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Adriana Molder: Serpentina

09 Still vídeo Serpentina, © Adriana Molder.jpg
Cristina Robalo

 

um mistério a desvendar

Conversa com Adriana Molder

 

Serpentina é a mais recente exposição de Adriana Molder. A palavra ‘serpentina’ está relacionada com o movimento: é uma fita de papel estreita, comprida, colorida, que enrola e desenrola, e, é uma palavra de que Adriana Molder “gosta muito” — um substantivo feminino. Serpentinus e serpentis têm em comum a origem da palavra e, também, têm o verbo ‘lançar’ como força constante na exposição: lançar fitas e lançar sementes. Sem braços e sem pernas, a serpente movimenta-se a dançar; símbolo de sedução e de fertilidade, ela é “um animal que provoca susto e é o nosso oposto em tudo.”

Na Escola das Artes da Universidade Católica do Porto, o seu trabalho é acolhido pela luz quente e amarelada da sala de exposição, criando uma temperatura de um tempo passado em sintonia com um tempo presente. O facto de ter convivido com obras do quattrocento, do período do Romantismo, ou Renascentista, através do gesto e da imagem, Adriana Molder firma “o amor que tem aos artistas”, aqueles que fazem parte da sua vida. O gesto que, entre pintura e desenho, é visível nos trabalhos sobre papel têm “essa maldição do desenho, relacionada com a coragem. Tem de se avançar e não se consegue voltar atrás.” A imagem no filme é tratada com a técnica de animação Stop Motion, mas é o cinema mudo e o expressionismo alemão que vão ao encontro de Molder. E, contudo, há um lugar misterioso, onde humor e gravidade se tocam, deixando em suspenso algo que a afectou e, agora, ganhou outra vida. Adriana Molder, ora em positivo, ora em negativo, agarra uma serpente em cada mão e o ziguezague serpenteia numa direcção: “misturar o tempo.”

 

 

  

Cristina Robalo (CR): No texto de apresentação da exposição escreves: “Serpentina, a serpente musa de Anselmo, linha viva, capaz de ser qualquer forma e de provocar susto.” Quem é esta serpente e quem é Anselmo?

 

Adriana Molder (AM): Anselmo é uma personagem do conto O vaso de ouro de E.T.A. Hoffmann e a serpente é a sua musa. É um conto da época do Romantismo que acho muito trágico: Anselmo fica dividido entre um mundo burguês e o mundo dessa serpente, Serpentina, a filha do arquivista Lindhorst por quem se apaixona. Ele passa os dias em Atlantis com a sua musa e, no final da história, torna-se um poeta, fica um desgraçado, mas vive intensamente num mundo de inspiração e entende a poesia.

 

CR: Porquê um conto da época do Romantismo?

 

AM: Gosto de histórias dessa altura, gosto de histórias de encantar e gosto da fantasia e do terror que o Romantismo originou. Esta série de desenhos já tinha começado quando descobri o livro de Hoffmann. Estava em Vila do Conde para ver uma exposição do Gustavo [Sumpta] e comprei o livro numa feira de antiguidades. Adorei esse conto que não conhecia.

 

CR: A serpente é uma linha que dança e encaracola?…

 

AM: Está viva! É uma linha viva! A serpente é uma linha! Tem tudo que ver com desenho!

 

CR: Essa linha está presente em todos os desenhos desta exposição?

 

AM: Sim, em particular no desenho a que chamei Serpentina. Este desenho tem duas figuras, que não fazia há anos: dois corpos próximos! Aqui, rodeados de fitas serpenteantes. As camadas de tinta estão tão diluídas que quase parecem desenhadas a grafite, excepto as tranças, que, marcadas pela sobreposição de muitas camadas de tinta, sugerem um caminho, um movimento.

 

CR: Esta é a primeira série de desenhos em que a linha do papel não obedece à forma regular, ou seja, os desenhos surgem recortados. Essa linha de recorte também serpenteia?…

 

AM: Sim. Os desenhos não são formas estáveis. Eu já tinha recortado um primeiro desenho que pertence à série Círculos Mágicos, depois continuei a fazê-lo. Houve também um círculo anterior a Serpentina, o desenho redondo Espelho (2022), mas o círculo é uma forma altamente estável. Não conta! Estas formas são mesmo irregulares e orgânicas.

 

CR: Mas essa linha, ou linhas, que serpenteiam e dançam, estão presentes não só na série de dez desenhos, como também no filme Serpentina que realizaste para a exposição. Como é que foi o início deste trabalho?

