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Tiago Baptista: The Tale

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Sérgio Fazenda Rodrigues

 

A exposição The Tale, de Tiago Baptista, que está patente nas salas do piso 0 e -1 do espaço Rialto6 nasce de um convite endereçado ao artista no início de 2022. Desenvolvendo um conjunto de obras especificamente concebidas para esta exposição, Tiago Baptista adopta para título o nome de uma peça de Meredith Monk, corroborando o seu interesse e proximidade à música e ao processo criativo desta compositora.

Com curadoria de Susana Ventura, a exposição surge de modo intrigante, dando-nos a ver um conjunto de pinturas, esculturas, desenhos/pinturas de parede e vídeos envoltos na penumbra. Por entre zonas de sombra e manchas coloridas, quer nas obras, quer no modo como estas se relacionam, reclama-se um olhar lento e atento que alicia o visitante, e o convida a perscrutar o entorno. Numa cuidadosa afinação que vai do acerto da cor das paredes e do pavimento, à natureza e à intensidade da luz existente, Ventura e Baptista gerem a posição de cada elemento, garantido a justa respiração dos trabalhos e a integridade do conjunto que estes enformam.

Num movimento gradual, passo a passo, o olhar oscila entre uma visão frontal que articula diferentes alturas, cruzando o que reside na parede, o que brota do chão e o que surge do tecto, e uma visão de soslaio, que nos guia aos cantos das salas. Em todos os casos, este é um olhar simultaneamente amplo e focado, gravitando entre a leitura de uma possível paisagem e a percepção de um dado pormenor. Algo que reconhecemos na profundidade de campo da exposição, potenciada pelo caminho em espiral que atravessa as salas, e nas obras, com a descoberta do que relaciona o tamanho e a demora (os trabalhos equacionam o vagar, a extensão e a minúcia).

Enfatizando o segredar, o espanto e o encantamento, numa ligação que se revela demorada, progressiva e introspectiva, Tiago Baptista revela-nos um conjunto de pequenos seres que se passeiam pelo chão, possíveis achados arqueológicos, grafitos de uma aparente reminiscência arcaica e, por oposição, o céu estrelado e a incerteza do que vemos. Se por um lado se afina o olhar, convocando a atenção para a repetição e para o pormenor, por outro perturba-se a leitura, marcando um rodopio em contrarrelógio (aparentando um possível jogo infantil no vídeo A dança farta, 2022), e o desvanecer da figura (que se retira na maioria das pinturas). Explorando um conjunto de diferentes meios, imagens e materiais, tudo nos traz à memória um mundo interior, hipnótico e onírico, onde se segredam estórias contadas às escuras. Na senda de um conto que se ausenta de narração, os trabalhos descobrem-se, encadeiam-se e cativam-nos no movimento redondo de um relógio que pode ter perdido os ponteiros (como o artista ironiza em O amigo sem função, 2022).

Curiosamente, numa sentida complementaridade, encontramos situações e presenças que ecoam em várias peças e engrenam a exposição. Tome-se como exemplo o caso dos caracóis que percorrem o vídeo A Trama, 2022 e ocupam a escultura verde que se encontra suspensa — O canto dos caracóis, 2022. Atente-se, também, no modo como estes objectos, que brotam do pavimento e nascem do tecto, se assemelham às estalactites e às estalagmites que encontramos na pintura O pelo da terra, 2022, com que nos deparamos à entrada da exposição. Repare-se ainda na maneira como a sombra e a luz enformam a última pintura O caminho auspicioso, 2022, e na forma como esta se contrapõe a uma das primeiras pinturas que vêmos O voo cortado, 2022. Em ambos os casos encontramos a ligação entre uma figura apartada (um cão identificado pela sombra e um homem reconhecido num contorno de contraluz) e uma hipotética paisagem que a enquadra e referencia.

A deambulação entre aquilo que é pequeno e que assume um tempo geológico, entre a descoberta do detalhe e a força do global, ou entre aquilo que imana luz (os vídeos, ou a pintura O pirilampo patudo, 2022, por exemplo) e aquilo que é iluminado, articula o explorar de novos modelos de comunicação. Note-se, contudo, que essa experimentação assenta, ainda, numa lógica profundamente pictórica, continuando a afirmar o olhar e o pensamento de Tiago Baptista como pintor. Nesse sentido é interessante perceber a natureza plana dos seus objectos, ainda que estendidos ou espacializados pela sombra que projectam, no modo como encontramos micro pinturas dentro da tinta que os reveste, ou na natureza do vídeo dos caracóis, que celebra uma passagem demorada, assente na mudança da cor do fundo.

Numa leitura global, dir-se-ia que existe uma dimensão cénica que perpassa das pinturas para o ambiente da exposição, onde a realidade e a abstracção convergem poeticamente para associar diferentes camadas de existência. A da remanescência infantil e a da curiosidade adulta que, no entanto, estão desprovidas de uma vontade ilustrativa e de uma lógica linear.

O que se encontra nessa gruta encantada que a exposição encena, entre a estratificação dos pequenos objectos (veja-se a pintura Compressão aqui, 2022, colocada deliberadamente na descida da escada, rente ao solo) e a leitura da paisagem, é uma ideia de densidade, vagar e contemplação. Algo que ganha um sentido irónico e desarmante, quando marcado pela vivência de um hiato dilatado, num lugar imaginário.

Sobre o trabalho de Tiago Baptista podemos então dizer que, sob a aparência de uma desconcertante simplicidade, revela-se uma natureza de origem complexa. Uma natureza onde a coexistência de diferentes realidades, concretas e abstractas, num registo aparentemente disruptivo, indaga a pintura de forma sensível e inteligente.

The Tale fala-nos de um mundo mágico onde as coisas reverberam, mudam, demoram e nos fascinam, tal como os sons de Meredith Monk que se propagam e ecoam no corpo e na memória de quem os escuta.

 

Tiago Baptista

Rialto6

 

Sérgio Fazenda Rodrigues é Arquitecto e Mestre em Arquitectura [Construção], foi doutorando em Belas Artes e é doutorando em Arquitectura, onde investiga as relações espaciais entre Arquitectura e Museologia. Faz curadoria de arquitectura e artes visuais e integrou a direcção da secção portuguesa A.I.C.A. Desenvolveu, com João Silvério e Nuno Sousa Vieira, o projecto editorial Palenque. Foi consultor cultural do Governo Regional dos Açores, tendo a seu cargo, nesse período, a construção da colecção de arte contemporânea do Arquipélago: C.A.C.

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

 

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Tiago Baptista: The Tale. Vistas da exposição no Rialto6, Lisboa, 2022. Fotos: Vasco Stocker Vilhena. Cortesia do artista e Rialto6.

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