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Lawrence Weiner: Around the World

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Isabel Nogueira

 

Uma exposição de Lawrence Weiner (n. 1942) começa por colocar em causa, de modo irónico, o próprio conceito de originalidade em arte, no sentido do novo, do espanto. Teoricamente, uma atitude ou descoberta de vanguarda não poderá ser repetida de modo idêntico, isto é, a partir do momento em que um artista descobre uma linguagem, até que ponto a sua obra, e a obra de outros que o seguem, não será uma repetição dessa linguagem? Rosalind Krauss, no texto The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths (1985), exemplifica com a quadrícula, emblema da modernidade pictórica, descoberta por Mondrian e pelos cubistas, que, não obstante a sua recorrência, se apresenta paradoxalmente inovadora. É neste — importante — ponto que, quando tudo poderia sucumbir, Weiner continua, afinal, a surpreender e a inovar.

Lawrence Weiner tem uma história e carreira longas. Começou o seu percurso ligado ao expressionismo abstracto e à designada “Escola de Nova Iorque”. Porém, a sua obra tomou outro direccionamento, precisamente no sentido da arte conceptual, que jamais abandonaria e que se tornaria na sua matriz, ou seja, na sua “quadrícula”, sempre paradoxalmente inovadora. Em 1968, publicava um livro seminal: Statements. Trata-se de um livro de artista constituído por textos que descrevem projectos artísticos. A palavra seria definitivamente a forma artística, e o seu conteúdo, claro. Desde o início dos anos 70 que a instalação de letras/frases nas paredes se tornou no seu principal meio e suporte artístico e linguístico. As suas instalações interpelam os espectador e transportam-no para um universo denso e singular, que se constituiu como a sua marca.

A arte conceptual desenvolveu-se, como se sabe, entre meados dos anos 60 e inícios da década seguinte e reflectiu especificamente sobre a ideia e a natureza da arte, congregando em si a arte, a teoria e a crítica, resultantes do culminar da estética processual. Tal como Weiner, outros artistas foram fundamentais neste processo, de que são exemplos Douglas Huebler, Joseph Kosuth, Michael Baldwin & Terry Atkinson, Mel Ramsden ou Mel Bochner. A arte era trabalhada essencialmente como ideia, proclamando-se a “morte” do objecto e a primazia de meios, como a escrita, para incitar a atenção do espectador, para explicar o (não)objecto: a arte do “fim da arte”, isto é, o limite, a explosão do estético. A “morte da arte” é precisamente o conceito de Hegel ao entender que o “conteúdo material” não seria a parte fulcral da obra de arte, e que esta seria encontrada no seu “conteúdo espiritual”. Em Weiner ambos se juntam, num objecto total e de forte visualidade.

Nesta exposição site-specific cinco obras dão corpo — imagem — a este universo de Weiner. A uni-las, efectivamente a viagem e a localização. A linha imaginária do Equador surge evocada nos vários trabalhos: Placed Above the Equator, Placed Below the Equator, To the Left of the Equator, To the Right of the Equator. As coordanadas estão assumidas na sua definição conceptual, porque, na verdade, a linha do Equador não é visível; é uma abstracção que assinala os zero graus de latitude, numa organização do Mundo em hemisférios Norte e Sul. Na verdade, reportamo-nos à geografia, mas também à História, à política, às desigualdades diversas, dramáticas e evidentes, ao pós-colonialismo, ao capitalismo selvagem, ao neoliberalismo perigoso, entre outros aspectos importantes. Esta viagem conduz-nos à complexidade do Mundo nas suas “quatro partidas” e infinitas questões.

Outra evidência nesta mostra é a escala de grande dimensão e consequente intensidade. O espaço é dominado pelas letras-obra-de-arte, no seu estilo tipográfico de colorido exuberante, destacando-se da parede que ocupam. As letras vão ganhando dimensão e materialidade, num protagonismo em que a linguagem e a imagem se fundem, numa organicidade impactante. Trata-se de algo por diversas vezes também designado de word art ou text art. De todo o modo, e independentemente de deniminações ou movimentos artísticos de fundo a que se possa filiar, a obra de Lawrence Weiner propõe, mediante uma visualidade singular e reconhecível, o decifrar de um universo, de uma ideia ou problemática, conferindo espaço ao observador para esta relação e, por vezes, para este enigma.

Finalmente, a disposição dos trabalhos coloca-se, nesta mostra, ao nível do olhar do espectador. De algum modo, como se a própria linha do Equador estivesse praticamente em frente dos nossos olhos. Torna-se impossível desviar a atenção. Esta sensação acompanha-nos por todo o espaço. Sem saída. De algum modo, como se uma corrente de pensamento fosse acontecendo e se fosse solidificando a cada passo, ficando mais imersiva. No final, voltamos ao início e à marca de Weiner numa surpreendente capacidade de reinvenção e de proposta de relação com o Mundo e connosco, claro. Um não é sem o outro, como reconhecimento ou rememoração. E, uma vez mais, tudo novo e, a seu modo, inquietante. Numa espécie de espanto, afinal, uma vez mais, renovado.  

 

Lawrence Weiner

Cristina Guerra Contemporary Art

 

Isabel Nogueira (n. 1974). Historiadora de arte contemporânea, professora universitária e ensaísta. Doutorada em Belas-Artes/Ciências da Arte (Universidade de Lisboa) e pós-doutorada em História da Arte Contemporânea e Teoria da Imagem (Universidade de Coimbra e Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne). Livros mais recentes: "Teoria da arte no século XX: modernismo, vanguarda, neovanguarda, pós-modernismo” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012; 2.ª ed. 2014); "Artes plásticas e crítica em Portugal nos anos 70 e 80: vanguarda e pós-modernismo" (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013; 2.ª ed. 2015); "Théorie de l’art au XXe siècle" (Éditions L’Harmattan, 2013); "Modernidade avulso: escritos sobre arte” (Edições a Ronda da Noite, 2014). É membro da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte).

 

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

 






Lawrence Weiner: Around the World. Vistas gerais da exposição na Cristina Guerra Contemporary Art, Lisboa, 2021. Fotos: Vasco Stocker Vilhena. Cortesia do artista e Cristina Guerra Contemporary Art. 

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