12 / 18

It's a date: Hannah Tilson

Cover_HannahTilson.jpg
Alberta Romano

 

It’s a date é uma rubrica da Contemporânea, da autoria de Alberta Romano, dedicada a visitas a ateliês de artistas de Lisboa e de todo o mundo, tanto físicas como online.

 

Episódio 5: Hannah Tilson

 

Nápoles > Londres, março de 2021

 

Lembro-me perfeitamente de cada uma das chamadas telefónicas que fiz durante o último ano, tal como, há alguns anos, me lembrava perfeitamente de cada uma das videochamadas em que participara. "Faz videochamada!", gritava a showgirl Valeria Marini num dos primeiros anúncios italianos para um telemóvel com câmara integrada. Escusado será dizer que não havia rigorosamente videochamada alguma naquele anúncio — nem naquele, nem nos que seriam mais tarde lançados pela mesma empresa. A qualidade das primeiras videochamadas era tão má, que mostrá-las na televisão teria desencorajado os consumidores.

Hoje em dia, no pós-2020, é-nos difícil imaginar uma chamada, particularmente se em conversa com alguém que conheçamos, que não envolva vídeo. Se pensarmos bem, é bastante sugestivo que o ano que nos roubou os rostos das outras pessoas, dado o uso das máscaras, nos tenha privado da capacidade de ouvir um som familiar sem o fazer corresponder a um rosto.

Parece que gostamos de nos rodear de rostos. E creio que esta seja uma forma adequada de introduzir a minha recente conversa com a Hannah Tilson.

A Hannah Tilson vive em Londres, onde também estuda, na Royal Drawing School. Também toca trombone numa banda chamada This is the deep.

Prontamente, ela dá-me as boas-vindas virtuais ao seu ateliê, em Londres, onde está rodeada de pinturas. Olhando atentamente para a parede atrás dela, começo a reparar que a maior parte delas retratam alguma espécie de figura humana.

 

Alberta: "És tu, aquela ali?"

 

Hannah: "Ah… sim, na verdade estou rodeada de mim, bom… Creio que isto de usar uma máscara faça com que as pinturas não tenham necessariamente de ser vistas como autorretratos, mas sim, são efetivamente retratos. Um padrão de retratos, diria eu…"

 

Podíamos ter terminado a nossa visita ali.

O trabalho da Hannah é uma explosão de padrões e tonalidades; quando ouvi aquela frase, senti que algo tinha explodido na minha cabeça — todas aquelas cores, provavelmente. Vieram-me à ideia algumas memórias avulsas, algumas das quais poderão remontar à obra-prima de Pirandello: Um, Nenhum e Cem Mil.

"A ideia de que os outros viam em mim alguém que não era quem eu conhecia, alguém que tão-só eles poderiam conhecer, olhando-me de fora, com olhos que não eram os meus, olhos que me atribuíam uma aparência que me seria eternamente estranha, embora fosse alguém que estivesse em mim, alguém que era eu próprio para eles (um "eu", quer isto dizer, que não era para mim!) — uma vida na qual que, embora fosse minha, eu era incapaz de penetrar: esta ideia não me dava descanso."

 

A Hannah quebra o gelo e fala-me da sua experiência do primeiro confinamento, que passou refugiada no campo e durante o qual desenvolveu o hábito de, todas as semanas, se desenhar a si própria vestida com diferentes peças de roupa. Para tal, construiu alguns cenários teatrais nos quais que pudesse literalmente deixar-se absorver. O resultado é uma montanha-russa de cores e padrões em que, embora nos seja difícil discernir formas humanas ou animais (se existentes), facilmente nos deixamos levar pelas linhas que compõem os seus têxteis, deslizando pelas mais arqueadas para depois subir pelas grelhas respetivas.

"Sim, a figura humana não está inteiramente desenvolvida", acrescenta a Hannah, "e gosto de tratar tanto o corpo como o padrão enquanto paisagens."

A minha montanha-russa continua. Acho que há um potencial imenso em pensar o corpo humano enquanto paisagem, porque as formas como alguém pode ler uma paisagem são potencialmente infinitas; além disso, uma vez que está em constante mutação, é impossível rotulá-la.

Depois, enquanto falamos, a Hannah mostra-me um autorretrato no qual o seu rosto está quase inteiramente coberto pelas suas mãos.

 

A: "Uau, sabes o que é que isto parece? Lembra-me aquelas fotos antigas dos anos 80 em que se pedia às mulheres para posarem de forma que as mãos delas lhes emoldurassem as caras, na crença de que estas poses as faziam mais delicadas, mais afáveis… mas depois, quer dizer… mais parece…"

H: "… que não estão a ser elas próprias mas sim obrigadas a ser outra pessoa?!"

A: "Exatamente!"

 

Não por acaso, quantas mais pinturas a Hannah me vai mostrando, mais a figura humana vai desaparecendo — às vezes completamente engolida por aqueles padrões, e às vezes totalmente irreconhecível por via daquilo que me parecem ser capacetes espaciais. Um novo imaginário imerso em experimentação desdobra-se diante dela. Isto torna-se ainda mais evidente para mim quando vejo aquilo que a Hannah fez no final do confinamento: toda uma série de novas colagens e assemblages em que juntou duas ou mais pinturas, estabelecendo uma ligação com as suas anteriores experiências de bordados.

