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Rui Sanches: Espelho

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Catarina Rosendo

 

Espelho é o título das duas mais recentes e simultâneas exposições retrospectivas de Rui Sanches. Ambas patentes em Lisboa até 12 de Janeiro de 2020, a do Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, dedicada à escultura, tem curadoria de Delfim Sardo, enquanto a do Museu Coleção Berardo, centrada no desenho, é da responsabilidade de Sara Antónia Matos. Rui Sanches, que estudou no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa, no Goldsmiths College, em Londres e na Yale University, em New Haven, Connecticut, começou a trabalhar ainda em finais da década de 1970. É autor de uma vasta obra escultórica e gráfica, com pontuais incursões pela pintura e pela fotografia, que retém as marcas do seu profundo interesse pela história e teoria da arte, nomeadamente na permanente revisitação aos modernismos e no questionamento das transformações ocorridas nos códigos de visualização da realidade e de relação com o espaço que percorrem, mais amplamente, a modernidade ocidental.

O diálogo com as várias tradições artísticas, desde o classicismo francês ao minimalismo norte-americano, passando pelo barroco italiano e pelo construtivismo russo, faz com que na sua obra convivam, em permanente e fértil equilíbrio, abordagens de teor mais conceptual, analítico e estrutural ou, pelo contrário, mais perceptivo, sintético e contingencial, que nunca perdem de vista a presença de um espectador interessado enquanto garante da própria existência da obra de arte. Não obstante a variedade de influências artísticas e teóricas e o à-vontade na incorporação de inúmeras referências externas sobretudo nas suas esculturas, o trabalho de Rui Sanches mantém-se como um dos mais inconfundíveis da produção artística nacional, desde logo pelo modo como a aparente indiferença pela qualidade dos materiais usados, com frequência contraplacados de produção corrente, se combina e é compensada por uma execução minuciosa e pelos acabamentos perfeitos que conferem uma aura única à obra.

A conversa com Rui Sanches, a pretexto das duas exposições retrospectivas e estendendo-se para lá delas, teve lugar na cafetaria do Centro Cultural de Belém.

Catarina Rosendo (CR): Qual é a tua forma preferida?

Rui Sanches (RS): A minha forma preferida? A minha forma preferida provavelmente é o quadrado. Mas, agora que estou a dizer isto, se calhar é o círculo. Não tenho a certeza. Gosto das duas.

CR: A exposição na Cordoaria Nacional mostra três trabalhos inéditos, feitos com cordéis presos à parede que sugerem as formas do triângulo, do círculo e do cubo. Aliás, chamam-se mesmo Triângulo, Círculo e Cubo. Quando os vi achei que eles podiam ser activados pelo espectador, que este poderia compor os cordéis nas formas implícitas.

RS: O cubo, sobretudo. Basta afastar os cordéis da parede. Mas o círculo, também, eventualmente.

CR: São obras ainda dos anos 1970.

RS: São. Nunca tinha mostrado aquelas obras, apenas em contexto escolar, quando estava na universidade, em Inglaterra. Estava ainda no 1.º ano e estava a experimentar muitas coisas diferentes. Vinha de Lisboa, tinha estudado no Ar.Co, onde fazia sobretudo pintura. Cheguei a Inglaterra e senti que a minha pintura estava num beco sem saída, estava sem saber muito bem o que fazer. Deparei-me com uma quantidade de coisas que não sabia sequer que existiam, performances, vídeos, instalações, tudo completamente novo para mim. Mesmo na universidade havia muitas coisas, mesmo se não tantas como há hoje, que uma pessoa podia experimentar. Trabalhei um pouco com filme Super 8, experimentei fazer gravura e serigrafia, e comecei a interessar-me pelo lado processual das obras de alguns artistas que via nas revistas, sobretudo americanos, pela forma como o processo ficava registado no resultado final da obra. E foi nesse âmbito que fiz estas peças, que integravam uma série mais longa, de umas doze ou quinze, algumas com pedaços de papel que faziam umas formas que se ligavam aos cordéis. Nunca mais tinha pensado mostrar aquilo, mas quando eu e o Delfim Sardo começámos a ver material mais antigo ele sugeriu que se fizesse a reconstrução das peças.

CR: Elas são uma boa introdução ao teu trabalho. O teu interesse pela pintura e pelo classicismo e neoclassicismo franceses parece ter que ver com a tua vontade em analisar a estrutura formal das pinturas, um pouco por via dos conceptualismos e dos minimalismos anglo-americanos. Toda a tua obra dos anos 1980 tem esta característica, mas gradualmente vais desinteressando-te desse rigor analítico.

