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Nas margens da ficção

SALA DAS MÁSCARAS CONVIDA... SARAH MALDOROR © Alexandre Delmar (2).JPG
Gabriela Vaz-Pinheiro

 

Do silêncio dos museus ao grito da história ficcionada

 

A pretexto de uma reflexão sobre o novo período que o CIAJG agora inicia, pela mão curatorial de Marta Mestre, este texto trará também, seguramente pela rama, alguns problemas emergentes e complexos que, comprometidos com formas de discursividade na actualidade, parece-me importante abordar. Nem o museu, nem a produção artística, podem ignorar o seu posicionamento num mundo em que a reverberação e circulação das imagens e das ideias ficam reféns de crescentes fugacidades e fabricações e, por isso, a nossa (daqueles que produzem pensamento) capacidade de imaginar precisa, cada vez mais, de demarcar um território claro de crítica e consciência. Sabemos que não há neutralidade possível no mundo em que vivemos actualmente, seguramente não poderá haver neutralidade numa abordagem museológica que se queira posicionada. E nenhum museu é indiferente à notoriedade.

Então, como fica a capacidade da arte para se distanciar da produção de entretenimento frívolo, da circulação maliciosa da ficção e fake news, da acusação de elitismo, da promiscuidade com duvidosas operações financeiras, da tentação de seduzir o público? E como fica o museu perante um passado a que é preciso dar visibilidade e um presente que se produz em confronto (e paredes-meias) com ele?

O CIAJG é um lugar singular. Quem conhece, sabe bem que na última década foi um centro que trabalhou na adversidade financeira, na resistência em que as periferias sobrevivem, na cristalizada autoimagem de uma cidade com um peso histórico como Guimarães, no anticlímax habitual após uma Capital Europeia da Cultura com um modelo de financiamento meteórico. E o CIAJG trabalhou com afinco, tendo começado como um projecto fora do seu tempo.

2012 foi um ano irrepetível. Uma cidade como Guimarães, com a considerável aptência para a cultura que se conhece, recebeu a Capital com um entusiasmo e adesão extradordinários. Foram tempos vividos em profunda tensão, porque o país vivia penosamente a crise de um Euro em recessão. Foram tempos de resiliência em que produzir cultura teve um significado ainda maior, em particular no que diz respeito a uma crescente consciência da importância de gerar um envolvimento crítico do(s) público(s). Neste sentido, e estando, reitero, o país em crise profunda, um projecto arquitectónico e museológico (tornar-se-ia primordialmente curatorial) como o CIAJG surge a contraciclo, deixando antever dificuldades futuras de gestão e sustentabilidade que só a dedicação e capacidade de superação do seu director artístico de quase uma década, Nuno Faria, conseguiria contornar, e que Marta Mestre recebe agora de herança.

Nesta herança múltipla, e apesar do conjunto das dificuldades que o centro enfrenta, a começar por uma arquitectura monumental e ensimesmada, passando por um financiamento insuficiente, e por um público que é preciso aliciar em permanência, é na abertura a um diálogo com o trabalho curatorial anterior que Marta Mestre pretende operar, procurando, diz, “gerar um espaço de interrogações mais do que de afirmações”.

Visitei o CIAJG numa tarde quente. Percorri com Marta Mestre os seus corredores num dia sem público. Conversamos longamente. Percebi uma vontade de rever os dispositivos, as formas de mostrar, uma vontade de contrariar uma espacialidade voltada para dentro trazendo o mundo para o interior, de dar visibilidade aos gestos mínimos deixados pelas actividades do serviço educativo. Fiquei convicta que a experiência além-mar de Marta Mestre, com a sua passagem de vários anos pelo Brasil, informará o seu trabalho com a consciência e vontade de fazer um programa que albergue aquela multiplicidade de vozes que abre um espaço museológico a outros mundos.

Uma das características incontornáveis do centro reside na sua exposição permanente, composta por conjunto de artefactos[1] da colecção de José de Guimarães, imbuída das idiossincrasias de um coleccionismo de afecto; bem como por um acervo considerável da obra deste artista, um conjunto de trabalhos produzidos, desde os anos 60 até ao presente, em pintura, escultura, desenho, serigrafia ou néon, a que o público de outra forma não teria acesso e que desde sempre se foi alternando pelo programa do centro numa permanente descoberta.

Sobre os primeiros, artefactos comprados pelo “artista-coleccionador”, binómio que a curadora considera crucial na abordagem expositiva do centro, releve-se o desafio de os enquadrar num contexto (profundo e necessário) de questionamento da(s) herança(s) colonial(is) e das leituras inter-culturais a partir de iconografias que o museu absorve, processa e expõe. São peças que José de Guimarães comprou e reuniu diletantemente ao longo de décadas.

