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Projecto MALA

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Carolina Pelletier Fontes

 

No número 35A da Rua Dom João de Castro, no bairro da Ajuda, em Lisboa, onde outrora existiu um salão de beleza, hoje encontramos o espaço MALA

 

Sofia Montanha e Henrique Loja lançaram o projecto Supermala em Janeiro de 2020 através de uma sequência de exposições em formato nomádico que tiveram a oportunidade de mostrar nos mais variados eventos —as pequenas exposições eram transportadas no interior de malas de mão DIY personalizadas. Abordavam as pessoas com a pergunta: “Olha, tenho uma exposição dentro da minha Mala, gostavas de ver?”. 

O conceito do projecto Supermala partiu de um desejo mútuo de produzir conteúdo curatorial que cruzasse artistas das mais variadas latitudes. A primeira exposição "Unclosing like a hand, You give for ever." decorreu em Viena na noite de passagem de ano de 2019 para 2020, precisamente numa festa. Andreia Santana e Hugo Canoilas colaboraram produzindo pequenas esculturas que desafiaram o público a experimentá-las como brincos. 

Para a segunda exposição, a interação com o público gerou alguma agitação, conta-nos Henrique Loja: “Quase que produzia um efeito paparazzi. Num dos primeiros eventos a que fomos, a feira artgenève, chegamos a ter, em certo momento, dois grupos de pessoas a tirar fotografias às obras que saíam de dentro das malas”. As malas criadas de propósito para as exposições foram desenhadas em cima de layouts pré-existentes, encontrados numa loja de artigos de contrafacção no Martim Moniz, com o nome que deu título a este projecto. Sofia e Henrique prosseguiram com este projecto nomádico, até ao início da pandemia.

Há um ano atrás, a Supermala fez uma pausa no seu percurso itinerante para se focar em estabelecer um espaço físico, adaptando o seu nome para MALA. Enquanto fundadores de um espaço cultural non-profit, Sofia e Henrique acreditam que a fusão das suas práticas como artistas-curadores se enriquecem, o que vem estimular a programação que apresentam ao público. 

 

 

Actualmente a MALA opera como uma associação cultural autofinanciada. Contudo, existe um interesse em receber possíveis doações ou qualquer outra forma de mecenato — sejam estas de natureza pública ou privada — sendo que a prioridade será sempre a de continuar a desenvolver o carácter inclusivo e independente das propostas expositivas. A disponibilização de edições limitadas em colaboração com os artistas tornou-se um suplemento para ajudar a financiar as exposições. No entanto, a missão é a de continuar a apoiar artistas que exponham pela primeira vez em Lisboa e, sobretudo, em início de carreira.

A programação da MALA conta já com exposições de Aurélie Blanchette Dubois, Beatriz Bentes, Cammisa Buerhaus e Sara Graça. Compreende também a colaboração com a EGEAC — “Galerias Municipais de Lisboa invite Supermala” — para a qual Sofia e Henrique fizeram a curadoria do stand da feira internacional de arte contemporânea ARCOmadrid, em 2020: “Decidimos criar uma activação do próprio espaço (o do stand) numa esfera mais performativa concebida como um piquenique, onde o trabalho de vários artistas (Henrique Loja, James Bantone, Sara Graça, Sofia Montanha e weecolors) se juntava, o que desencadeou uma performance, reflexo da forma como as peças se relacionavam."

A aproximação aos artistas que mostram trabalho na MALA surge num contexto de conversas circunstanciais e orgânicas, entre a Sofia e o Henrique, no qual vários pontos fulcrais se tocam. Contam: “Este interesse advém essencialmente da necessidade de querer alimentar um público que pode não estar completamente satisfeito com o circuito institucional e comercial de Lisboa. No fundo, queremos convidar artistas de quem gostamos e com os quais temos alguma afinidade, no qual o processo colaborativo é bastante horizontal, onde não existe a distância curador-artista, mas sim uma proximidade espontânea”.

B BLOSSOMS, a primeira exposição individual com obras de Sara Graça em Lisboa, pode ser visitada na MALA até ao dia 15 de Abril. A obra de Sara relacionou-se com o projecto através do seu discurso prático, da sua sensibilidade na utilização dos materiais e a forma como lhes atribui significado por serem aparentemente precários, são alguns dos elementos que Sofia e Henrique consideram trazer potência ao seu trabalho.

