Artigo — por Margarida Mendes
Algures numa paisagem ao pé do Nilo uma pessoa calca o chão de lama. No plano fechado da imagem vemos o seu corpo fundir-se com o solo por baixo de si, os seus tornozelos afundando-se numa enorme poça de barro molhado. Na narração do vídeo escutam-se frases de Book of Mud [O Livro da Lama], escrito pelo artista Ali Cherri, lidas tanto em inglês como árabe. São excertos sobre a barragem de Merowe, que contam uma história sobre o início da vida no planeta. Reza a lenda que esta terá surgido dos seres unicelulares que provém da argila, para mais tarde se transmutar enquanto espécie, vindo os humanos mais tarde a destacarem-se da matéria como criadores de ferramentas. Esta cosmologia marca o vídeo de Ali Cherri, artista integrante nesta edição da Bienal de Veneza, e também parte da narrativa central de The Milk of Dreams, a 59ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza, comissariada por Cecilia Alemani, curadora-chefe do High Line Art em Nova Iorque.
Entrevista — por Eduarda Neves
De Pedro Neves Marques e curadoria de João Mourão & Luís Silva, Vampires in Space representa o pavilhão de Portugal na 59ª Exposição Internacional de Arte — La Biennale di Venezia. É anunciado como o primeiro projecto que, neste contexto, e na história do Pavilhão de Portugal nas Exposições Internacionais de Arte se assume como queer. Dialogando com The Milk of Dreams de Leonora Carrington, a proposta apresentada configura-se numa instalação que articula diversos media e enunciados críticos singulares na prática artística de Pedro Neves Marques. Através de uma nave viajamos no espaço sideral com cinco passageires — uma espécie de teoria da reminiscência que cruza e traz à memória inúmeros tempos e lugares. Questões da nossa actualidade ou, se preferirmos, coisas do outro mundo.
Crítica — por Sérgio Fazenda Rodrigues
Por ocasião do 15º aniversário do Museu de Arte Contemporânea de Elvas, José Pedro Croft apresenta uma exposição individual que integra, aproximadamente, 60 obras pertencentes à colecção António Cachola. Caminhos Cruzados exibe uma criteriosa selecção de esculturas, desenhos/pinturas e gravuras, articuladas com as diferentes salas do edifício, deixando transparecer o percurso do artista e a longa e duradoura relação que este, ao longo de 25 anos, tem estabelecido com o coleccionador. Caminhos Cruzados exibe uma criteriosa selecção de esculturas, desenhos/pinturas e gravuras, articuladas com as diferentes salas do edifício, deixando transparecer o percurso do artista e a longa e duradoura relação que este, ao longo de 25 anos, tem estabelecido com o coleccionador.
Crítica — por José Marmeleira
Na Culturgest de Lisboa, o título da exposição Tony Conrad pode ser lido em dois momentos. O primeiro diz-nos que se trata de uma exposição de um artista, o que, desde logo, sugere a presença de uma componente [auto]biográfica. O segundo é menos genérico, identifica uma figura seminal da arte feita nos Estados Unidos na segunda metade do século XX; da arte e — já agora — da música. Se estes dois momentos se confundem ao longo da retrospetiva — trata-se da primeira exposição individual de Tony Conrad em Portugal, com a curadoria de Balthazar Lovay — é o segundo que se melhor recorta.
Entrevista — por Ana Salazar Herrera
No Ocean Space, sentadas e à conversa, Diana e Chus explanam a dramaturgia que desenvolveram para albergar uma peça em que "a câmara está mais próxima da boca que relata do que dos olhos que gravam". Com uma paisagem tão análoga à de Marte que chega a ser campo de treino para astronautas, as Ilhas Selvagens tornam-se uma lente através da qual a artista coloca relevantes questões relacionadas com a ciência, com as suas implicações nos processos coloniais e com uma toxicidade à escala interplanetária.
Entrevista — por Ana Salazar Herrera
Na mais recente obra da artista Mónica de Miranda, a observação perspicaz de Heráclito de Efeso que diz que “ninguém pode tomar banho duas vezes no mesmo rio, pois da segunda vez o rio já não é o mesmo, nem a pessoa é a mesma” ganha um sentido renovado. A artista permitiu que o Rio Kwanza, o mais longo de Angola, a dirigisse na criação de um novo conjunto de obras que documenta precisamente essas mudanças ao longo do tempo, quase sempre imperceptíveis aos sentidos imediatos, narrando uma história de violência colonial, guerra e processos de independência desde uma perspectiva eco-feminista.
Artigo — por José Marmeleira
Num ano que continua intenso para Igor Jesus, conversámos com o artista sobre as suas motivações, processos, métodos e interesses. Uma viagem por exposições, obras recentes e futuras, permitiu-nos escrever um perfil e um universo. Entre a captação de energias e a experiência de sons e imagens, o invisível e o visível. Com a liberdade especulativa da arte. Encontrámo-nos no atelier de Igor Jesus, em Odivelas, e a manhã já vai longa quando o artista liga o computador para nos mostrar imagens. Algumas de trabalhos recentes, outras do que podem vir a ser obras novas.