RS: Sim, analítico, acho é que a palavra certa. E há outro aspecto. Lisboa é um meio muito pequeno e facilmente se é tipificado dentro de uma gaveta qualquer. Isso verificava-se sobretudo nos anos 1980, em que havia menos coisas a acontecer. Comecei a perceber que as pessoas me viam como o artista que trabalhava sobre pinturas. Isso começou a chatear-me e achei que era melhor fazer diferente disso. Por outro lado, isso também correspondeu a deixar de sentir a necessidade de ter uma referência certificada, proveniente da história da arte, com pedigree. Percebi que a escultura por si só também valia, não era preciso ter essa relação tão forte com o que existia anteriormente. Fui ganhando mais confiança em mim. Acho que, inicialmente, sentia sempre que aquilo que fazia era um pouco estranho, pouco convincente, como se as coisas não tivessem suficiente autoridade para existirem por si e necessitava dessas referências à pintura ou à história da arte. Isso também me afastava do lado subjectivo e de escolhas mais baseadas em critérios que não são facilmente racionalizáveis ou justificáveis. Aos poucos, passei a achar que faço o que faço porque me apetece, sem precisar de estar a arranjar justificações.

CR: A década de 1980 é o período das citações e da utilização de referentes artísticos e históricos. Há uma recuperação dos modernismos ligados aos vários expressionismos e à subjectividade. Mas tu dás um salto muito maior, quer dizer, mergulhas numa modernidade mais antiga, num tempo que, a partir do século XVII-XVIII e pela primeira vez na história, se questiona a si mesmo, às suas formas de conhecimento e ao modo de criar a inteligibilidade das coisas. Até pelos próprios referentes que vais buscar, de Poussin a David, da clareza dos enunciados à riqueza dos significados, como referiste várias vezes em entrevistas, parece que a tua abordagem não se dirige tanto ao modernismo mas a uma ideia mais abrangente de modernidade.

RS: Sim, estou de acordo contigo. Se calhar, o facto de ter estado vários anos fora de Portugal e em meios que não eram o meu meio nativo levou-me a ser mais crítico em relação ao que estava a acontecer naquela altura, como o regresso à pintura, o regresso à escultura, aquela ideia de citação permanente e do “vale tudo”. O pós-modernismo dos alemães e dos italianos, os neo-expressionismos e a transvanguardia nunca me interessaram muito. Talvez sentir-me fora do meu meio me obrigasse a ter uma distância maior em relação a essas coisas e não embarcar tanto na euforia dos “neo-neo-neos” que estavam a acontecer. Sempre tive uma relação mais crítica com isso. Esse período entre o final do século XVII e o início do século XVIII, o final do classicismo francês, o Iluminismo, todas essas questões da “razão crítica” interessaram-me logo muito e estão muito enraizadas naquilo que o meu trabalho tem sido ao longo destes anos. Deixei gradualmente de usar as referências à pintura clássica e neoclássica também por isso, para não ser apenas visto como mais um que estava também naquela tendência de usar permanentemente a citação.

CR: O teu trabalho foi então evoluindo em direcção a formas mais orgânicas e aos problemas mais tradicionalmente caros à escultura. Como é que essa passagem, que corresponde a um tempo muito lato, é feita?

RS: Não me interessei muito pela escultura durante bastante tempo. Tinha ideia de que a escultura eram aquelas coisas que estavam no meio das praças, uns homens em cima de uns cavalos. E sempre me interessei muito pela pintura, desde pequeno que pintava e desenhava. A pouco e pouco, comecei a perceber que estava, de facto, a fazer escultura e comecei a olhar para a escultura com outra atenção, partindo da contemporaneidade para trás, das coisas que se faziam nos anos 1960-70 para trás. Tinha memória de ter visto uma exposição do Rodin, no Museu Gulbenkian, penso que foi no Verão de 1977, mesmo antes de ir para Inglaterra. É a única exposição de escultura que eu me lembro de ter sido impactante, de ter ficado interessado no que estava a ver. No início dos anos 1990 comecei a olhar outra vez para o Rodin e para a escultura do século XIX e XVIII, do Renascimento, da Grécia, etc. Isso coincidiu também com a minha vontade de sair da linguagem muito construída que tinha vindo a usar. Queria variar as formas, sair da lógica ortogonal e comecei a trabalhar com barro, outra vez. Comecei a modelar e a usar os processos tradicionais da escultura — passar a gesso, fundir em bronze —, e gostei muito de trabalhar com o barro, foi uma coisa que me deu muito prazer. Comecei a usar mais as técnicas da escultura tradicional.