Em particular, a Hannah mostra-me uma pintura de grandes dimensões feita de faixas entrelaçadas de tela pintada. Neste caso, o facto de ela jogar com a construção de uma possível identidade é mais do que explícito, mas ainda assim cativante. É aqui que, talvez mais do que em qualquer outra pintura, qualquer forma pode tornar-se parte variável de uma paisagem estratificada.

Antes de nos despedirmos, a Hannah ainda quer mostrar-me um conjunto fabuloso de xilogravuras japonesas com que está atualmente a trabalhar. A forma como os fundos destas pinturas se misturam e confundem com as roupas dos protagonistas é encantadora, e consigo perceber totalmente porque é que ela gosta tanto delas. A atenção que direcionamos para a nossa aparência e para aquilo que vestimos de forma a modificá-la sempre foi um assunto de interesse para a Hannah. Na verdade, a primeira vez que me cruzei com o trabalho dela foi através do Instagram, e creio que esta tenha sido, até hoje, uma das pouquíssimas agradáveis descobertas que fiz dessa forma.

A primeira série de trabalhos da Hannah Tilson que vi (aquela que me levou a enviar-lhe uma mensagem privada) foi a que ela apresentou na exposição final do seu curso na Slade. Havia uma série de vestimentas de bonecas de papel em escala humana — aquelas com presilhas com que costumávamos brincar quando éramos crianças. Estavam penduradas no teto, rodeadas por enormes pinturas axadrezadas em vermelho e azul, cada uma intitulada Glamorous Approach. Na altura, julguei que as imagens de toda a instalação eram simplesmente geniais.

Estamos prestes a terminar a nossa chamada de Skype quando ambas nos lembramos de que, na véspera da nossa visita virtual, Oprah Winfrey tinha feito a sua entrevista a Harry e Meghan. Sentimos que, pelo menos, devíamos referir o assunto. Sempre é melhor do que falar do Covid-19. Depois disto, confesso à Hannah que toda a atmosfera da entrevista me deu uma sensação cor-de-rosa, mas é provável que não tenha sido inteiramente clara, e ela acaba a pensar que foi a nossa entrevista que me fez pensar em cor-de-rosa. Não foi o caso, já agora. Engraçado pensar que, até no final da nossa conversa, nos perdemos na cor.

 

Hannah Tilson, Pattern Vortex, 2021, watercolour ink collage on paper, 97 x 64cm
portrait , Hannah Tilson, image courtesy of Joseph Ironmonger
Hannah Tilson, Pattern Portrait 1, 2020, watercolour and pastel on paper, 97 x 69cm
Hannah Tilson, 2020, watercolour and pastel on paper, 36.5 x 30 cm, Leopard Masked Me
Hannah Tilson, Concealer, 2020, Coloured pencil, pastel and watercolour ink on paper, 38 x 29.5 cm, image courtesy of Richard Ivey
Hannah Tilson, Protective Prints, 2021, Homemade paint on paper, 50 x 38cm, image courtesy of Richard Ivey
Hannah Tilson, Miss Prints, 2020, homemade paint on paper, 80 x 75cm, image courtesy of Richard Ivey
homemade paint on paper, 150 x 76cm, 2021

Caixa-Mistério

A Caixa-Mistério é composta por links, dispostos de forma aleatória no fundo da página, que o levarão a coisas sobre as quais conversámos durante a visita. A forma como são apresentados não é apenas uma maneira nostálgica de recordar o suspense mágico que pertencia a estruturas do início da internet, mas oculta também a esperança de suscitar a curiosidade dos leitores um pouco mais do que as clássicas notas de rodapé.

 

LINK     LINK     LINK     LINK

 


 

Hannah Tilson (n. 1995) vive em Londres. Licenciou-se em Pintura pela Slade School of Fine Art em 2018. Durante esse período, também estudou em regime de intercâmbio na New York Studio School. Está prestes a terminar um programa de estudos em regime de bolseiro na Royal Drawing School. As suas mais recentes exposições.

 

Alberta Romano é historiadora de arte e curadora de arte contemporânea, nascida em 1991 em Pescara. Actualmente é curadora da Kunsthalle Lissabon. Desde 2017, tem trabalhado com a Fundação CRC em Cuneo, coordenando as aquisições para a sua colecção de arte contemporânea. Depois de se formar em História de Arte na La Sapienza em Roma e com um Mestrado em Culturas Visuais e Práticas Curatoriais da Academia de Belas Artes de Brera em Milão, frequentou o programa curatorial CAMPO16 na Fundação Sandretto Re Rebaudengo em Turim. Escreveu para publicações como Artforum, Flash Art, Contemporânea, Kabul Magazine e outras revistas.

 

Tradução do EN por Diogo Montenegro.

 


Hannah Tilson. Pattern Vortex, 2021; Portrait Hannah Tilson, foto: Joseph Ironmonger; Pattern Portrait 1, 2020; Leopard Masked Me, 2020; Concealer, 2020, foto: Richard Ivey; Protective Prints, 2021; Miss Prints, 2020, foto: Richard Ivey​​​​; Homemade paint on paper, 2021. Cortesia da artista.

Voltar ao topo