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Luís Lázaro Matos: Zoo

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Cristina Sanchez-Kozyreva

Gaiola Dourada

Alguns meses depois de a sua peça An Ideal Husband ter estreado no Haymarket Theater em Londres, em Janeiro de 1895, Oscar Wilde foi detido por homossexualidade, ou como se dizia na altura “indecência grave”. Acabou por ser julgado e eventualmente condenado a dois anos de trabalhos forçados. Fazendo referência à peça de Wilde, mas também ao seu julgamento, bem como às palavras do amante do autor, Lord Alfred Bruce Douglas, Zoo, a exposição de Luís Lázaro Matos na Casa da Cerca, utiliza o humor e desenhos divertidos para nos convidar a uma experiência em tudo imersiva que nos atinge como uma comédia musical.

Ocupando duas salas do piso térreo e uma parede da rua já fora do centro de arte, a exposição inclui murais, desenhos, correntes e pinturas-instalações suspensas. Nas paredes dentro do espaço expositivo, o desenho a carvão de uma rede a fazer lembrar uma jaula faz sobressair esboços da Londres industrial do século XIX. Telhados pretos, cúpulas e chaminés que deitam fumo obscurecem o fundo, oferecendo uma perspectiva atmosférica do ponto de vista do interior de uma jaula. Os visitantes exploram os vários elementos pictóricos como se eles próprios estivessem encarcerados. Sobrepostas à paisagem e paralelas às barras da jaula, duas frases formam uma grelha adicional de palavras. A primeira frase é de Oscar Wilde: “Each man kills the thing he loves”, que poderíamos associar à perspectiva fatalista da inevitável traição nas relações amorosas. A segunda, “I am the love that dare not speak its name”, vem do poema de Lord Alfred Bruce Douglas, Two Loves (1892), e é muitas vezes referida, no contexto do julgamento de Wilde, como um eufemismo para a homossexualidade.

Quatro desenhos sobre papel de dimensões médias encontram-se pendurados, de forma casual, nas paredes da exposição. Integrando a série The Ideal Baboon (todos trabalhos de 2019), os desenhos mostram, pintados a tinta e aguarelas em tons de amarelo, dois macacos macho sobre um palco. Incluem quatro actos, Act I: Love, Act II: Betrayal, Act III: Imprisonment e Act IV: #2 UK singles top chart. Os desenhos oferecem uma janela para uma narrativa em curso sobre um palco ficcional (onde os babuínos substituíram os humanos) que faz eco do enredo de An Ideal Husband. A peça, também em quatro actos, conta a história de chantagem, intriga e vingança que pode acontecer por trás das portas fechadas de uma sociedade victoriana aparentemente polida. Aqui, os desenhos sugerem um vago paralelismo aos estratagemas que envolveram os julgamentos de Wilde e, de um modo mais geral, como os julgamentos sobre preferências sexuais podem conduzir um nobre estado de amor à traição e até mesmo terminar na prisão.

Provavelmente uma das melhores respostas à exposição pública que explorou a intimidade e segredos “no armário” foi a de George Michael, em 1998, com a sua música Outside. Foi o primeiro single lançado pela estrela pop depois do escândalo da sua detenção por um polícia à paisana numa casa de banho pública em Beverly Hills “por comportamento obsceno”. Uma forma exuberante de se assumir, o single estreou-se em segundo lugar nos tops britânicos — daí o título do quarto desenho de Lázaro Matos —, transformando uma potencial humilhação num momento de fama e abraçando a sua verdade.

O single é uma vez mais aludido no mural totalmente azul — água e bambus com um urso — que Lázaro Matos pintou no exterior da Casa da Cerca intitulado Let’s Go Outside in the Sunshine. Aqui, o artista colocou-o dentro das referências sobre a sua própria banda e os seus projectos musicais (tocará no centro de artes em Outubro).

Voltando à exposição, três correntes atravessam o espaço, cada uma segurando um pneu pintado de cores claras com uma longa tela rectangular pintada atravessada no seu buraco. Toda a estrutura faz lembrar as jaulas dos jardins zoológicos com brinquedos e instalações para os animais, digamos os babuínos, ocuparem. As três pinturas da série Gross Indecency representam, cada uma, uma relação entre o artista e um amigo seu. Na parte da frente da pintura, numa palete fauvista, está o retrato de um babuíno humanizado vestido num fato ou vestido victoriano, e na parte de trás da tela uma frase escrita que só o artista e o amigo retratado compreendem, uma espécie de piada privada.

Com a excepção das paredes, a maioria das cores na exposição é altamente tropical e alegre, reforçando a distância humorística dos seus vários temas. Essa distância, por sua vez, favorece a relação transitória que aparece entre a esfera privada, na qual uma pessoa deve, idealmente, gozar de um certo grau de autoridade, e a exposição pública ou humilhação que poderá resultar quando algo corre mal. A exposição oferece um ponto de entrada fácil para estas questões — mas apesar da sua abordagem aparentemente fresca cria uma envolvência apelativa onde as palavras-chave visuais atraem os visitantes para considerações sobre amor e castigo, diversão e castigo, amizade e castigo — e eventualmente as qualidades libertadoras da música.

Tal como a comédia pode ser uma ferramenta para passar uma mensagem política, a aura divertida desta exposição seduz o espectador suscitando o interesse nas vidas destes singulares babuínos nas suas jaulas floridas, aura que é assumidamente muito mais fascinante do que a paisagem urbana esboçada no horizonte. A sua frescura contrasta com a ideia de se ser criticado e detido e funciona como um lembrete de boas-vindas de que a felicidade pessoal pode ser colorida e dramática, mas sobretudo profunda e sincera independentemente das nossas preferência sexuais.

