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A quem possa interessar

Gisela Casimiro

 Parte I

A quem possa interessar

 

Ambos lançados em 1999, um em Agosto e o outro em Setembro, o Livejournal foi uma das redes sociais originais, a par do Blogger/Blogspot. Apesar da migração de muitos usuários para formatos como o Facebook (2004) e o Instagram (2010), depois do desvanecer de redes como o MySpace (2003), o Hi5 (2004) e o Orkut (2004), a nostalgia permanece intacta. Estes eram os tempos do mIRC (1995) e do MSN Messenger (1999), de estar com alguém na rua à conversa e ir a correr para casa continuar. De deixar pequenas mensagens subliminares no lugar do nosso nome, no estado. De fazer posts com uma música no descritivo, de eliminar fronteiras geográficas e linguísticas, de criar projectos por via digital mas para os quais os correios ainda tinham grande relevância. 

 

“A quem possa interessar: por favor, encha o meu corpo de flores perenes e composte-me com os restos de romã, clementina e manga do meu memorial num campo em Gwangju, na Coreia do Sul.”

 

É assim que começa a contribuição de uma colaboradora do projecto Learning to Love You More, de Miranda July. A tarefa 51 era “Descreve o que fazer com o teu corpo quando morreres.” O projecto decorreu entre 2002 e 2009, começou num apelo no Livejournal, tornou-se um site em nome próprio, um livro, originou exposições em museus e contou com as contribuições de mais de 8000 pessoas. Demais tarefas incluem: descrever o som que não nos deixa dormir, fazer um cartaz encorajador, pedir à família que descreva o nosso trabalho, fotografar uma peça de roupa que tenha um significado especial, tirar uma foto com flash debaixo da cama, escrever o telefonema que gostaríamos de receber, gravar a nossa própria meditação guiada, dar conselhos ao nosso eu passado, fazer tranças a outra pessoa, listar cinco eventos passados em 1984, sugerir uma tarefa para o LTLYM, curar-se de algo, documentar a careca se a tivermos, desenhar o conto “A Catedral” de Raymond Carver, cultivar um jardim num lugar inesperado, passar tempo com alguém em fim de vida, desenhar um poster de sombras, recriar um cartaz colado na parede durante a nossa adolescência, contar a nossa história de vida em menos de um dia, construir uma réplica da nossa cama em papel, fazer um cartaz de protesto e de facto protestar contra algo, fazer uma cover da canção "Don't dream it’s over”, recriar uma foto disponibilizada pela própria July, dizer adeus.

 

Ao todo, foram setenta pequenas missões que permitiram a cada pessoa ser parte activa de uma exposição pessoal que intencionava chegar a um conhecimento mais profundo de si mesmo e partilhar-se através de som, vídeo e imagem, com uma comunidade a muitos km de distância, formada por pessoas das quais muitas vezes apenas se sabia o nome, se tanto. É curioso constatar quais das tarefas tiveram maior adesão, tendo até recebido contribuições múltiplas da mesma pessoa, por oposição a tarefas a que só três pessoas responderam. Desde 2010 que o site é propriedade do Museu de Arte Moderna de São Francisco, no que parece ser uma versão primordial do que está a acontecer actualmente com os NFTs no mundo das artes visuais, da música, dos memes.

 

Um projecto deste género lembra inevitavelmente os desafios do Instagram como o Bucket Challenge de 2014, em que os participantes tinham de despejar um balde de água gelada sobre si mesmos ou doar dinheiro para causas sociais (sendo que muitos acabaram por fazer ambos). O LTLYM lembra ainda os pedidos de museus de todo o mundo após-pandemia, solicitando aos seus visitantes presenciais e virtuais que recriassem obras de arte durante a quarentena com os materiais que tinham em casa, imagens essas que deveriam ser depois mostradas e ilustradas com tags alusivas ao respectivo museu. Embora o site original tenha cessado actividade, versões do mesmo continuam a existir, com a bênção de July e do seu parceiro de criação, Harrell Fletcher. É de notar que tudo isto foi feito com instruções simples e sem limitações de língua, sem que as fotos fossem perfeitas ou os contribuintes artistas de profissão. Qualquer pessoa de qualquer lugar podia participar, de forma individual ou em pares. Todas as vozes eram relevantes. Todos os silêncios e flashes reflectidos em azulejos, todos os dedos indicadores desfocados insurgindo-se na lente, também.

