectiva. História e esquecimento, cinema e resistência, desigualdades sociais, guerra e dominação: Godard celebra quelque chose. Numa obra que começa a preto e branco e acaba a ser filmada a cores, três casais, um de jovens, um de adultos e um outro de velhos, falam-nos da sua própria história que não deixa, também, de ser a nossa. O encontro, a paixão, a separação e o reencontro, são-nos mostrados como os tempos do amor.
Crítica — por Isabella Lenzi
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No dia a dia das cidades, apesar de muitas vezes não nos darmos conta, muito do que nos cerca, protege das intempéries, transporta e sustenta, é duro, frio, áspero e com cantos vivos. Com pequenos apontamentos, Belén Uriel nos faz lembrar do nosso corpo e da relação que estabelecemos com outros corpos, espaços, objetos e matérias. Em "Bonança", mostra inaugurada no início de novembro, de 2019, no CA2M: Centro de Arte Dos de Mayo, instituição cultural localizada em Móstoles, ao sul de Madrid, a artista espanhola ocupa uma sala com um conjunto de esculturas que nascem a partir de elementos desenhados para o descanso, o lazer, para amortecer o impacto e cuidar. Atualmente em Lisboa depois de uma longa temporada em Londres, Belén trabalha com o vocabulário da indústria, do quotidiano, da arquitetura e do design, principalmente modernos. Ela parte de objetos de uso diário para investigar em que medida este "uso" que fazemos deles determina ou está determinado pela forma com que nos relacionamos com o mundo e entre nós.
Entrevista — por Sílvia Escórcio
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5607249 é o número que encerra OPALKA 1965/1 – ∞, a pintura iniciada, em 1965, por Roman Opalka e que ocupou quase cinco décadas da sua vida. “Gosto dos artistas que não gostam de fazer mais nada e que são obcecados pelas coisas”, entre eles o coleccionador José Carlos Santana Pinto destaca Opalka, durante a conversa-guiada que a Contemporânea fez à sua casa em Lisboa onde, junto a FEV.16.1971, da série ‘TODAY’ de On Kawara, tem expostos três auto-retratos que mostram a passagem do tempo através do rosto e do cabelo do artista, que gradualmente se vai esbatendo sobre a camisa e o fundo rigorosamente brancos.
Crítica — por Vincenzo Di Marino
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No dicionário a palavra “escuridão” é definida como ausência de luz, um negro absoluto que obscurece a vista. Na literatura e nas artes a sensação ligada à ausência de luz esteve sempre relacionada com a ideia de “mal e pecado”; na escuridão, na ausência de tudo, na ansiedade do nada, a humanidade deste sentimento comanda ainda a narrativa. A segunda exposição a título individual "Middle Finger Pedestrians" de Gonçalo Preto na Galeria Madragoa encaixa perfeitamente nesta narrativa empregue pela escuridão. Ao entrar na galeria o nosso olhar perde-se imediatamente na ampla superfície negra das pinturas.
Crítica — por Vincenzo Di Marino
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Jens Hoffmann sublinhou sempre a ligação deste seu modelo de museu ao Musée d’Art Moderne, Département des Aigles, um dos mais emblemáticos "museus fictícios" aberto em 1968 por Marcel Broodthaers. Inspirado por protestos políticos, num clima de cepticismo relativamente ao sistema social e político, o museu Broodthaers tinha como objectivo questionar os mecanismos internos das instituições artísticas. Trazendo alguns aspectos do quotidiano para dentro do museu, evitou a objectividade da categorização científica. E ao criar o seu próprio museu, arrogou para si próprio o direito de determinar o que é arte e o que não é, expandindo, desta forma, o campo artístico.
Crítica — por Vincenzo Di Marino
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Se perguntarmos a um adepto do Manchester United, ou a qualquer fã de futebol do Reino Unido, quem é o melhor jogador de futebol da História não haverá qualquer dúvida. A resposta é “George Best”. Mas George não foi apenas um jogador de futebol. Foi um personagem ambíguo na história do futebol, uma pessoa que viveu acima das regras numa sociedade rigidamente estruturada em torno da essência de regras. Foi o protótipo do punk, alguém que estava à margem da sociedade. Passou a sua vida a desafiar as convenções sociais. Recusando o pacto social e criando um mito de si próprio. É o estereótipo romântico do génio imperfeito: tinha muito mais potencial do que era capaz de expressar.