Entrevista — por David Silva Revés
Patente até 27 de Maio na Galeria Francisco Fino, em Lisboa, Campos Magnéticos é a mais recente individual de Diogo Evangelista, onde “o artista apresenta uma seleção de obras que reforçam o seu interesse no conceito de exposição como um lugar generativo, espaço interior, bem como uma paisagem puramente mental de experimentação e de teste à realidade tangível”, para citar a sua folha de sala.
Tomando como mote esta exposição, e enquadrando-a no sistema cosmológico alargado, espaço de fluxos e contaminações constantes que é o trabalho de Diogo Evangelista, a Contemporânea falou com o artista sobre essas e outras relações, numa conversa desenvolvida por email.
Crítica — por Susana Ventura
Moldada na escuridão, exposição do artista Hugo Canoilas com curadoria de Rita Fabiana na galeria de exposições temporárias do Museu Calouste Gulbenkian, pode ser considerada parte de um conjunto mais vasto de obras, reunindo mais duas exposições do artista — "Pólipos cnidários reparados pelo olhar do observador", na Galeria Contemporânea do Museu de Serralves e "On the extremes of good and evil", no Museum Moderner Kunst Stiftung Ludwig Wien [mumok], ambas inauguradas em 2020 — dois catálogos — "On the extremes of good and evil" (Wien: Verlag der Buchhandlung Walther und Franz König, 2020) e "Moldada na escuridão"/Sculptured in Darkness [Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2022] — e um encontro — "Treffen in Guincho" [Encontro no Guincho] — que se desdobram em séries e linhas de estilo, que se abrem, expandem e interligam em variações infinitas, activando, resignificando, construindo novas hipóteses e mundos possíveis.
Crítica — por José Marmeleira
Exposição com uma curadoria sagaz, Back of My Hand, nas Carpintarias de São Lázaro, mostra obras surpreendentes de artistas pouco vistos no circuito de exposições local, um espaço no qual as obras se transfiguram, livres, em sons e imagens, um desenho expositivo que permite ao visitante reservar a necessária solitude a cada experiência. A partir de um tema: a mão. Não é fácil fazer curadoria a partir de um tema. As obras podem ser tratadas quais ilustrações, contra a sua autonomia intrínseca. Ou, num sentido oposto, escaparem em direcções não desejadas pelo curador. Qualquer exercício de curadoria deve ter presente estas hipóteses distantes, senão contrárias. De outro modo encontrará dificuldades em — parafraseando Thomas Hirschhorn — ligar, entre si, coisas que à partida não sugerem qualquer tipo de conexão, no interior de um discurso coerente, singular e — não menos importante — subtil.
Crítica — por Sofia Nunes
Entre a prática intermedial de Carla Filipe e o uso da bandeira existe uma relação tão estrutural, quanto produtiva. Estrutural, porque presente desde as primeiras instalações da artista [ex. Bandeiras no estendal, 2005]; produtiva, por interrogar os substratos ideológicos associados à função simbólica que toda a bandeira opera, destabilizando a sua ordem. Nessa medida, mais do que um objeto/símbolo representativo da identidade de um grupo, movimento, organização ou entidade, a bandeira, torna-se, em Carla Filipe, num lugar de inscrição de contradições sociais, a partir do qual a ideia de coletivo ressurge desnaturalizada, disponível para desencadear múltiplas camadas de significação pouco ou nada expectáveis, onde biografia/história, memória/esquecimento, passado/futuro se potenciam mutuamente.
Entrevista — por Ana Salazar Herrera
No trabalho da artista Alice Miceli, a investigação de territórios traumatizados começou com o seu projecto Chernobyl, em 2010, e expandiu-se com o desenvolvimento da série fotográfica Em Profundidade [campos minados] que realizou entre 2014 e 2019. Nas suas fotografias, a ameaça camuflada de minas que não são perceptíveis pelo olhar, ganha uma nova dimensão. As paisagens captadas são as que restaram de conflitos sangrentos, onde as minas subterrâneas continuam a explodir inadvertidamente, mesmo depois de declarada a paz. A artista teve acesso a campos contaminados de minas não explodidas no Camboja, na Colômbia, na Bósnia e em Angola, apresentando agora os capítulos da Bósnia e de Angola na Escola das Artes da Universidade Católica do Porto.
Crítica — por Isabel Nogueira
É altura de pensar seriamente a História e o lugar. Excepcionalmente, neste Roundup, escolhemos apenas duas exposições colectivas, que consideramos implicativas ao nível da reflexão sobre o momento presente e sobre a História, sobretudo, a portuguesa. No roundup #4: Interferências. Culturas Urbanas Emergentes @MAAT; Europa Oxalá @Fundação Calouste Gulbenkian; Vhils — Prisma @MAAT; Carlos Nogueira — Mais Desenhos de casa. Para Ti @3+1 Arte Contemporânea; Tony Conrad — Maior do que a Arte @Culturgest.