 

AM: O Nuno Crespo [Director da Escola das Artes e curador de Serpentina] convidou-me para fazer uma exposição e disse-me sempre para aproveitar os recursos da escola. E o meu trabalho tem muito que ver com cinema, nomeadamente com o film noir.

 

CR: Em que momento se torna claro para ti realizar um filme?

 

AM: Trabalho com papel esquisso no chão, com muita água, e, passo o dia a pôr desenhos de grandes dimensões na parede, sozinha, com um escadote, e, novamente, a tirá-los para regressarem ao chão. Quando tiro um desenho da parede, ele voa e aterra de uma determinada maneira: o barulho de enrolar, de desenrolar, o peso da água sobre o papel… E, quando estava a trabalhar, na minha prática de atelier, e, na possibilidade de construir um filme, ouvia as palavras do Nuno Crespo, que a certa altura disse: “Podes fazer um filme.” Com esta loucura toda a acontecer no atelier descobri que queria fazer um filme sobre o movimento; queria filmar os desenhos a voarem, porque são os movimentos que vejo constantemente a acontecerem. Sempre quis registar isso, mas nunca houve essa possibilidade até este convite o proporcionar.

 

CR: Soubeste logo que irias utilizar uma técnica específica, como o Stop Motion?

 

AM: No início não sabia se seria uma animação ou não, depois percebi que seria em Stop Motion. Na Escola das Artes juntaram uma equipa de ex-alunas de animação para trabalhar comigo e, em Dezembro de 2022, fui fazer uma experiência para percebermos o que eu queria. Por outro lado, fui construindo os desenhos e o argumento, escrito e visual.

 

CR: Os desenhos são os protagonistas do filme e, evidentemente, da exposição. Eles foram feitos no teu atelier dos Coruchéus, em Lisboa?

 

AM: Alguns foram começados em casa, os maiores, depois acabei-os aqui no atelier. Foi fundamental! A família foi para o Porto e desmanchei a sala. Às vezes faço isso, desmancho a sala toda e faço da minha casa atelier. Adoro! É uma coisa de que tenho muitas saudades. Sabes Cristina, faço muitos intervalos, estou sempre à espera que a tinta seque. Então posso ir fazer outra coisa, mas também acontece trabalhar três horas de seguida numa pequena parte dum trabalho. E o chão de madeira é muito melhor do que o de tijoleira.

 

CR: A intensidade do pormenor, escondido entre as aguadas, ora mais escuras, ora mais claras, é cada vez mais visível nos desenhos. Eles revelam detalhes e figuras a descobrir em pequenos lugares.

 

AM: O facto de me ter usado como modelo… habitualmente faço-o, mas não se nota. Em Serpentina, praticamente todos os rostos das figuras desenhadas são o meu. O detalhe e a intensidade estão ligados ao meu rosto estar a envelhecer. Por isso também há mais informação, há mais desenho e cada vez demora mais tempo, é lento. Há uma presença forte nestes trabalhos, eles são densos e há um apagar…

 

CR: Qual é a relação entre o teu rosto estar a envelhecer e o facto de haver mais desenho?

 

AM: Serpentina é uma exposição da maturidade.

 

CR: Desenhas directamente com o pincel ou fazes uns desenhos preparatórios?

 

AM: Não! Não gosto nada de esboços e quando os faço é uma desgraça! Às vezes quero perceber onde é que vou encaixar determinada linha e, quando são desenhos grandes, aproveito as divisões do papel para que haja uma espécie de esquadria. Eu desenho por camadas, há sempre desenho dentro do desenho. Isso dá profundidade e torna o que estou a fazer, que é figurativo, num trabalho bastante abstracto. É uma obsessão e a obsessão está maior. E vejo muito mais!

 

CR: Lá está! O detalhe e o pormenor escondidos entre as aguadas…

 

AM: Sim… também é um inferno para a minha vida. Como dizia Courbet: “vejo tão claramente que devia tirar um olho.”

 

CR: Quando o papel está disposto no chão desenhas de pé com um pincel que chega até ele?

 

AM: Não, adorava! Uma vez fiz isso porque estava com dores nas costas e fiquei com tanta inveja daqueles pincéis maravilhosos do Matisse. Estes desenhos são feitos entre o chão e a parede: quando quero criar um tipo de manchas desenho no chão, quando quero criar outro, desenho na parede. Gosto das manchas! Elas são essenciais!

