Ragnar Kjartansson, Não sofra mais (2023). Anozero: Bienal de Coimbra. Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Foto: Jorge das Neves. Cortesia do artista e Anozero Bienal de Coimbra.
Crítica — por Susana Ventura
Duas notas introdutórias de carácter empírico a partir da experiência aquando da visita à exposição. A primeira releva o número elevado de visitantes, que se encontravam no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova a percorrer a exposição com uma atenção dedicada. Penso que se deva muito ao efeito desta exposição específica, que nos leva a não querer sair dela (e à segunda nota, por conseguinte). Pensei para comigo: há quanto tempo não sentia este desejo de não abandonar uma exposição (e de repetir a visita pelas várias salas só por prazer — essa experiência que parece estar, cada vez mais, ausente das exposições de arte contemporânea)? A exposição não sofra mais do artista islandês Ragnar Kjartansson acabará por revelar os segredos deste efeito, embora acredite (sobretudo relativamente à primeira nota) que o trabalho persistente do CAPC: Círculo de Artes Plásticas de Coimbra tem conseguido despertar e consolidar um público em torno da programação no domínio das artes visuais da Anozero — Bienal de Coimbra.
Entrevista — por Catarina Rosendo
A propósito do Grande Prémio Fundação EDP Arte com que a artista Luisa Cunha foi galardoada em 2021, o MAAT apresenta a exposição “Hello! Are you there?”, com curadoria de Isabel Carlos. A extensa selecção de trabalhos incluída na mostra permite um olhar abrangente sobre o percurso desta artista que se iniciou na actividade artística relativamente tarde mas que é autora de uma obra única no panorama nacional e rara em contexto internacional. Geralmente conhecida pelas suas provocadoras e desestabilizantes obras sonoras, do seu trabalho fazem também parte desenhos, fotografias, vídeos, esculturas e performances com que experimenta questões afins àquelas que explora através do som e do uso da sua própria voz. A partir das tradições artísticas do minimalismo e do conceptualismo anglo-saxónicos dos anos 1960-1970, Luisa Cunha usa a repetição e o loop para jogar com a linguagem e brincar com os conceitos de um modo intuitivo, lúdico e aparentemente leve.
Entrevista — por Paula Ferreira
Nos Coruchéus, há um ateliê que tem a porta sempre aberta — como me diz Ângela Ferreira, quando a contacto para propor uma entrevista. É nesse espaço, entre maquetes, registros fotográficos e catálogos de exposições passadas, que as obras que compõem a carreira da artista coexistem e a fazem pensar o futuro. Em horas que mais pareceram alguns minutos, falamos sobre a escolha das obras que compõem a sua primeira exposição antológica na Alemanha — patente até o dia 6 de Agosto na Kunsthalle Recklinghausen —, sobre as maneiras que a sua própria história moldou a sua prática artística e sobre outras questões que fazem dela uma artista de relevância para o contexto da arte contemporânea em Portugal.
Entrevista — por Cristina Robalo
No quarto ano da Universidade Clássica tornou-se claro para Jorge Molder que não queria continuar a exercer Filosofia, porque, a partir desse momento, percebeu que havia dois, ou três tipos de actividade — investigação e ensino — que não lhe interessavam. Anos mais tarde sentiu necessidade disso, mas essa falta foi preenchida enquanto director do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (1994-2009), através do estudo da obra de alguns artistas e também de poder encontrá-los, estar com os artistas. Organizou diversas exposições, uma delas ainda hoje inscrita em mim – Fantasmas de Marlene Dumas, de quem já era amigo de longa data. Mas antes disso, desde miúdo, passava o dia a ver exposições e via todas as que havia na sua época. Há uma que destaca, a primeira exposição de Artes Plásticas, na Sociedade Nacional de Belas Artes, onde várias obras de Almada Negreiros estavam expostas.
Ensaio — por Eduarda Neves
Há alguns meses que não te escrevo, querido amigo. Uma estadia em Paris atrasou a nossa habitual troca de correspondência. Encontro-me a dois passos do 35, Boulevard des Capucines. Constato que o edifício no qual Nadar abriu a porta do seu estúdio a mais de uma centena de artistas independentes é, actualmente, administrado por um grupo económico que anuncia operar em contexto que promova uma inclusiva, fluída, maior e simples área urbana. Recordo o Salon de 1863 e noto que à minha volta, no campo da arte, os Refusés aspiram cada vez mais à arte do goût officiel, apesar da intensa mobilização social dos franceses contra a reforma das pensões. Os manifestantes, incluindo os jovens, não se deixam persuadir pelos argumentos governamentais. A avant-garde, tornada démodé, projecta-se na forma da oposição cívica.