E aqui coloco um dos problemas emergentes que me propus abordar neste texto e que a colecção de artefactos pode (tem de) contribuir para debater. Sabemos que, possivelmente desde a ‘invenção’ da arqueologia enquanto disciplina, um mercado ávido de exotismo tribal descontextualizou, frequentemente com violência, objectos que inspiraram artistas e encheram museus. Décadas seguintes de um modernismo de olhar sôfrego e acrítico sobre a alteridade deixaram por tratar questões que hoje assomam com maior clareza a partir destes objectos. Do fascínio de artistas (famosamente, Picasso) pelos museus de etnografia no início do século XX, passando pela exposição Primitivism in 20th Century Art[2] por William Rubin, em 1984, sem esquecer a aclamada Magiciens de la Terre de Jean-Hubert Martin, que no final dos anos 80 lhe pretendeu responder, o problema do olhar eurocêntrico, apesar de tudo, permanece. Mantém-se a questão de uma cultura centrípeta e escópica, que considera os artefactos não ocidentais como objectos para serem possuídos e, primordialmente, olhados. E, no entanto, é crucial a contribuição para o conhecimento que o contacto com objectos de outras culturas promove. Então que consciência necessitamos de desenvolver para os abordar?

Sabemos hoje duas coisas: conhecemos a actualidade e premência do problema da restituição e a sua ineficácia nas instâncias em que o mercado continua a ser mais forte do que a protecção aos modos de preservação e transmissão do conhecimento. E também sabemos que os objectos não ocidentais podem oferecer leituras que temos obrigação intelectual de reformular a partir da consciência actual de que as culturas são permeáveis, comunicantes e que devem ser mutuamente deferentes. Vivemos tempos ruidosos em que a discursividade em torno da decolonialidade sofre de enviesamentos vários, em particular por uma excessiva facilidade de emitir opiniões e distorcer testemunhos, tergiversando as consequências de processos que merecem reflexão. Precisamos muito (cada vez mais) da história, e a história, lugar privilegiado de celebração de feitos heróicos, deveria, enquanto garante de continuidade civilizacional, ocupar-se e interrogar a polifonia das relações entre os seres humanos, incorporando a atenção ao trauma ao invés de privilegiar, unilateral e quase exclusivamente, a narração da conquista. A história que ainda é escrita pela mão da violência e da guerra, da dominação e do saque, perpetua processos perigosamente ilusórios de sobrevivência e verdade, porque perde a noção mais alargada do espaço partilhado em que todas as culturas (co)habitam. É uma consciência que também é ecológica no sentido em que não há sobrevivência efectiva que não produza cultura, e não há cultura que não se altere pelo esforço de sobreviver.

É James Clifford que nos avisa da dualidade de classificação dos objectos de origem não ocidental que os coloca em uma de duas categorias: científica, enquanto artefactos culturais de cariz antropológico ou etnográfico, para serem examinados por relação com uma função remota, frequentemente considerada extinta ou obsoleta; ou estética, enquanto obras de arte. Clifford propõe uma movimentação, a que chama de The Art Culture System, que permite perceber que cada momento na vida de um objecto ou icon traduz uma sujeição a um sistema de valor: de utilitário (folk) a obra de arte (masterpiece), passando por mercadoria (commodity) e falsificação (fakes). Em termos gerais a autoridade monolítica ocidental poderia, segundo Clifford, ser ultrapassada extrapolando a “heteroglossia” de Bakthin da novela literária para o discurso museológico, ou, podemos dizer, curatorial.

Neste sentido, voltando ao CIAJG, ainda no registo curatorial anterior do centro, o diálogo que é solicitado às obras contemporâneas instaladas no espaço comum à colecção de artefactos gera um palimpsesto temporal que descarta tanto uma linha de tempo linear como qualquer forma de ilustrar as funções que o display descontextualiza. O posicionamento de obras contemporâneas naquelas salas não é efectuado por contraponto mas funciona por actuações entre o ficcionado e o documental a partir de enunciados que afectam a realidade do presente porque questionam o discurso histórico enquanto lugar da verdade. E esta é, como se sabe, uma missão muito difícil e que requer coragem e firmeza.

 


COMPLEXO COLOSSO Ángel Calvo Ulloa, Curador convidado Carla Filipe, Alisa Heil, NEG (Nova Escultura Galega), Jorge Barbi, Lola Lasurt, Taxio Ardanaz, Jeremy Deller, Gareth Kennedy, Jorge Satorre, Pedro
COMPLEXO COLOSSO Ángel Calvo Ulloa, Curador convidado Carla Filipe, Alisa Heil, NEG (Nova Escultura Galega), Jorge Barbi, Lola Lasurt, Taxio Ardanaz, Jeremy Deller, Gareth Kennedy, Jorge Satorre, Pedro  (3)
COMPLEXO COLOSSO Ángel Calvo Ulloa, Curador convidado Carla Filipe, Alisa Heil, NEG (Nova Escultura Galega), Jorge Barbi, Lola Lasurt, Taxio Ardanaz, Jeremy Deller, Gareth Kennedy, Jorge Satorre, Pedro  (4)
COMPLEXO COLOSSO Ángel Calvo Ulloa, Curador convidado Carla Filipe, Alisa Heil, NEG (Nova Escultura Galega), Jorge Barbi, Lola Lasurt, Taxio Ardanaz, Jeremy Deller, Gareth Kennedy, Jorge Satorre, Pedro G (1)