Luís Lázaro Matos

Casa da Cerca

Cristina Sanchez-Kozyreva é uma autora com experiência em relações internacionais e estratégia. Viveu na Ásia durante 15 anos. Actualmente trabalha e vive entre Lisboa e Hong Kong. É co-fundadora e editora-chefe da revista de arte Pipeline, com sede em Hong Kong (impressão 2011-2016). Contribui, regularmente, para várias publicações na Ásia, Europa e EUA, como Artforum, Frieze e Hyperallergic.

 

Traduzido do inglês por Gonçalo Gama Pinto.

 

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Golden Cage

A few months after his play An ideal Husband opened at the Haymarket Theatre in London in January 1895, Oscar Wilde was arrested for homosexuality, or as labeled then: “gross indecency”. As a result, he was tried and eventually sentenced to two years of hard labour. Referencing Wilde’s play, but also his trial, as well as the words of Wilde’s lover Lord Alfred Bruce Douglas, Luís Lázaro Matos’s exhibition Zoo at Casa da Cerca uses humour and playful drawings to invite us to an all-immersive show that hits you like a musical comedy.

Occupying two rooms on the ground floor and one wall in the street outside of the art centre, the show includes murals, drawings, chains and hanging painting installations. On the walls inside the exhibition space, a charcoal-drawn cage-like grid foregrounds sketches of 19th century industrial London. Black rooftops, cupolas, and fuming chimneys gloom in the backdrop offering an aerial perspective from the vantage of the inside of the cage. The visitors explore the various pictorial elements on show as if themselves were jailed. Superimposed on the landscape and running parallel to the cage’s bars, two sentences form an additional grid of words. The first sentence is by Oscar Wilde : “Each men kills the thing he loves” which we could associate with the fatalistic perspective of inevitable betrayal in love relationships. The second, “I am the love that dare not speak its name” comes from Lord Alfred Bruce Douglas’s poem “Two Loves” (1892) and is often referred, in the context of Wilde’s trial, as a euphemism for homosexuality.

Four average-size drawings on paper hang casually on the walls across the show. As part of the series The Ideal Baboon (all works 2019), they feature, in ink and yellowish watercolours, two male monkeys on a stage. They include four acts, Act I: Love, Act II: Betrayal, Act III: Imprisonment, and Act IV: #2 UK singles top chart. The drawings offer a window into an on-going narrative set on a fictional stage (where baboons replaced humans) that echoes the plot of An ideal Husband. The play, also in four acts, tells the story of blackmail, intrigue, and revenge that can occur behind the closed door of the seemingly genteel Victorian society. Here they propose a loose parallel to the schemes that surrounded Wilde’s trials, and more generally, how the judgments passed on sexual preferences can lead from a noble state of love into one of treachery, and even end in jail.

Probably one of the best responses to public exposure that exploited intimacy and closeted secrets, is that of George Michael in 1998, with his song Outside. It was the first single released by the pop star after his scandalous arrest for “lewd act” in a public lavatory in Beverly Hills by an undercover police. A flamboyant way of coming out, the single came second in the British charts—hence the title of Lázaro Matos’s forth drawing, and turned potential humiliation into a moment of fame and embracing one’s truth.

The single is alluded to again in the all blue—water and bamboos with one bear—landscape mural Lázaro Matos painted outside of Casa de Cerca titled Let’s Go Outside in the Sunshine. Here, the artist placed it within references about his own band and musical endeavours (he is programmed to play in the art centre in October). 

Back inside, Three chains run across the space, each holding a brightly painted tire with each a long rectangular painted canvas in its hole. The whole structure is reminiscent of zoo cages with toys and installations for animals, let’s say baboons, to occupy. The three paintings from the series Gross Indecency each represent a relationship between Lázaro Matos and a friend. On the front of the painting, in a fauvist palette, is a portrait of a dressed humanised baboon in suit or victorian dress, and in the back of the canvas is a written sentence that is only for the artist and the depicted friend to understand, a private joke of sorts. 

Except for the walls, most colours in the show are highly tropical and merry, reinforcing a humorous distance from its various subjects. That distance, in turn, helps the transitory relationship that appears between the private sphere, in which ideally an individual should enjoy a degree of authority, and public exposure or the shaming that can result of it when it turns sour.  The exhibition offers an easy point of entry to these issues—if not much else, yet despite its seemingly airy approach it offers a compelling surrounding where visual keywords draw the visitors into considerations of love and punishment, fun and punishment, friendship and punishment—and eventually the liberatory qualities of music.

Just like comedy can be a tool to pass on a political message, this show’s playful allure seduces the viewer into taking an interest in the lives of these peculiar baboons in their  flowery cage that is admittedly much more alluring than the cityscape looming in the horizon. Its lollipop freshness contrasts with the idea of being criticised and detained, as a welcome reminder that personal happiness can be colourful and dramatic, but most of all deep and sincere, no matter our sexual preferences.

Cristina Sanchez-Kozyreva is an author with experience in international relations and strategy. Lived in Asia for 15 years. He currently works and lives between Lisbon and Hong Kong. She is co-founder and editor-in-chief of the Hong Kong-based art magazine Pipeline (print 2011-2016). He contributes regularly to various publications in Asia, Europe and the USA, such as Artforum, Frieze and Hyperallergic.

 

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Luís Lázaro Matos. Zoo. Vistas da exposição Casa da Cerca, Almada. Cortesia do artista e Casa da Cerca. Fotos: António Jorge Silva.

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