Crítica — por Maria Kruglyak
Apresentando-se em oposição à compulsiva quimera capitalista da expansão eterna, "Desejos Compulsivos — A Extração do Lítio e as Montanhas Rebeldes" promove um conjunto de alianças interseccionais e interdisciplinares para enfrentar a atual emergência climática. Patente na Galeria Municipal do Porto, a exposição, com curadoria de Marina Otero Verzier, parte da resistência coletiva global à exploração do lítio e da contestação em torno da utilização paliativa deste elemento para revelar um equilíbrio feliz entre obras investigativas, documentais e comunitárias. A conjugação entre a abordagem crítica da exposição — fundada na já longa investigação que a curadora tem vindo a desenvolver sobre o lítio, em Atacama, no Chile, entre outros locais — e a oportuna data de abertura converte as diferentes visões da arte internacional sobre a transição para a energia verde numa voz ativa de resistência coletiva.
Crítica — por João Sousa Cardoso
Danh Vō é dos artistas contemporâneos que mais justamente trabalham no fio da navalha entre a subjetividade, a história política global e o pensamento ecológico. Aparentado à produção de grande escala, o gesto mantém-se artesanal e a relação estabelecida com o espectador revela-se atenta, quase intimista. Convidado a conceber um projeto específico para o emblemático espaço da rotonde (a sala circular central) da Bourse de Commerce, em Paris, edifício histórico reabilitado pelo arquiteto japonês Tadao Ando que acolhe, desde 2021, a Pinault Collection, Danh Vō propõe-nos Tropaeolum (2023), um impressionante jardim de inverno, composto por troncos de árvores mortas, fragmentos de arte antiga e vasos com plantas que reverdecem em flor.
Entrevista — por Cristina Robalo
"Serpentina" é a mais recente exposição de Adriana Molder. A palavra ‘serpentina’ está relacionada com o movimento: é uma fita de papel estreita, comprida, colorida, que enrola e desenrola, e, é uma palavra de que Adriana Molder “gosta muito” — um substantivo feminino. Serpentinus e serpentis têm em comum a origem da palavra e, também, têm o verbo ‘lançar’ como força constante na exposição: lançar fitas e lançar sementes. Sem braços e sem pernas, a serpente movimenta-se a dançar; símbolo de sedução e de fertilidade, ela é “um animal que provoca susto e é o nosso oposto em tudo.”
Crítica — por José Marmeleira
Quem encontrou o trabalho Luigi Ghirri (1943-1992) em revistas ou outros suportes, sem nunca ter visto uma exposição deste autor e fotógrafo, tem, no Museu CCB, uma oportunidade preciosa, absolutamente irrecusável. Com a curadoria de Pedro Alfacinha, Obra Aberta inclui três conjuntos de fotografias e, sobre três mesas, várias polaroids. Ao todo, correspondem a setenta e nove fotografias produzidas na década de oitenta do século passado. A selecção, podemos ler na folha de sala, “foi guiada pelas ideias de Ghirri no seu ensaio A Obra Aberta, de 1984, bem como pela própria estrutura do seu acervo, respeitando tendências e predileções evidentes”.
Entrevista — por Cristina Sanchez-Kozyreva
No contexto da sua exposição individual na Kunstverein Braunschweig, Luís Lázaro Matos fala com Cristina Sanchez-Kozyreva sobre a viagem de luxo às Ilhas Maurícias que precedeu toda a produção de Hotel Dodo e sobre como esta se insere numa prática artística colorida — em vários sentidos — que celebra a queerness e o sexo, cria uma relação entre a felicidade e o mundo animal, e transforma uma instituição histórica alemã num resort tropical.