 

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Com o intuito de acomodar esta exposição, a MALA transformou-se num lugar muito específico — “um simulacro de florista fora de horas” — como descreve Filipa Cordeiro no texto que compõe a folha de sala. Esta florista, que pode estar tanto em vias de encerrar o negócio, como de se estrear no comércio local, é composta por vários momentos, ou por quatro obras diferentes. Ao chegar, há um letreiro na fachada do edifício que chama a atenção — a obra Ask the Birds, (2022) — com uma aparência um tanto abandonada, mas indiscreta o suficiente para se querer olhar para dentro da montras. Pálpebras (2022), umas persianas dissimuladas a meia haste, alertam-nos de que neste local existe um rasto.

Ao entrar na galeria, observamos de imediato Noite de Chumbo I - XII, doze obras que retratam noites de preocupação convertidas em memórias, ou em pensamentos que não se deixam dormir. Através da modelagem em pasta air-dry, um material que descreve como bastante “playful”, Sara cria uma relação luz-sombra que dá forma às obras distribuídas pela parede com um acabamento em grafite, que lhes confere a aparência de chumbo. Ao trabalhar um material que pretende assemelhar-se a outro, e jogando com a sua inautenticidade, cria-se uma sensação de entre-espaços. Reconhecemos uma certa relação com a domesticidade nestas peças que se assemelham a gravuras medievais, onde existem elementos figurativos que nos transportam pela noite dentro.

Sara tem interesse em trabalhar materiais que sejam pouco virtuais e muito plásticos. Para ela, a intersecção de estados de dedicação, curiosidade e ingenuidade durante o processo de criação é o que lhe permite dar forma às suas obras. A premissa inicial para a exposição na MALA partiu da imagem poética que Sara tinha de um ramo de flores muito pesado e, simultaneamente, do desejo crescente de trabalhar com material fundido. Devido à sua toxicidade, quando está em estado de fundição, o chumbo passou a ser uma opção material que apenas antecede a narrativa que edificou esta exposição.

 

Noite de Chumbo I
Noite de Chumbo II
Noite de Chumbo III
Noite de Chumbo IV
Noite de Chumbo IX
Noite de Chumbo V
Noite de Chumbo VI
Noite de Chumbo VII
Noite de Chumbo VIII
Noite de Chumbo X
Noite de Chumbo XI
Noite de Chumbo XII

 

Como uma montra para o exterior, Having more «green» displays clearly has some benefits (2022) é uma instalação composta por diversos materiais. Esta obra explora o oculto de uma montra, ou neste caso concreto, de uma banca de flores, mas principalmente explora aquilo que não vemos a olho nu, que está “escondido" pela inabalável beleza com que um ramo de flores nos distrai.

Até agora, as exposições na MALA atraíram sempre um público diferente, transversal. Não ficarem exclusivamente fechados aos públicos tradicionais dos eventos de arte contemporânea é algo que Sofia e Henrique ambicionam. Partilham a opinião de que é fundamental descentralizar as galerias e os espaços expositivos do centro de Lisboa, dando oportunidade a outros bairros. No futuro próximo, podemos esperar uma proposta coletiva que se situa entre um happening e uma exposição.

Quem fica a conhecer a MALA, compreende que este é um espaço aberto à arte contemporânea nos seus mais diversos formatos. É um espaço de partilha entre várias comunidades artísticas, nacionais e internacionais. É um projecto que agita a normalidade sem receio de provocações ou questionamentos. É principalmente um espaço que abraça o acto de viajar como mote, na medida em que propõe levar as suas ideias ao público e trazer outras ideias na mala de regresso.

 

 

MALA

 

SUPER MALA

 

Sara Graça

 

 

 

Carolina Pelletier Fontes (Lisboa, 1995). Concluiu, em 2016, a Licenciatura em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, na qual se especializou em práticas de conservação e restauro, o que mais tarde lhe permitiu estagiar no Museu Nacional de Arqueologia. Em 2019 realizadou a Pós-Graduação em Estudos de Arte Contemporânea e Curadoria na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 2020 concluiu o Mestrado em Curating and Collections na Chelsea College of Arts, em Londres. Vive e trabalha em Lisboa.

 

 

 

 

 

Sara Graça: B Blossoms. Vistas de exposição, 19 de fevereiro — 15 abril 2022. Fotografia: Beatriz Pereira. Cortesia da Artista e MALA, Lisboa.

 

 

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