CR: Na Cordoaria Nacional está uma escultura que se chama Os espaços em volta, de 2019. Reparei dela porque condensa preocupações presentes na tua obra desde sempre. Ela pode ser vista a partir de uma espécie de eixo perspéctico que atravessa a escultura até ao espaço que está do lado de lá. Antes desse grande eixo da visão há uma estrutura geométrica em ferro que me fez lembrar o teu interesse pelos tratados antigos de arquitectura. Contornando a escultura, há uma combinação de cheios e vazios, feitos de planos de madeira e perfis de ferro, e logo a seguir uma pequena figura sem forma definida, em gesso, assente num plinto que logo a seguir é substituído pelo nosso próprio reflexo num espelho à mesma altura da figura. A escultura é tão variada que tem de se dar a volta toda para percebermos o que estamos a ver. Estes “espaços em volta” têm alguma relação com Os passos em volta do Herberto Helder?

RS: Têm. Estas esculturas recentes são, em parte, uma síntese de várias coisas. Elas são um pouco um olhar para trás e uma reflexão sobre o meu trabalho anterior. Se calhar tem que ver com o facto de eu saber que ia fazer esta exposição agora, que ia ser de certo modo uma exposição retrospectiva, e ter de pensar em todo o meu trabalho do início para cá, que me levou a ter esta perspectiva mais sintética, de criar uma síntese de várias coisas.

A relação com o Herberto Helder existe, trata-se de uma citação ou uma homenagem, mas sobretudo interessa-me muito a ligação entre “passos” e “espaços”, ou o modo da pessoa construir a espacialidade. A espacialidade é uma coisa que se constrói, não é preexistente. Constrói-se através de experiências de espaços e, neste caso, através da experiência da escultura, que funciona quase como um laboratório da espacialidade, como uma espécie de mediador entre o corpo do espectador e o espaço, seja ele arquitectónico ou outro qualquer que esteja à volta da escultura, onde quer que ela esteja colocada. Esse lado de mediação, que vem já dos anos 1960 e dos minimalistas, dessa ideia de que o espectador é que constrói a relação com a obra, interessa-me muito. Quando estamos ali, estamos a ter uma experiência que é a daquele momento, que não é repetível e que é, tanto quanto eu desejaria, uma experiência na qual as pessoas estão conscientes da sua presença no espaço, do seu corpo, da maneira como olham, da altura a que têm os olhos, da maneira como circundam uma obra, como têm de passar de um lado para o outro, de desviar-se de certos obstáculos, de ver como as coisas estão construídas...

Depois há outra dimensão que é a maneira como as coisas estão feitas, a relação entre o ferro e a madeira, entre os objectos funcionais, como as portas ou os espelhos, e as coisas feitas por mim, à mão, como o gesso e as madeiras recortadas para criar volume. Esse volume de madeira funciona como uma espécie de plinto para a figura de gesso e isso relaciona-se também com coisas que fiz nos anos 1990 e para trás, ligadas à museografia e como mostrar ou expor qualquer coisa. A ideia da base, do plinto, tem também que ver com a relação que tenho com a escultura do Brancusi e a maneira como ele usava as bases como parte da escultura e mediadoras entre o chão e a obra. Estas minhas esculturas recentes são, de certa maneira, um balanço do trabalho realizado até agora.

CR: A incorporação de estratégias de apresentação de obras de arte na própria obra de arte já tinha acontecido nas esculturas mais antigas quando incluíste lâmpadas, que funcionam como um dispositivo cénico. Mas aconteceu também na tua exposição Museum, no Museu Nacional de Arte Antiga, em 2008, onde as fronteiras entre aquilo que era escultura e os objectos construídos para acolher as obras se confundiam de modo intencional.

RS: É uma preocupação recorrente, mostrar às pessoas que não há uma relação directa com as coisas nem com a realidade, é sempre através da mediação cultural, através da mediação de dispositivos, sejam eles quais forem. No caso das obras de arte, quando vamos a um museu, é através da instituição, de vitrines, de plintos, da iluminação, que nos mostram as coisas de uma determinada maneira. Esse lado de encenação, de que falas, é muito evidente nos museus quando os visitamos. Tentei, nessa exposição do Museu Nacional de Arte Antiga, onde isso foi feito de uma forma muito óbvia e muito afirmada, criar várias camadas partindo da arquitectura institucional, passando para a arquitectura provisória da museografia, passando depois para as próprias esculturas. Essas camadas funcionam quase como que uma espécie de cascas de cebola que se vão sucedendo em direcção a qualquer coisa que está no interior.

CR: Nessa exposição havia uma paisagem construída em camadas de contraplacado (Sem título, 2008), instalada em cima de uma base branca que não sabemos se é apenas uma prateleira ou se faz parte da obra.