Crítica — por José Marmeleira
Com duas exposições patentes na cidade de Porto, "Sem Corpo/Disembodied" no Museu de Serralves e "Sensação Fantasma" no espaço Sismógrafo, Vera Mota (Porto, 1982), afirma um percurso e uma obra solidamente construídos. Introduza-se algum contexto: o trabalho da artista tem sido exibido regularmente no circuito galerístico nacional, encontra-se representado em algumas das mais importantes colecções nacionais públicas e privadas e estende-se à actividade no campo da performance, assinalada em diferentes lugares e espaços desde 2005.
Crítica — por Paula Ferreira
Há uma voz ao longe que, sorrateiramente, se aconchega ao pé dos ouvidos. Há, pelo ar, uma voz que rodopia e inunda, aos poucos, o espaço com a sua presença. Há, no movimento serpenteante da voz, um círculo que se desenha. Há um sussurro discreto, mas persistente, que flutua pelos tímpanos adentro mesmo que não se queira. Há, em tal voz, uma firmeza e um enigma. As coisas que acontecem no mundo e há aqui uma marcha em eterno loop. É pela discreta onipresença de tal voz, a repetir incessantemente o texto Há, da artista Cristina Mateus, que a exposição Guardar os Olhos no Bolso se inaugura. Como se pudesse o pensamento falar em voz alta, as palavras de teor confessional são reproduzidas em loop a elucubrar sobre as coisas que se passam na vida.
Crítica — por Paula Ferreira
"Rendering Pyramids" mostra de vídeos patente na plataforma digital Hangar-online até o dia 6 de maio, propõe uma revisitação a esse passado do país. Pela curadoria de Raphael Fonseca, estão reunidos nove artistas que trabalham com media digitais e sete obras (duas das quais são colaborações entre dois artistas). Entre a criação de imagens por softwares e uma espécie de assemblage de imagens documentais manipuladas digitalmente, os trabalhos se empenham em um exercício comum para desvelar camadas de herança histórica — sempre sob uma perspectiva essencialmente contemporânea. Quando os artistas “revisitam” o passado, entretanto não o fazem em busca de um sentido nostálgico ou saudosista.
Crítica — por Margarida Mendes
A pintura de Rudi Brito abre-nos à frescura lírica de um impressionismo psicadélico na era do pós-digital. Tão cativantes quão magnéticas, as suas imagens infiltram-se como espectros que desconstroem o processo óptico, aqui expandido e diagramado através de filtros e sobreposições de camadas de cor. Viajamos por elas como passando através de um caleidoscópio, perdendo a ideia de escala assim que estas se acoplam ao olhar, do seu vortéx fazendo o mundo refractar. Este é um psicadelismo do quotidiano, que encena cenários fugazes, singelas abstracções, enquadramentos de botas de cowboy e outros elementos naturais que se repetem, desfazem e distendem, muitas vezes em close-up.
Crítica — por Maria Kruglyak
O festival de arte multidisciplinar "Futuros da Liberdade" procurou abordar com fervor e entusiasmo, ligando a memória de 1974 à ambivalência da realidade dos dias de hoje e do futuro. Organizado pela Rua das Gaivotas 6 e pela Supermala no enquadramento da data, "Futuros da Liberdade" conjugou, ao longo de três dias, a culinária, a música, a prática da instalação e a arte performativa para gerar um arco de experiências celebrativas que remetem diretamente para as festividades comunitárias, não esquecendo as subtis críticas que uma celebração honesta do 25 de Abril terá de confrontar.
Entrevista — por Eduarda Neves
Olhar de frente e persistir é combater o caos. Artista plástico, Filipe Marques (1976, Vila do Conde) estudou na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e na Escola de Düsseldorf. Tem vindo a desenvolver uma prática artística consolidada, na qual as relações entre memória, identidade, história, sexualidade e poder ocupam um lugar estruturante. Are we all museums of fear?, exposição apresentada na galeria Lehmann + Silva marca o ponto de partida para esta conversa.
Crítica — por André Silveira
And now what? — exposição da islandesa Rúrí (1951) que pode ser vista no Museu Internacional de Escultura (MIEC) de Santo Tirso até 25 de Junho — junta seis peças da artista que dão desde logo conta da multiplicidade de meios de expressão a que esta recorre, da performance à instalação, passando pela fotografia ou o vídeo. Visão de conjunto do trabalho de Rúrí que com o vídeo Items traça a elipse entre o momento inicial do seu longo percurso, que recua a Golden car e How to change the icelandic costume to meet with the modern icelandic society. Duas performances de 1974, realizadas na capital da Islândia, Reiquiavique, no ano em que termina a sua formação inicial na Escola Islandesa de Artes e Ofícios. Daí prossegue os estudos em Haia, entre 1976 e 1978, realizando no ano seguinte a primeira versão de Items, vídeo reconstruído em 2005 e exibido no piso inferior do MIEC.