Crítica — por Sérgio Fazenda Rodrigues
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"De Noite, Todos os Gatos" é uma exposição de João Gabriel, com curadoria de Marta Espiridião que está patente na galeria do Teatro da Politécnica, em Lisboa. A exposição ocupa a sala em três partes contíguas e desenvolve-se num percurso sinusoidal que, na sombra, embrenha-nos gradualmente nas obras do artista. Trabalhando uma envolvência que nasce nas pinturas e se prolonga ao espaço, a exposição apresenta um conjunto de obras de pequena e grande dimensão, e cria um diálogo que ocorre, por vezes, de par em par. A imagem de um gato acompanha o trajecto e adopta uma presença fugidia que habita, fugazmente, algumas das imagens
Crítica — por Isabella Lenzi
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"El ojo eléctrico", exposição inaugurada em outubro passado na instituição madrilena La Casa Encendida, apresenta uma seleção de obras da Coleção Treger/Saint Silvestre realizada pela italiana Antonia Gaeta e pela espanhola Pilar Soler. Desde 2015, a curadora italiana trabalha com a coleção, iniciada na década de 1980 por Richard Treger e António Saint Silvestre tendo como recorte a chamada arte bruta ou art brut — termo cunhado pelo artista francês Jean Dubuffet (1901-1985) em meados dos anos 1940 para designar uma criação artística livre, autodidata, distante dos valores canónicos e eruditos das belas-artes.
Entrevista — por Soraia Fernandes
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Pensar numa escola artística neste contexto, passará por assumir a livre navegação entre disciplinas e linguagens, ou como diria Peter Osborne por assumir a unidade disjuntiva da sua génese. Será, certamente, pensar num lugar para a discussão, para a produção de pensamento e para a criação de múltiplos percursos e linguagens, assumindo sempre a sua condição experimental. Nesta conversa com Nuno Crespo, crítico e curador independente e o actual director da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, ficamos a conhecer as linhas orientadoras do ambicioso projecto que assume desde 2017.
Entrevista — por Alejandro Alonso Díaz
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"P for Everything" é uma exposição do artista sueco Charles Benjamin, desenvolvida especificamente para a Kunsthalle Lissabon. Resultado de uma troca contínua entre os diretores da KL João Mourão and Luís Silva e o diretor do SALTS Samuel Leuenberger, a exposição marca uma evolução das ideias inicialmente desenvolvidas em "Not Old Not New", a exposição individual de Benjamin no SALTS em Birsfelden, Suíça, em novembro de 2018. Com a sua ênfase no processo, e não nos objetos exaltados, "P for Everything" coloca a economia temporal da pintura numa posição central, com o artista trocando as suas obras pelo equivalente a um mês de renda ou então deixando-as numa estação de serviço de uma auto-estrada como uma exposição pop-up organizada por amigos.
Crítica — por Isabel Nogueira
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Yonamine (n. 1975, Luanda) vive e trabalha em Harare, Zimbabwe, embora o seu percurso passe também por Berlim, Luanda e Lisboa. E é precisamente aqui, no espaço Cristina Guerra Contemporary Art, que o artista expõe sob o título "Union Jacking. Voice of the Voice£ess". O título imediatamente adverte para o que se poderá ver. Yonamine cria uma voz que, através da sua obra, se expressa e se inquieta. Poderá ser a voz de quem poucas vezes a tem — quando a tem —, numa localização face ao mundo do capital, do consumo e do poder, na complexa ligação às consequências de um movimento colonial agressivo e dominador.
Crítica — por Cristina Sanchez-Kozyreva
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Alguns meses depois de a sua peça “An Ideal Husband” ter estreado no Haymarket Theater em Londres, em Janeiro de 1895, Oscar Wilde foi detido por homossexualidade, ou como se dizia na altura “indecência grave”. Acabou por ser julgado e eventualmente condenado a dois anos de trabalhos forçados. Fazendo referência à peça de Wilde, mas também ao seu julgamento, bem como às palavras do amante do autor, Lord Alfred Bruce Douglas, “Zoo” a exposição de Luís Lázaro Matos na Casa da Cerca, utiliza o humor e desenhos divertidos para nos convidar a uma experiência em tudo imersiva que nos atinge como uma comédia musical.
Crítica — por Isabel Nogueira
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Duas exposições, com conteúdos e opções curatoriais bem distintos e com trabalhos pertencentes a duas colecções, são apresentadas no espaço do Centro de Arte Oliva, em São João da Madeira. Na base da programação deste espaço encontram-se as duas relevantes e premiadas colecções particulares residentes, as quais, por conseguinte, foram tornadas de acesso público. Trata-se da Colecção Norlinda e José Lima, particularmente vocacionada para a arte contemporânea, e da Colecção Treger/Saint Silvestre, que reúne um importante espólio de artes consideradas mais marginais, de que são exemplos a Arte Bruta/Outsider e Arte Singular.
Crítica — por José Marmeleira
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No Funchal, uma comoção diante paisagem que cresce defronte. Não é a da natureza, mas a que os homens impuseram à ilha nos últimos quarenta, cinquenta anos. Encosta acima, sobre as vertentes e as ladeiras, desmesurada, cavada. Ali, com excepção da gravidade, nada resistiu à arrogância e ao orgulho humanos: pedra, rocha, solo, terra esventrados. Paisagem adentro e eis que se descobre outro tipo de gesto: mais delicado, discreto. Que acrescenta, ou melhor, (re)pousa coisas novas sobre as que já existem.
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