RS: Exacto. E a própria obra depois também funciona como base para outra coisa que está em cima, que é uma caixa de vidro com cera vermelha dentro. Portanto, há essas várias indefinições sobre o que é a obra, o que é o dispositivo museográfico, em que ponto é que se contaminam e onde é que estão as fronteiras entre elas. Interessa-me essa indefinição entre a passagem da escultura ao resto das coisas. No caso de Os espaços em volta, o elemento de gesso é obviamente uma “escultura”, é a própria ideia de escultura. Gosto de jogar com esses significantes, às vezes muito emblemáticos, outras vezes menos, outras vezes mais estruturais, outras vezes mais processuais, e tentar ligar todas estas coisas de maneira a criar um discurso interessante para o espectador. O mais importante que a obra de arte faz é criar interesse no espectador, levá-lo a concentrar-se no que está a ver, pensar sobre o que está a ver, questionar o que está a ver.

 

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CR: Penso que foi o João Pinharanda que disse que, no caso das obras para o espaço público, usas o que está à volta como um espaço cénico para as receber. Duas das tuas esculturas públicas, a de Santo Tirso e a do Parque das Nações, em Lisboa, despertam-me curiosidade. A primeira parece um fragmento de qualquer coisa que emerge do solo e a segunda é uma janela aberta para qualquer coisa, que é uma das metáforas mais poderosas da pintura. Como é que trabalhas os contextos da arte pública?

RS: Cada caso é um caso. A obra tem de funcionar em função do contexto físico, paisagístico, cultural, da diferença entre estar num sítio com muita visibilidade ou num jardim mais privado. No caso da peça feita para os simpósios de Santo Tirso, que foi a minha primeira intervenção no espaço público, fiquei um pouco sem saber o que fazer porque os escultores convidados tinham de usar o mármore. Nunca tinha tido qualquer experiência com o mármore, não fazia ideia de como se mexia no material e tinha alguma embirração em relação à moda da escultura em pedra em Portugal. Achava isso estranho, porque é que a escultura tinha de ser uma coisa em pedra e porque é que a escultura se define através do material? A escultura pode ser no que se quiser. Optei por usar a pedra de uma forma puramente construtiva, em blocos, como se fossem tijolos, de modo a que a pedra se transformasse em material de construção, sem a componente do talhe, que eu não queria nem sabia fazer.

Escolhi aquele lugar, um terreno estreito em declive, entre o Parque D. Maria II e o actual Museu Internacional de Escultura Contemporânea, porque estava muito próximo da estrada e a peça não ficava no meio de um jardim nem nada parecido, mas num sítio que estava “entre cá e lá”. A peça faz uma demarcação no território, são duas paredes ortogonais que definem um quadrante que circunscreve um espaço, e gostei da ambiguidade da presença e proximidade com a estrada, junto da qual havia uma paragem de autocarros onde muitas vezes as pessoas ficavam ali paradas à espera. Criei uma peça que funcionasse simultaneamente como algo que esteve sempre ali, uma ruína que aparece no terreno, e ao mesmo tempo algo que podia ser utilitário, no qual as pessoas podiam sentar-se enquanto esperavam pelo autocarro, ou abrigar-se à sombra quando estivesse sol.

A do Parque das Nações tem que ver com a pintura, como dizes. Com uma recusa de olhar para o que está atrás, a “confusão” urbana relativamente pouco interessante, e abrir uma perspectiva através da janela para o rio que leva a pessoa a virar-se para aí, a sentar-se no banco e isolar-se do que está à volta, concentrando-se no bloco de granito, que está mesmo em frente ao banco, e no rio, que aparece do outro lado da janela. Quis criar uma pequena paisagem não urbana dentro da urbanidade daquele sítio, usar a pedra e a água, e chamei à obra Montanha-Rio, como referências a coisas que não estão na cidade.

CR: Ambas as esculturas funcionam como pretextos para as pessoas estarem naqueles lugares.

RS: Sim. Interessava-me esse detalhe de as pessoas poderem estar e usufruir dos sítios, interagir com as esculturas sem propriamente as alterarem, mas usando-as, de modo a que elas não fossem apenas algo pelo qual se passa e que se vê. Mais tarde, fiz uma outra peça, de que gosto muito, apesar de estar muito maltratada, o Monumento a Maria José Nogueira Pinto, na Ribeira das Naus, em Lisboa, que pega nessa ideia de janela, mas cria-lhe outro ambiente. Aliás, a peça do Parque das Nações foi muito mal executada e acabada um bocadinho à pressa, no contexto da Expo’98. Houve coisas com as quais não fiquei nada satisfeito, nomeadamente com um candeeiro de iluminação pública que colocaram mesmo ao lado, parece que faz parte da peça e fica muito estranho. No Monumento a Maria José Nogueira Pinto tive possibilidade de trabalhar de outra maneira, com mais calma e controlo sobre o processo. A obra tem sido muito vandalizada com grafittis, apesar de ser uma obra onde as pessoas podem parar, fazer uma pausa, olhar para o rio.