 

PARTE II

e-moção

 

A pandemia trouxe-nos desafios inesperados e outros conscientemente decididos a não nos deixar desassociar da nossa imagem, da nossa vida, a estarmos presente. É essa a premissa de #lyndaemcasa (2020) de Joana Barrios, que consistia em vestir-se com outra coisa que não o pijama (equipamento oficial da humanidade durante a pandemia), só porque sim, mesmo sem poder sair de casa, o que originou fotos do cómico ao dramático ao high-fashion, ao “não sabemos quanto tempo é que isto vai durar, deixa-me cá estar bem comigo e com o espelho”. Diz Barrios no seu icónico Trashédia:

 

#LYNDAEMCASA é o meu convite a todx x que quiserem shake it off, como cantaria a Taylor Swift, sendo que “it” será a neura, a seca, a agonia, a fartura… É um convite à expressão e celebração da subjectividade da beleza individual num espaço livre e aberto, apenas agrupado por um hashtag que criei para sabermx quem somx e para nx darmx força unx a outrx. É um convite a uma acção tão simples como a da montação individual, para sairmx disto melhor do que entrámx. É uma coisa simples, mesmo, para praticar todos os dias, como aquele telefonema que fazemos para saber se x amygx e a família estão bem.”

 

Os projectos “e-motion”, “Find Me” e “Passepartout”, de Joana Linda, são outros que recordo e destaco, apesar de já quase não se encontrarem vestígios dos mesmos online. “E-motion” foi uma iniciativa que juntou artistas de vários países e resultou numa exposição fotográfica no Castelo de São Jorge, em Lisboa. “Find me” juntava fotografias antigas com colagens e uma história criada por Joana Linda, que as interligava através das suas palavras em sites feitos pela própria. Na altura contribuí com fotos de família para “Find me”: a minha mãe no alpendre de casa da minha avó materna com o meu tio e padrinho ao colo. Uma foto muito antiga e gasta, desde a Guiné-Bissau. A história pessoal de cada um recebia uma nova narrativa que a transformava numa história comum e comunitária. Diz a conhecida expressão que, uma vez na internet, para sempre na internet. De “Passepartout” encontramos apenas a  descrição:

 

“O projecto propõe, numa leitura inicial, uma viagem instantânea à volta do mundo. Não uma viagem física mas uma viagem visual, permitindo vislumbrar o que está a acontecer em diversos pontos do globo exactamente à mesma hora. Passepartout pode ser encarado como uma performance colectiva mediada pela Internet. A artista lançou um desafio aos internautas, através do seu site pessoal, tirar uma fotografia a si próprios, estivessem onde estivessem, exactamente às 15:30, hora de Lisboa, no dia 30 de Abril de 2004.”

 

Não temos já acesso às fotos do projecto, mas ainda podemos recordá-lo, esquecê-lo e voltar a lembrar enquanto por cá andarmos. Seja porque os computadores e discos externos se perderam ou avariaram, seja porque os proprietários foram mudando de domínio e filtrando essas partes mais antigas do seu percurso profissional, a verdade é que alguns destes projectos vivem mais na nossa memória do que numa cloud qualquer. Recordo-me da fotografia de Marta Loureiro, tirada num comboio regional algures entre Vila Nova da Barquinha e Lisboa. Porque é que ainda me lembro disto? Porque é que só me lembro disto? Ainda tenho quer a Joana Linda quer a Marta Loureiro nas minhas redes sociais, no entanto só conheci a primeira pessoalmente e, ainda antes de me cruzar com ela, conheci a sua mãe, por puro acaso. O que sobressai do tempo do Livejournal e do Blogger são, para além destas comunidades internacionais ligadas pela fotografia e pela música, o autodidatismo de aprender a programar em html, css e, para os mais audazes, flash e javascript. Tudo estava ainda tão no início. Entre amores e amizades, houve quem partisse do virtual e depois se cruzasse no real, e daí resultaram viagens pelo mundo, colaborações, casamentos. Vivemos muitas vidas ao longo das nossas vidas, mas ter acompanhado um processo em que artistas como Joana Linda ou Filipa Barros Castro usavam scanners como máquinas fotográficas, tinham conta no Flickr e no site da Lomo, num misto de fotografia analógica com digital e realização de videoclipes e curtas-metragens, é fazer parte de uma memória colectiva prática e afectiva extremamente original e singular quando comparada, se tal comparação fosse sequer possível, com um tempo em que a internet rapidamente deixa de estar no nosso controlo e passa a controlar-nos, mais do que nunca.