Crítica — por Isabel Nogueira
Chegámos ao Round Up #10. O ano vai quase a meio e há muitas propostas para ver neste final de Primavera. Seleccionámos três exposições que apresentam uma leitura do espaço e da obra com considerável grau de originalidade, conseguindo, por um lado, algum distanciamento face ao espaço expositivo tradicional, tantas vezes expectável e asséptico; por outro, o mesmo distanciamento, sobretudo visível nos últimos tempos, perante exposições com uma profusão barroca e sufocante de elementos. Por último, trata-se de propostas que procuram, de modo consequente e efectivo, perceber, interrogar e incrementar discursos, de facto importantes, tais como a relação do Homem com a Natureza e com o Outro.
Crítica — por Maria Kruglyak
"Emancipação do Vivente" propõe um discurso crítico e interseccional de empoderamento e resistência ativa contra a injustiça, a violação e a deslocação forçada do humano e do não-humano. É a primeira exposição com curadoria assinada pelo Museum for the Displaced (Mf D), cujos membros passaram os últimos três anos a desenvolver uma metodologia curatorial alternativa através da organização de residências e programas artísticos que abrem espaço para se cuidar e para se demorar, prescindindo de enquadramentos centrados no resultado final e nas exigências da produção para, ao invés, apoiar e usar a arte para construir futuros inclusivos
Crítica — por Isabel Nogueira
Neste “RoundUp” seleccionámos quatro exposições que convocam algumas destas questões e problemáticas e que se materializam em diferentes estéticas e linguagens artísticas. No RoundUp #9: Bruno Cidra — Almoço na Barriga do Cavalo @ Bruno Múrias; Charbel-Joseph H. Boutros — I Stood in the Middle of the Strait of Gibraltar and I Dropped my Left Tear in the Atlantic Ocean and my Right Tear in the Mediterranean Sea @ Vera Cortês; Fábio Colaço — Tomorrow @ Uma Lulik; Priscila Rooxo — Protagonizando a Cena @ Galeria Francisco Fino.
Crítica — por Isabel Nogueira
Esta exposição não é só uma exposição. É um espaço onde fotografia, música e vida se misturam, curiosamente no ano em que o Centro de Artes Visuais comemora duas décadas de existência. Inserida no ciclo com direcção curatorial de Miguel von Hafe Pérez, A Vida Apesar Dela, Filipe Ribeiro assina a curadoria de uma mostra que tem por base as inúmeras fotografias a preto e branco, captadas por Victor Torpedo (n. 1972), também músico, aquando da primeira tournée da banda rock coninbricense “Tédio Boys” (1990-2000) aos Estados Unidos da América, em 1997.
Entrevista — por Maria Kruglyak
Explorando as histórias do sal através de uma perspetiva fundada na ação de cuidar e de demorar, A Salt Anthology foi o projeto que venceu a Open Call Jovens Curadorxs, organizada pela Rua das Gaivotas 6 e pela Associação Quinta das Relvas. Com curadoria de Kevin Bellò e obras das artistas Inês Coelho da Silva e Joana Viveiros, a exposição parte de uma residência que teve lugar na Associação Quinta das Relva e durante a qual este trio se debruçou sobre a produção de sal nas Salinas de Aveiro e do Samouco. Procurando ativamente evitar algumas das práxis estabelecidas da criação artística, esta exposição conjuga um texto curatorial de cariz poético e descritivo com uma variedade de objetos escultóricos de vidro e cerâmica, mãos-cheias de alimentos sobre azulejos feitos de lama, guardanapos cosidos à mão, uma instalação de pequenas dimensões, fotografias e uma toalha de mesa sobre a respetiva peça de mobília — a maior obra da galeria, representando uma vista aérea das salinas. Em vez de se atribuírem títulos individualizados, cada uma das peças está numerada de 1 a 16, sob a designação A Salt Story.