CR: As tuas esculturas, e podemos regressar a Os espaços em volta, convocam a questão do tempo. Disseste numa entrevista que te interessava fazer escultura a partir da pintura porque querias partir do plano para a tridimensionalidade e que, quando a tua escultura se despojou dos referentes pictóricos, interessou-te introduzir a quarta dimensão, o tempo. Isso traz-me à memória o ensaio de Michael Fried, Art and objecthood, que salienta como a dimensão temporal presente na arte processual e minimalista introduz aspectos narrativos e significativos em obras que aparentemente os recusam. 

RS: A teatralidade... Essas obras transformam-se quase em interlocutores do observador, como se fosse uma conversa que a pessoa tem com a obra. Em Inglaterra, tive um professor que me disse algo em relação às esculturas minimalistas que me ficou para sempre na cabeça. Estávamos a falar, penso que do Robert Morris, e ele disse: «Estamos no Museu do Louvre, a ver a “Mona Lisa”, e a seguir o museu fecha, vamo-nos embora e a “Mona Lisa” continua lá, igual a ela própria. Quando estamos num museu a ver as esculturas de Robert Morris, o museu fecha, vamo-nos embora e a obra já não está lá.» Quer dizer, estão lá uns caixotes, umas coisas, mas isso não é a obra, ela só existe quando é activada pela presença do espectador. Isso faz sentido também em relação ao meu trabalho, se calhar por isso é que prefiro materiais normais, banais, que não valem por si, contraplacados, coisas baratas que se compram em qualquer loja, porque o que é importante não é aquele objecto — seja por ser de um material precioso ou por ter sido manipulado de uma maneira extraordinária ou genial —, mas a relação que o espectador estabelece com o objecto. E é essa relação, esse trânsito, que é importante na minha obra.

CR: Mas os teus trabalhos (agora um bocadinho à laia de provocação), à medida que vão envelhecendo, vão ficando com um aspecto cada vez mais precioso e nobre.

RS: [risos] Pois vão, e isso deu-me imenso gozo ver. Há uns que parecem uns Stradivarius, estão com uma superfície cor de caramelo. As primeiras obras são feitas de contraplacado de pinho, do mais rasca que havia no mercado, placas de quatro milímetros, sem qualidade nenhuma, usadas apenas para a parte de trás dos móveis, nem sequer para a parte da frente. Mas têm envelhecido muito bem, sim.

CR: Hoje estás mais empenhado em aspectos intrinsecamente escultóricos, a massa, o volume, os cheios e os vazios, a incidência da luz, o tratamento das superfícies. E lembro-me, por exemplo, de Sem título (L2), que faz parte das obras que expuseste no Pavilhão Branco, em 2000, que desenvolve uma torção no espaço à boa maneira clássica de conferir dinamismo à matéria inerte, ainda mais inerte neste caso porque se trata de pranchas de madeira industrializada.

RS: É ainda essa ideia de induzir movimento no espectador, levar o espectador, inconscientemente ou não, a perguntar o que estará do outro lado, levá-lo a percorrer a escultura. É a ideia de poder surpreender o espectador, que não consegue ter uma noção da peça senão vendo-a de todos os pontos de vista. Acontece com essa e outras das peças que estão na sala final da exposição na Cordoaria Nacional. Há uma que tem uma placa de vidro e que muda radicalmente consoante a pessoa anda à volta.

CR: Tenho algum medo dessa peça [Sem título, 1999].

RS: É um bocadinho agressiva. E foi posta à entrada da sala para criar esse percalço. Mas há várias peças dessa altura que têm esse movimento de torção que tem que ver sobretudo com as esculturas maneiristas e barrocas, com Giambologna e Bernini, por exemplo, em que há essas torções no espaço. Com o tempo, comecei a interessar-me cada vez mais pelo barroco e por algo que o barroco faz magistralmente, tanto na arquitectura como na escultura, que é o surpreender as pessoas pela teatralidade, provocar o espanto, não se conseguir ter, ao contrário do Renascimento, a visão imediatamente global e supostamente única de tudo. Entramos numa catedral de um arquitecto do Renascimento, de Brunelleschi, por exemplo, e está tudo desenhado de modo a termos logo a visão total do espaço, percebermos as distâncias, a perfeição das formas, os arcos de círculo perfeito... Entramos numa arquitectura barroca e estamos constantemente a ser puxados e levados daqui para ali, somos surpreendidos, e só à medida que vamos estando dentro da arquitectura é que vamos percebendo como é que funciona o espaço. A minha escultura a partir dessa altura, mais ou menos desde 2000, começou a tornar-se mais barroca, mais próxima desse tipo de questões.

CR: Nessa última sala da Cordoaria, há esculturas que parecem montanhas, formações rochosas escavadas. São orgânicas e dão vontade de tocar. Qual é a tua relação com esta dimensão háptica da escultura?