 

CR: O filme, tal como os desenhos, apropria-se de imagens, cria uma narrativa, surgem muitas referências, muitos caminhos e desvios… Como é que apareceram as gravuras de Israhel van Meckenem e do Mestre E.S?  

 

AM: Tudo começou com uma pequena pintura de Tomasz Kowalski que tenho na minha sala. É um cavaleiro com uma armadura que faz lembrar o Retrato de um Cavaleiro (1510) de Vittore Carpaccio. Com a armadura e o cavaleiro em mente fui à procura de inspiração na colecção Albertina que está em Viena, onde nunca fui. Encontrei uma gravura do Dürer e decidi fazer uma cavaleira com a minha cara. E, depois, cheguei aos dois gravadores, o Mestre E.S. e Israhel van Meckenem. Ninguém sabe bem quem eles foram. As gravuras são incríveis e foi uma experiência muito profunda trabalhar a partir delas. Hoje em dia sabemos tudo sobre toda a gente e essas imagens são de pessoas das quais nada sei, mas tinha o mais importante: a obra.

 

CR: Esse desconhecimento também te permite recriar uma outra história?

 

AM: Sim, gostei muito disso! E gostei também de misturar imagens que não têm que ver com essas gravuras. De misturar o tempo. Às vezes penso no François Truffaut, na ideia de trabalhar a partir daquilo que está próximo. Queremos ir muito longe…

 

CR: O que descobriste próximo de ti?

 

AM: Todos os domingos ia ao Museu de Arte Antiga com a minha filha e está lá aquela pintura de Lucas Cranach, que conheço desde sempre, Salomé com a Cabeça de São João Batista (1510). Estava ali à minha frente, à minha espera!

 

CR: No filme, o desenho, Salomé, voa e sobrepõe-se ao teu corpo. Qual é a história deste desenho ou da personagem?

 

AM: A Salomé de Cranach é uma espécie de serpente e o meu desenho tem essa forma, a Salomé transforma-se. No filme, é quase o meu útero. Queria que isso acontecesse, mas era suposto ela dançar mais e ficou um pouco violenta.

 

CR: Estes pintores são renascentistas, os gravadores são do período do quattrocento, o Hoffmann pertence ao Romantismo e, claramente, há uma apropriação de uma imagem de Louise Bourgeois…

 

AM: Sim, a partir da fotografia de Robert Mapplethorpe em que ela está a rir. É uma imagem muito terrena. É uma bela bruxa… Demorou tanto tempo para aquela mulher ser reconhecida e ali está ela, com aquele sorriso. É uma homenagem!

Atrás de mim tinha cinco pessoas a segurarem o meu desenho Cosmos, em grande esforço!

 

CR: Esse Cosmos guia-nos até Hildegard van Bingen?

 

AM: Fiquei a conhecer a música de Matteo da Perugia, graças à nossa Antena 2, através dele, cheguei a Hildegard von Bingen e à representação do seu universo: aquele ovo que também é uma espécie de uma grande cona. É uma imagem fértil!

 

CR: E a música de Conan Osíris?

 

AM: Aprecio tanto a sua loucura! Foi a música dele que me deu a ideia das tranças se transformarem em cobras, saírem do desenho e virem até mim. Foi a música, não foi o desenho.

 


 

CR: Nesta exposição, o trabalho deixa de ser cinematográfico, ou seja, as referências continuam a ter que ver com o cinema, mas há uma alteração de lugar. Nós ficamos dentro do espaço, dentro de um ambiente: na penumbra, os desenhos passam a ter necessidade de um olhar semicerrado e o filme, projectado naquela grande parede, funciona como íman. Atrai-nos!

 

AM: Os meus desenhos criam geralmente uma reacção visceral: ou as pessoas vão-se embora ou querem ficar. Não há meio termo e isso é uma coisa boa! Em Serpentina temos de nos adaptar à luz para conseguirmos ver os pormenores, como o pêlo da mulher no desenho Senhora do Unicórnio, ou o cabelo e o sexo da A Mulher Nua com as Rosas. O espaço está escuro para se poder ver o filme. Havia a possibilidade de separarmos os desenhos do filme, mas acho que iríamos ficar a perder, porque a ideia era mostrar ambos os trabalhos no mesmo espaço para serem vistos em simultâneo. O Nuno [Crespo] fez o desenho para a construção da parede onde o filme é projectado, a sala ficou metade preta e metade branca: todas as formas instáveis estão na parede branca e tudo o que é estável está na parede preta. Este tipo de montagem é uma coisa nova: ver os desenhos enquanto se ouve o barulho do papel e/ou enquanto se ouve a música.