Crítica — por Cristina Sanchez-Kozyreva
Há qualquer coisa de estimulante na interpretação que Federico Herrero gera das duas salas de estilo white cube na cave da Kunsthalle Lissabon. Ao descermos as escadas, dá-nos as boas-vindas, com a confiante inocência da juventude, uma profusão de formas retangulares arredondadas e coloridas pintadas diretamente sobre a parede. Divididas em grupos, parecem subir pelas superfícies, alcançando o teto como que fossem bolhas de alegria ou balões prestes a rebentar num céu tácito. Em deliciosas matizes de verdes e amarelos confeitados, com destaques laranjas, rosas e azuis, produzem assim um confronto espirituoso com a frieza descorada das paredes e da iluminação.
Artigo — por João Seguro
Fotógrafos que usam a fotografia — foi com este epíteto algo insolente que em 2015 Duarte Amaral Netto, João Paulo Serafim, Rodrigo Tavarela Peixoto e Valter Ventura se apresentaram enquanto coletivo de nome Hélice. Já lhes conhecíamos a obra autoral individual e até alguns empreendimentos coletivos mas agora formalizava-se um grupo que propunha a utilização da fotografia, para lá das circunstâncias e vontades individuais. Desde essa altura a Hélice desdobrou-se em atividades — exposições, um programa de estudos avançados em fotografia, seminários, workshops e a edição de uma publicação regular temática, a Propeller, assim em Inglês, dado o carácter internacional das colaborações e da circulação. A exposição Spectrum, patente até ao final de Junho de 2022 na Galeria Avenida da Índia, propõe um itinerário por alguma dessa atividade e aproveita a oportunidade para estender as suas trocas.
Entrevista — por José Marmeleira
Andreia Magalhães tem desenvolvido a sua atividade profissional nas áreas da gestão de coleções, programação e produção de exposições. É doutorada pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, tendo desenvolvido parte do programa de doutoramento no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. É Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Em Portugal, trabalhou no Museu da Faculdade de Belas Artes, no Museu Nacional de Soares dos Reis e no Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Fora do país trabalhou no Instituto Holandês para Media Art/Montevideo, o Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, os Museus de Arte Moderna de Nova Iorque e de São Francisco e no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Entre 2013 e 2016 coordenou o serviço de Museologia do Museu do Douro; desde 2017 dirige o Centro de Arte Oliva em São João da Madeira.
Entrevista — por David Silva Revés
"Footnote 15: A Prototype", na Galeria da Boavista, em Lisboa, é a mais recente intervenção do projecto curatorial Footnote, desenvolvido desde 2010 por Barbara Piwowarska e que se vem expandindo por inúmeros contextos, espaços e objectos. Este foi o mote para a Contemporânea conversar com esta curadora polaca, que trabalha actualmente como directora artística da Casa de São Roque, no Porto. Uma conversa que passou não só por esta exposição específica, mas também pela generalidade do projecto footnote e dos seus horizontes artísticos e estéticos; realizada via e-mail durante o mês de Abril de 2022.
Crítica — por Alexandra Balona
A tentativa de definição da vida é um desígnio atemporal, perscrutado por pensadoras, cientistas, artistas, entre outras, desde tempos imemoriais. Recuperando este eterno enigma no livro What is life? [1955], a microbiologista Lynn Margulis e seu filho Doris Sagan propuseram uma teoria evolutiva que considera a vida — da bactéria à biosfera — como um complexo sistema autopoiético que existe e perdura em resultado da interação entre elementos orgânicos e inorgânicos, além dos limites planetários. Margulis e Sagan prosseguiram a investigação de Erwin Schrödinger, o físico e filósofo austríaco que rejeitava o entendimento da vida como um mero processo mecânico, enfatizando a sua natureza físico-química, e tento inspirado a descoberta do DNA e a revolução da biologia molecular.
Artigo — por Carolina Pelletier Fontes
No número 35A da Rua Dom João de Castro, no bairro da Ajuda, em Lisboa, onde outrora existiu um salão de beleza, hoje encontramos o espaço MALA. Sofia Montanha e Henrique Loja lançaram o projecto Supermala em Janeiro de 2020 através de uma sequência de exposições em formato nomádico. Frequentando os mais variados eventos com o propósito de os “hackear” e transportando malas de mão DIY personalizadas contendo pequenas exposições no seu interior, criaram muitos momentos de perplexidade ao abordarem as pessoas com a pergunta: “Olha, tenho uma exposição dentro da minha Mala, gostavas de ver?”.
Artigo — por João Seguro
Em janeiro 2022, Manuel Botelho era um mero vizinho, não frequentador, do Parque das Gerações. Apercebeu-se de uma luta que estava a ser travada pela conservação do espaço através da sua mulher, que por ocasião de um dos seus passeios o alertou para uma grande quantidade de cartazes que irrompia da vedação do recinto — o Plano Director Municipal, que de tempos a tempos revê a planificação do espaço público municipal e sua utilização, contemplava a implantação de uma estrada e duas rotundas que pretendiam ligar uma estrada ao bairro no qual está o equipamento e essa alteração parecia colocar em risco a existência do parque. Botelho começa a frequentá-lo diariamente para o fotografar.