RS: Sou muito telúrico, por mim as pessoas podem mexer à vontade. Só não podem por causa das questões museológicas, mas por mim não há qualquer problema.

CR: Estas esculturas parecem sobrepor paisagens às formas do corpo humano.

RS: Agrada-me a ideia de haver uma relação entre o paisagismo, a geologia, o orgânico e o corporal, a hipótese de as esculturas poderem ser várias coisas ao mesmo tempo.

CR: As peças mais verticais dessa sala têm uma espécie de vazio cúbico que as atravessa e permite ver o lado de lá, tal como, na sala anterior, as três cabeças em cima de colunas [Sem título (B.B.4)]. O que são estes atravessamentos visuais, nestas esculturas?

RS: Têm que ver com o tentar conjugar coisas que estão muito presentes, física e materialmente. Temos a sensação de que estamos perante qualquer coisa que está ali mas que ao mesmo tempo não está, tem um lado ficcional, projectivo. Interessa-me explorar a hipótese de haver tempos narrativos diferentes na mesma obra. De repente encontra-se uma situação que parece ter uma velocidade diferente, ou um tempo diferente.

Essa escultura [Sem título (B.B.4)], vê-se toda através de uma abertura que percorre as três cabeças e como que estabiliza as formas num determinado momento e local do espaço, de repente percebe-se algo que liga aquilo tudo e que parece fazer sentido. A seguir, anda-se um bocadinho mais e volta-se àquelas cabeças semi-rodadas e torcidas e volta-se a uma situação novamente um pouco confusa, continua-se e há mais uma abertura para espreitar e depois outra e outra... São uma espécie de acelerações e desacelerações do tempo.

No Museu Coleção Berardo há também uma escultura [Sem título, 2003] que é uma estrutura triangular que tem algo parecido com uma maqueta de arquitectura, com uma janelinha meio pintada de branco, e que também tem essa ideia de se entrar noutra dimensão, noutro tempo. Está-se a ver a escultura e há uma desaceleração à medida que a pessoa se aproxima, espreita por essa pequena janela e entra quase como se fosse numa casinha de bonecas. Isto faz com que o tempo de relação com a escultura desacelere. Gosto disso, é como estar a ler um romance em que de repente há um salto para um outro tempo histórico, ou a narrativa volta atrás no tempo. Gosto da ideia de poder jogar com a velocidade do tempo e com a maneira como o corpo se relaciona com o projectar-se, subitamente, num espaçozinho arquitectónico da escala da maqueta ou ficar perante uma coisa que pode ser uma montanha, pode ser um outro corpo. Gosto desses saltos.

CR: Esta escultura parece ter relação com os primeiros objectos dos anos 1980. Considera-los desenhos, pinturas, esculturas?

RS: Qualquer coisa entre desenho, escultura, objecto, pintura. Tinham que ver com a situação de todo o meu trabalho vir da pintura e da noção da pintura como que ocupando o espaço, avançando para dentro do espaço do espectador. Tem também que ver com a ideia de relevo, são coisas que estão entre a parede e a tridimensionalidade e há uma certa ilusão por, nalguns casos, parecerem que estão pintados mas não estão, ou o contrário. As referências ao construtivismo e a El Lissitzky ou a Tatlin são muito claras. Mas há outra ideia — da qual não tinha muita consciência na altura, apenas agora retrospectivamente —, que é a de criar tempos e velocidades diferentes em relação à maneira como a pessoa vê a pintura tradicionalmente, em que está tudo no mesmo plano. Nestas peças o espectador tem de se afastar mais da parede, há elementos que avançam em direcção a ele, outros recuam, outros têm buracos, outros têm sugestões de desenho, ou ocupam um canto do espaço com um movimento dinâmico que sugere a ideia de transpor o espaço físico, de ir de um lado ao outro das paredes.

CR: Pode dizer-se que esses objectos são praticamente os únicos onde se encontra a tua única concessão expressionista? Estou a pensar nas superfícies cobertas, em algumas partes, de tinta branca e com pequenas manchas negras, motivos muito conotados com alguma da pintura que se fazia na década de 1980. É uma citação ao próprio tempo?

RS: Sim. É uma referência exterior, contemporânea. Não se tratava de fazer arte assim, tem que ver com uma dada maneira de fazer incorporada no meu trabalho. Nos desenhos aparecem imenso, essas citações de coisas mais expressivas, menos frias, mais quentes. Os desenhos às vezes são quase catálogos de maneiras de fazer e de explorar representações de espaços, na mesma folha de papel.

CR: Onde é que nos teus desenhos aparecem essas citações? Como na escultura, eles cruzam a geometria com linhas e formas mais fluidas, mas parecem mais sujos e espontâneos. Isso deve-se apenas às características dos materiais e das técnicas?