 

CR: Há um desenho que está separado dos outros, é o falo que seguras debaixo do braço em homenagem a Bourgeois. Ele abre a exposição, isto é, está no exterior. No interior, estão os restantes desenhos e o filme. Podias falar sobre a escolha de isolar o falo?

 

AM: O falo é um desenho, mas também é um adereço, é o pedaço que no filme cai do chapéu do desenho A senhora do Chapéu ou Estranho Casal, deixando um espaço vazio. Desse vazio, surge uma criança a espreitar para dentro do filme, da história… Na exposição queria que o falo nos indicasse o caminho: “É por ali!” Um falso caminho, porque, no interior, todas as figuras dos desenhos são femininas, com excepção do desenho O Lua que está escondido.

 

CR: Entras no filme! Mergulhas no filme…

 

AM: Sim, entro. Sou eu enquanto artista e, como artista, sou diferente daquilo que sou em casa. No atelier há uma total liberdade e concentração. Passei a vida a ver exposições… As viagens que fiz são todas para ir ver exposições, não vou para as praias ou para as ilhas, vou sempre ver exposições. Depois, tenho ideia de que me esqueço e quando estava a fazer este filme, os movimentos das mãos, os gestos, os rostos, pequenas figuras, vêm de pinturas que vi e que me marcaram. Há coisas óbvias, como a Louise Bourgeois, de que já falámos, mas também As Bolhas de Sabão de Manet, ou a estatueta minóica Deusa das Serpentes, e, entre essas imagens de referências, surgem outras mais mundanas.

 

CR: Como o lado cómico de brincares com o teu cabelo? Ele também se enrola e desenrola como uma serpentina, no movimento de Stop Motion?

 

AM: Sim. Os filmes de Maya Deren foram importantes, sobretudo Meshes of the Afternoon (1943). O modo como se movimenta, como a personagem anda, ela está de sandálias, o corpo tem peso e o cabelo esvoaça. Eu brinco com o meu cabelo e com o negativo. O cabelo é mesmo importante neste filme, porque ele é um personagem. Está em constante movimento, por um lado, dá leveza e, por outro, tem peso e serpenteia. No filme, quando o positivo passa a negativo, o cabelo é claramente feito de linhas, todo ele é desenho. Há muito cabelo e pêlos nestes desenhos.

 

CR: De facto, o filme tem qualquer coisa de cómico e penso que está relacionado contigo: por exemplo, vestes algumas roupas que se transformam em desenho, a tua actuação com o cabelo e a relação do corpo com o espaço. Isto permite que te divirtas com a tua figura?

 

AM: Gosto muito de ligações entre uma coisa mais profunda e outra mais cómica. Ao princípio pensei que ia fazer um filme a preto-e-branco, mas a cor das meias e do laço a vermelho, a cor do meu cabelo e a cor da minha pele, funcionam como dissonância  na base melódica dos desenhos a preto-e-branco.

 

CR: Há um oráculo, um mistério a decifrar?

 

AM: Acho que há. E também nos desenhos. A experiência de atelier só foi possível vivê-la porque era Inverno. As estações são muito importantes. Comecei um ano antes, na Primavera de 2021, mas entre Setembro e Fevereiro é que o trabalho foi mesmo realizado. Como foi uma experiência demasiado forte talvez tivesse de existir alguma coisa cómica no filme, se não era insuportável!

 

CR: Já tinhas feito outros filmes, ou vídeos, de curta duração. Como é que foi editar dezassete minutos de filmagem em Stop Motion?

 

AM: Quando se faz esta técnica trabalha-se duas semanas e fica-se com cinco minutos de filme. É mesmo ingrato! Fiz o filme todo nos estúdios, com uma equipa, da Escola das Artes. Quando estava a fazer o som do filme ouvi uma frase que me sussurrava: “Desculpe está no meu lugar.”

 

CR: De onde vem essa frase?

 

AM: Queria que o filme tivesse uma voz… É uma frase comum que me ficou na memória de algo que ouvi, mas era perfeita. Tem um duplo sentido! Acontece muito às mulheres: “Olhe, desculpe acho que está no meu lugar.”, “Desculpe, importa-se que me sente aqui? Onde devia estar sentada já há vinte anos, mas não estou.” Este filme com o universo cómico, o sentido de humor, o falo, é muito sexual e é um manifesto feminista. Feminista como sou feminista, à minha maneira.