 

Outro projecto que liga Blogger e Livejournal e que hoje em dia existe não só no site mas também no Instagram é o Post Secret. O conceito é contar um segredo escrito num postal: um medo, uma traição, uma confissão. O importante é revelar algo, desde que seja verdade e nunca tenha sido partilhado antes. O segredo deve ser usado aproveitando o postal ao máximo, ser breve e enviado por correio, anonimamente. Sim, ainda hoje é pedido a quem queira contribuir que envie o postal, no que também pode ser visto como uma forma de purga digital, ao invés do hoarding de informação a que estamos sujeitos. É uma forma de realmente confiar uma parte física desse segredo a outrem. Este postal é depois digitalizado e postado online. Já são mais de oito os livros PostSecret, sendo o primeiro, “PostSecret: Extraordinary Confessions from Ordinary Lives” de 2005.

 

 

Em 2005 duas mulheres conheceram-se, tornaram-se amigas e, em 2007, começaram o projecto “A Year of Mornings: 3191 Miles Apart”. São elas Maria Alexandra Vettese (MAV) e Stephanie Congdon Barnes (SCB), que vivem a 3191 milhas de distância, uma em Portland, Maine e a outra em Portland, Oregon. A troca começou no Livejournal e também se tornou um livro repleto de fotos do quotidiano de cada uma. As afinidades fotográficas e artísticas permitiram-lhes partilhar momentos, receitas, manhãs (que constituíam o foco do livro, sempre em díptico) e noites (estas dariam lugar a um segundo livro). A aparente simplicidade deste slow sharing é quase impensável numa sociedade em que as lives são dominantes, em que se não postarmos uma foto no momento seguinte a tê-la tirado já estamos a incorrer em throwback. Com tantos directos, tornamo-nos rapidamente obsoletos, sem tempo de usufruir da memória e quase sem necessidade de guardá-la dentro de nós, pois o Instagram, o Facebook e o Google Fotos permitem-nos revisitá-la sempre que quisermos, diariamente. Mas só se a tivermos carregado para estas aplicações, claro. Se bem que o nosso telefone ouve tudo o que dizemos e sabe todos os nossos segredos. São o oposto do desapego, são talvez algo que nos envelhece por um lado e nos permite revisitar fragmentos da nossa vida (mesmo se filtrada), se um dia nos afectar a doença. Vivemos numa época em que se espera de nós que meditemos diariamente enquanto lidamos com o desespero, a sofreguidão de solicitações constantes e de falta de paciência para estar consigo e com os outros. É o ir a um concerto e ser mais importante provar que se esteve lá e provar naquele momento exacto, do que ouvir e ver quem nos presenteia com a sua arte, arte pela qual pagamos, mas cuja expectativa continua a estar no exterior, no número de pessoas que faz likes, que guarda os nossos posts, que os partilha de novo. É lidar constantemente com questões de saúde mental. É estar em confinamento e compreender, com uma clareza que fere, o que há de errado e certo na nossa vida.

 

Parte III

 

Uma revolução com o que temos à mão

 

HONY ou Humans of New York é talvez o projecto que mais vezes aparece nas minhas memórias do Facebook. Também migrado para o Instagram, tornou-se um projecto tão conhecido que até já incluiu celebridades e outras figuras notórias. Recordo-me de uma foto da sensação pop Katy Perry cuja legenda era “Estou a tentar passar menos tempo a olhar para o meu telefone”. Humans of New York teve início em 2010 e pretendia fotografar dez mil habitantes da cidade de Nova Iorque, no entanto rapidamente se juntou a fotografia à entrevista e o autor, Brandon Stanton, começou a incluir também citações e pequenas histórias contadas na primeira pessoa pelas pessoas que abordava. No seguimento dos demais projectos referidos, também este se materializou em livros e chegou a angariar 1 milhão de dólares para causas, o que levou a um reconhecimento por parte de Obama. A geografia inicialmente nova-iorquina do projecto abrange hoje mais de vinte países. Invisible Wounds é uma das suas ramificações, em que veteranos da guerra no Iraque contam as suas experiências. Através de Humans of New York (que é facilmente a página preferida da maioria das pessoas que conheço), paramos para nos reencontrarmos com os outros e connosco mesmos, através das partilhas das suas vivências, amores, desamores, tristezas, dificuldades e alegrias. É talvez o único lugar da internet onde os comentários são quase sempre um lugar seguro, não obstante o tema do post serem as drogas, abusos sexuais, uma ida para a universidade já em idade avançada ou conseguir um papel numa série de TV.