RS: Um pouco, sim. O desenho é uma coisa mais rápida, não exige tanto tempo, tanto planeamento, às vezes faz-se um desenho em meia hora, ou menos, se não se gosta, deita-se fora, e faz-se outro, e às vezes encontram-se coisas a partir desse lado mais automático. Há uns desenhos que são constituídos por linguagens diferentes e têm zonas que se relacionam com tempos diferentes. Têm um primeiro gesto mais informal, mais orgânico, uma espontaneidade que já é um pouco fabricada, porque não tem que ver com uma qualquer revelação expressionista da minha subjectividade; é mais o processo que me interessa. A partir daí há a construção de formas mais estruturadas e geométricas. Há ocasiões em que são deixadas zonas em reserva que depois são preenchidas por citações, às vezes obscuras, ou por coisas que me lembro de ver em trabalhos de outros artistas. Há uns desenhos pequeninos, abstractos, que mostrei na Galeria Esteves de Oliveira, em 2009, e que são feitos sobre um resto de papel que esteve a cobrir o meu estirador e acumulou os vestígios de vários desenhos que passaram por lá. Aproveitei todas essas marcas que foram sendo acumuladas ao longo de vários anos e acrescentei-lhes algumas formas geométricas. Esse lado mais sujo e menos racional não é propriamente expressionista, mas contém referências a esse tipo de linguagem e utiliza restos que sugerem essas linguagens, por vezes.

CR: Porquê a opção quase exclusiva pelo preto e branco? Muito raramente usas cor nos teus desenhos.

RS: Sim, muito raramente. Na exposição do Museu Coleção Berardo, que me lembre, há um desenho com cor. Há alguns desenhos que se aproximam mais da cor, como esses desenhos de que eu estava a falar, que têm umas tonalidades acastanhadas, avermelhadas. Mas normalmente não a uso porque não sinto falta dela, acho que consigo fazer tudo o que quero sem precisar dela. A cor seria um motivo de distracção. Tenho algumas pinturas, feitas em momentos relativamente circunscritos da minha vida, e nesses casos uso cor. Mas não é algo em que tenha grande à-vontade ou de que sinta necessidade. Não é um registo com o qual lide de forma muito fácil. É preciso pensar na cor, encontrar justificações para usar uma determinada cor num dado sítio. Às vezes opto, como acontece nesse desenho com cor que está no Museu Coleção Berardo, por usar simplesmente as três cores primárias.

CR: O desenho e a escultura parecem ser, no teu trabalho, actividades paralelas. Os teus desenhos não servem de preparação para a escultura, pois não?

RS: Não. Ou melhor, nunca os que eu mostro. Por vezes faço alguns desenhos em cadernos e coisas assim. Mas os desenhos que mostro são autónomos, feitos paralelamente à escultura, não são preparações nem representações da escultura. Tratam muitas vezes de assuntos semelhantes aos que abordo na escultura mas são feitos com os meios do desenho, com meios gráficos que não têm que ver com os materiais que uso para a escultura.

CR: Na exposição do Museu Coleção Berardo mostras três séries que combinam fotografia e desenho e em que este surge como uma inversão e uma análise formal do que está representado na fotografia.

RS: A primeira vez que fiz isso foi em Sloten [1991], um livro com o [poeta] Joaquim Manuel Magalhães que fazia parte de uma série de livros de artistas que o [crítico de arte] Alexandre Melo organizou no âmbito da Europalia’91. O Joaquim Manuel Magalhães tinha um conjunto de poemas inéditos e disse-me para fazer o que quisesse a partir daí. Gostei muito dos poemas e resolvi, já não sei bem porquê, fotografar o meu ateliê e os objectos por lá espalhados, fazendo umas composições com esses objectos. No livro, o poema ocupava a página da esquerda, enquanto a fotografia aparecia do lado direito e, virando-se a página, o desenho surgia nas costas, como se fosse uma visão à transparência que permitisse ver o que estava do outro lado do papel. Foi só mais tarde que emoldurei tudo de forma a mostrar as fotografias à esquerda dos desenhos. Mais recentemente, resolvi voltar novamente a esse processo. No caso de Reflexo na água [2014], são também fotografias feitas no ateliê que mostram partes de esculturas e restos de coisas abandonadas, mas o desenho é autónomo e é uma espécie de reflexão sobre a fotografia e sobre os elementos formais que a constituem.