 

CR: Portanto, não te vês associada a nenhum movimento?

 

AM: Não! Não me vejo em nenhum movimento e não acredito em artistas activistas! Não tenho necessidade de estar a dizer que sou feminista. Claro que sou, sinto que as coisas mudaram imenso e ainda podem mudar mais. Às vezes tenho tendência para dizer que, por exemplo, a Diane Arbus era activista. Mas não era! Era uma artista radical! Ela envolvia-se com as pessoas que fotografava. Tento viver como apregoo, às vezes falho, mas tento mesmo seguir isso.

 

CR: Viver do mesmo modo como se apregoa é um caminho árduo!…

 

AM: É uma vida muito isolada!

 

CR: E o filme começa exactamente contigo isolada e sentada a uma mesa.

 

AM: A cena em que estou sentada à mesa é o tédio do artista, depois vem um vento e as coisas movimentam-se.

 

CR: Qual é a história da personagem A Vento?

 

AM: Está ligado ao O Lua. A Vento é uma imagem de uma mulher, que roubei de um telefilme, muito bonita e manipuladora. O rapaz, O Lua, estava apaixonadíssimo por ela, mas ela era impossível e no final da vida fica louca. Louca, mas cheia de grandeza! No fundo, ele salvou-se dela, mas ficou sozinho. Acho que ela era um bom vento, era uma espécie de bora que vem criar instabilidade. Às vezes achamos que a nossa vida está toda a correr bem, depois vem um vento e há coisas que caem. As fundações da casa não estavam bem feitas. Não se querem essas mudanças, mas temos de as aceitar. Esse vento e essa instabilidade impuseram uma forma irregular.

 

CR: O que é a alegria do assobio?

 

AM: Estou sempre a assobiar e quis usar isso no filme. O assobio é sempre mal visto, não é? Não fui criada na religião católica, mas levei com isso na escola primária, porque me proibiram de assobiar e nunca mais assobiei. Acho que só voltei a assobiar quando fui viver para Berlim. Foram treze anos de grande liberdade!

 

CR: Dizem que as mulheres que assobiam são infelizes…

 

AM: O assobio está ligado ao diabo. Eu assobio muito bem e a minha irmã assobia maravilhosamente bem. Nós as duas estamos sempre assobiar. O assobio traz mesmo alegria à minha vida! Posso estar muito chateada, começo a assobiar e a alegria vem ter comigo imediatamente.

 

CR: Se te pedir para escolheres uma personagem das que estão representadas nos desenhos, qual é a tua escolha?

 

AM: O homem e a mulher do desenho Serpentina.

 

CR: Porquê?

 

AM: É um desenho que lança a semente para tudo o resto. Há um conflito entre a aparente imobilidade das figuras e todos os elementos de movimento que as rodeiam e que também partem delas. Aquela mulher está de perfil, não é uma coisa que desenhe muito, como se tivesse a capacidade de dar vida a todos os outros desenhos. É qualquer coisa muito poderosa e muito fecunda. E o homem é na realidade uma mulher!

 

 

Adriana Molder

Escola das Artes da UCP Porto

 

Cristina Robalo vive e trabalha em Lisboa. Artista, doutorada em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra (2021-2011), mestre em Filosofia, na área de Estética pela Universidade Nova de Lisboa (2010-2008), frequentou o Plano de Estudos Completo em Desenho e o Curso Avançado de Artes Plásticas pelo Ar.Co, Lisboa (2000/1994). Em 2019 iniciou o projecto editorial, “Conversa em torno do desenho com Cristina Robalo”, em parceria com a Sistema Solar/Documenta. 

 

 




Imagens 1: Adriana Molder, Still do vídeo Serpentina, 2023. Cortesia da artista e Escola das Artes UCP, Porto.

Imagens 2 e 3: Adriana Molder, Serpentina. Vistas da exposição na Escola das Artes UCP, Porto,2023. Fotografias: Daniel Malhão. Cortesia da artista e Escola das Artes UCP, Porto.

Restantes imagens (4, 5, 6 e 7): Adriana Molder, Stills do vídeo Serpentina, 2023. Cortesia da artista e Escola das Artes UCP, Porto.

 

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