 

Uma das referências em termos de criação de comunidade é a jornalista da Blitz Lia Pereira, veterana da geração Fórum Sons que nos presenteia sempre com as melhores listas no Spotify e que já mantivera um blog individual durante muito tempo, o Sofá Verde (2003-2012). Sendo uma das muitas fãs portuguesas do HONY, criou três outros projectos que são absolutamente fundamentais para nos ajudar a navegar as agruras do dia-a-dia com humor, ternura, algum nojo e partilha de conhecimento inútil e útil, sendo que ambos são importantes. Recentemente, numa conversa com a cantora Selma Uamusse, esta recordava Corta-unhas — “O Tic-Tic do dia-a-dia”, um tumblr (ferramenta criada em 2007) criado por Pereira em 2012 e actualizado até 2018, dedicado a pessoas que cortam as unhas em público. O site é uma curadoria colectiva com contribuições várias desde paragens do autocarro ao metro, a varandas, à porta de cabeleireiros, a táxis, a praia e festivais de música. Com algumas participações especiais de pinças, vernizes, limas e até facas pelo meio, claro. Houve ainda a presença de um corta-unhas pendurado na mão de um convidado da televisão nacional, do qual consta a seguinte legenda: “Este senhor foi ao programa Prós e Contras com um corta-unhas pendurado no polegar. Não está a cortar a unhaca, é verdade, mas se é capaz de ir para a televisão com o corta-unhas atrás (e à vista), é porque é menino para tratar do assunto em qualquer lugar público — e, como tal, merece uma menção honrosa no nosso Corta-Unhas.” No ecrã lê-se “Quem somos nós?” Claramente um povo que cuida das suas mãos (e pés, não se iludam, que os há ao longo das dez páginas de posts), esteja onde estiver e independentemente de quem possa estar a ver. Prova disso são tic-tics da Galiza e da China a embelezar o feed, que isto do turismo não são só tuc-tucs.

 

 

Uma outra forma de comunidade são os grupos do Facebook, uma espécie de versão “moderna” dos fóruns e chats de antigamente. “Gataria” é uma das criações de Lia Pereira (que doravante poderia ser referida como “Administradora”), uma exímia contadora de histórias e uma cat lady premium que vive com Farrusco Rameiro e Fëi Tripinha a tempo inteiro e em part time com Areias Guna. “Gataria” é o lugar certo para todas as pessoas que adoram gatos (doravante designados por “Donos Disto Tudo”), quer os tenham tido ou não ao longo da vida, e varia entre memes e indicações de veterinários a notícias e histórias deste ecossistema inter-animal. Desde pessoas que não se conhecem sem ser virtualmente aos amigos a quem pedimos que vão ver dos bichinhos quando nos ausentamos, há lugar para toda a gente. Finalmente, chego à terceira criação de Lia e a única que surgiu após a pandemia: “Amigos em tempo de corona”. Os grupos são democráticos e qualquer pessoa pode convidar outra e fazer updates. A generosidade com que Lia continua a fazer updates de notícias sobre vacinas ou sobre os efeitos da pandemia nas nossas afectividades ou células cerebrais é louvável.

 

Afrolink (2019), da jornalista e empreendedora moçambicana Paula Cardoso, começou com orientação do Menos Hub, hoje Impulso (uma plataforma de formação de empreendedores). Inicialmente, Afrolink era um grupo fechado no Facebook, uma base de dados em permanente actualização de currículos e ofertas de emprego de pessoas racializadas, por elas, para elas, com elas a todos os passos do caminho. Na sua génese mais simplista, foi uma espécie de LinkedIn para pessoas racializadas, mas é tão mais do que isso. A realidade é que o Afrolink permitiu a toda uma comunidade identificar os seus membros, as suas skills, as suas disponibilidades, os seus talentos e experiência, em suma valorizar-se para conquistar espaço, visibilidade e direitos sociais e laborais. Actualmente o Afrolink é um site em nome próprio, acessível a toda a gente, e continua a anunciar ofertas de emprego, tem ainda entrevistas, uma agenda cultural, artigos de opinião, imagens, notícias e até promove programas de estágios, entre outros.