No caso de Mar [2016], é um pouco diferente. As fotografias são de paisagens, algo relativamente raro no meu trabalho, e o desenho, aparecendo outra vez do lado direito, contamina a fotografia e passa por cima dela. A ideia de trabalhar vários momentos, que é recorrente no meu trabalho e mais óbvia no desenho, está aqui presente: há um primeiro momento de relação com a paisagem, no local, onde observo o mar ou as coisas que ali estão. A seguir há o momento da escolha do que vou fotografar e da fotografia em si mesma. Depois, há um novo olhar sobre a fotografia já feita e a partir daí o desenho é elaborado integrando a memória da paisagem tal como ela foi vista antes da fotografia. Todos esses momentos e escolhas que se fazem quando se olha para um sítio, para onde é que se olha, o que é que se decide reflexionar e priorizar... queria algo que funcionasse como repositório dessas decisões e foi isso que fiz nesta série.

CR: Na exposição há também uma série de desenhos, de 1998-2000, que são praticamente pinturas. Há um deles, quadrado (Sem título, 2000), que me chamou a atenção e que parece estar nos antípodas disso que falas, parece quase barroco.

RS: Sim. Esse desenho pertence a uma série relativamente pequena, existem uns cinco, todos quadrados e feitos a óleo sobre papel. Correspondem a uma altura em que tinham surgido umas tintas de óleo que se misturam com água. Resolvi experimentá-las e gostei muito do resultado. Usei várias vezes essas tintas e são de facto pinturas sobre papel, cobrem totalmente a superfície, há muita modelação, muitas tonalidades, não são nada espontâneas nem imediatas, tomaram bastante tempo e cuidado.

A escolha da Sara Antónia Matos foi muito interessante porque cria uma sala com formas que são da mesma família estrutural ou tipológica, formas redondas que se juntam umas às outras em configurações diversas. Quando se entra na sala, no meio estão as mais geométricas e simples. São as primeiras que fiz e partiram de um motivo que encontrei num vaso de cerâmica tradicional portuguesa, uma linha azul sem fim que se vai encaracolando sobre si própria. Gostei muito desse motivo, fotografei-o e comecei a desenhar a partir dele, criando uma espécie de geometrização desse motivo. Fiz vários desenhos a partir desse esquema. Um pouco mais tarde, fiz os desenhos que estão nas paredes laterais, da esquerda e da direita, e isso funciona como se, em ambos os lados, se fosse caminhando para uma figuração figuração que não chega explicitamente a sê-lo. Esse desenho que referes aproxima-se de panejamentos, do estudo de movimentos associados a formas barrocas mais dinâmicas. Na parede oposta isso também acontece, mas de uma forma mais estabilizada, algo que uns anos depois recupero para uns desenhos baseados na “Anunciação” de Frei Carlos.

Rui Sanches

Torreão Nascente da Cordoaria Nacional

Museu Coleção Berardo

Catarina Rosendo (Lisboa, 1972) Historiadora da arte. Investigadora Integrada do Instituto de História da Arte (FCSH-UNL). Desenvolveu, entre 2014 e 2017, investigação curatorial para a Colecção do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves. Integrou, entre 1995-2006, o Serviço de Exposições da Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea (Almada). Co-autora do filme sobre o escultor Alberto Carneiro, Dificilmente o que habita perto da origem abandona o lugar (2008). Autora de livros e catálogos de exposição e de ensaios para catálogos de exposição, actas de congressos e imprensa. Prémio [ex aequo] da Academia Nacional de Belas-Artes, 2008, com o livro Alberto Carneiro, os primeiros anos, 1963-1975 (2007). Actualmente, lecciona no Mestrado em Estudos Curatoriais no Colégio das Artes – Universidade de Coimbra.

 

A autora não segue o novo acordo ortográfico. 

 

1 Rui Sanches - Espelho-1
2 Rui Sanches - Espelho-20
3 Rui Sanches - Espelho-21
4 Rui Sanches - Espelho-11
5 Rui Sanches - Espelho-10
6 Rui Sanches - Espelho-24
7 Rui Sanches - Espelho-34
8 Rui Sanches - Espelho-4
8 Rui Sanches - Espelho-31
9 Rui Sanches - Espelho-33
10 Rui Sanches - Espelho-23
11 Rui Sanches - Espelho-25
12 Rui Sanches - Espelho-9
13 Rui Sanches - Espelho-7
14 Rui Sanches - Espelho-2
15 Rui Sanches - Espelho-16
16 Rui Sanches - Espelho-15
17 Rui Sanches - Espelho-19
18 Rui Sanches - Espelho-28
19 Rui Sanches - Espelho-29

Imagem de capa e os dois blocos de imagens a seguir: Vistas da exposição Espelho. Torreão Nascente da Cordoaria Nacional. © Fotos: DMF. Cortesia do artista e Galerias Municipais de Lisboa/Egeac.

Último bloco de imagens: Vistas da exposição Espelho. Museu Coleção Berardo. © Fotos: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Museu Coleção Berardo. 

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