 

Quantas pessoas são necessárias para criar uma comunidade? Para além das amizades, existem relações profissionais que mantenho até hoje quer com as pessoas que fui encontrando quer com aquelas com quem ainda não me cruzei pessoalmente, mas de quem conheço amigos, primos, tias, ex-colegas de casa, vizinhos e tantas e tantos outros membros da sua rede de apoio privada, que foi fazendo festas à minha, ao longo do tempo. Por mais que nos queiramos afastar das redes sociais, elas são uma ferramenta como qualquer outra: aquilo para que as usamos é o que as transforma em algo positivo ou negativo, por mais sofisticadas e problemáticas que elas sejam actualmente.

 

A Caixa Solidária, iniciativa criada por Nuno Botelho em Abril de 2020, e que conheci através da actriz Cláudia Jardim, surgiu durante a primeira parte da pandemia via Facebook. Caixas com bens alimentares de primeira necessidade que ficavam em lugares fixos e eram fotografadas, munidas de algumas indicações simples e, mais importante do que tudo, ajudavam quem precisava. Embora, como todas as iniciativas, pudesse ter falhas e estar sujeita a apropriações por parte de quem por vezes levasse tudo, é de respeitar pessoas que, pertencendo ou não a alguma associação ou colectividade, se juntaram e juntaram os seus recursos para ajudar quem os não tinha, sem julgamento e com toda a abertura. Rapidamente o município de Cascais, no qual Botelho reside, se aliou a esta iniciativa, distribuindo Caixas Solidárias por toda a área. Outros intervenientes públicos e privados se lhe juntaram e agora há caixas destas em todo o continente e ilhas, bem como a sua versão virtual para quem quiser contribuir de outro modo.

 

Voltando a Joana Barrios:

 

“#lyndaemcasa é precisamente sobre esta ideia de construção social e sobre a oportunidade de operar essa construção desde um local inédito e potencialmente revolucionário. É sobre a hipótese de criar uma nova forma de estar a ser mais aproximada daquilo que se deseja projectar; é para ultrapassar os medos e os complexos e as limitações impostas por um status quo que colapsa muito facilmente com questões não essenciais como tatuagens, cores de cabelos ou cores de unhas ou batons. É sobre fazer a revolução com o que se tem à mão. Porque o grande desconhecido, o vazio, a planície à nossa frente, árida, pode parecer angustiante pela sua imensidão que convive simultaneamente com a limitação das quatro paredes e o portal da internet. Mas só se quisermos muito que isso aconteça. O Futuro constrói-se com o presente.”

 

Temos uma forma pessimista e resignada de olhar o mundo achando que tudo já foi inventado e feito que contrabalançamos com a crença não provada de que só agora foi feito, mas estes projectos mostram-nos que houve um antes. Cabe a nós garantir um depois. Apesar das diferenças entre estes projectos, por coincidência ou não, maioritariamente desenvolvidos por mulheres que podem estar ou não ligadas entre si (como Barrios e Jardim, ambas do teatro Praga), são muitos mais os pontos de contacto. Falamos de cidadania, de vizinhança, de curadoria aberta, de cura colectiva. Falamos sobre o melhor da internet ainda serem as pessoas e de como elas se vão reinventando e reaproximando quando tudo parece contribuir para o afastamento e a indiferença. Quantas pessoas são precisas para fazer uma comunidade? Não teremos criado uma mesmo agora, eu e quem quer que seja que tenha lido este texto até ao fim?

Obrigada por estarem aí. Fico muito feliz.

 

 

 

 

Gisela Casimiro (Guiné-Bissau, 1984) é uma escritora, artista e ativista portuguesa. Publicou Erosão (Urutau, 2018) e fez parte de antologias como Rio das Pérolas (Ipsis Verbis, 2020), Venceremos! Discursos escolhidos de Thomas Sankara (Falas Afrikanas, 2020) e As Penélopes (Bairro dos Livros, 2021). Nos últimos anos assinou crónicas regulares no Hoje Macau, Buala e Contemporânea. Participou ainda em exposições no O Armário, Galeria Zé dos Bois, Balcony e Museu Nacional de Etnologia. Dirige o departamento de Cultura do INMUNE: Instituto da Mulher Negra em Portugal.

 

Imagens: © LTLYM; Post Secret; RTP1.

 

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