 

A questão que Marta Mestre coloca quando pergunta: “Se a história vive o seu fim (assim como outros fins), se o mundo tal qual o conhecemos findou, se o CIAJG trabalhou para um reencantamento da experiência estética para lá da História e das concepções tradicionais de arte, como podemos ir daqui para a frente?” É aparente que a questão contém a circunstância da sua proposta curatorial surgir na senda do trabalho profundamente autoral do seu antecessor, mas está nela também contida a volição de vir a derivar tal herança, ampliando-a pela polifonia, propondo-se, como diz, trabalhar com “outros curadores e grupos de pesquisa”. É exemplo desta chamada a exposição que ocupa a cave do CIAJG para a qual foi convidado o curador Ángel Calvo Ulloa.

Com obras, entre outros, de Carla Filipe, NEG (Nova Escultura Galega), Jeremy Deller, Pedro G. Romero, Andreia Santana, André Sousa e José de Guimarães, a exposição trabalha em torno do Colosso de Pedralva, escultura monumental relatada por Martins Sarmento em Maio de 1876 e desde aí geradora de inúmeras interpretações, rumores e estórias. A exposição, que apresenta múltiplas peças entre objectos reproduzidos e obras únicas, transmite a multiplicidade de relatos associados àquela estátua, ajudando a discutir de que forma a especulação histórica e etnográfica pode (in)formar a arte, ainda que, e primordialmente, de “forma indisiciplinada”. Diz-nos Marta Mestre que este Colosso continuará, no programa futuro, a produzir reflexões através do que chama de “arqueologia especulativa”.

Na sala com a exposição Mitos... NON... Avesso... com obras de Horácio Frutuoso, Manoel de Oliveira, Kiluanji Kia Henda e Anna Franceschini, voltamos a encontrar uma das peças escultóricas de vulto plano de José de Guimarães desta vez em papiér maché, técnica que, como veremos, Fernão Cruz revisita no seu Quarto Blindado. Aquela peça, que representa o Rei D. Sebastião, é o centro a partir do qual a sala se desenvolve. Em referências entrecortadas é a ideia de montagem e remontagem que preside à estratégia expositiva. Seja na aleatoridade do dispositivo que mostra as fotografias de Kiluanji Kia Henda feitas no espaço transitório em que a estatuária colonial portuguesa se amontoa refazendo relações entre mitos[3]; seja no tratamento, qual corpo tornado espaço, do texto do Padre António Vieira por Horácio Frutuoso, seja na dobragem de camisas masculinas filmada por Anna Franceschini, seja, mais obviamente, na relação com o cinema aqui mostrada por documentos de concepção e produção do filme Non ou Vã Glória de Mandar (1990) de Manoel de Oliveira (1908-2015).

No Quarto Blindado de Fernão Cruz entramos no universo onírico do artista. É uma entrada em desconforto, como aquele que a arte deve provocar. Pisamos um chão colorido e imaculado, subitamente conscientes dos próprios passos, passeamos por entre objectos e situações caídos do sonho de alguém. Tudo é familiar e profundamente deslocalizado. No emudecimento dos objectos detectamos sinais da morte do mundo, enquanto a história fabulosa de um menino travesso, em estandartes pintados, sobrevoa as nossas cabeças, como dizendo que só a ficção nos salva da morte.

Como vários mundos que se cruzam no espaço do museu, entramos na América Latina na sala de Rodrigo Hernández, Pasado. Esta é uma sala difícil, com pedestais de grande presença que a intervenção cromática nas paredes parece tentar subtrair. Inspirado pela colecção pré-colombiana do museu a sala apresenta um conjunto díspar de objectos, pinturas e intervenções cromáticas que pretendem interrogar a construção do “projeto colonial-moderno das Américas”, surrealizando-o. E este olhar para as Américas é um olhar que, é meu parecer, precisamos de tornar mais activo, particularmente, como também interessa a Marta Mestre, abordando o tema do lusotropicalismo.

Em salas que parecem de passagem a exposição Signos e Sinais de José de Guimarães é uma boa surpresa. De referir em especial, alguns belos néons do artista muito pouco conhecidos e uns maravilhosos pequenos desenhos, lembrando poesia concreta, surpreendentes na leveza do seu traço e delicadeza do suporte.

 

PASADO de Rodrigo Hernandez © Alexandre Delmar (2)
PASADO de Rodrigo Hernandez © Alexandre Delmar (a)
PASADO de Rodrigo Hernandez © Alexandre Delmar (3)

 

Na sala do Alfabeto Africano de José de Guimarães, que se manteve bastante estabilizada ao longo do tempo, Marta Mestre acrescenta uma imagem-intruso projectada. Elemento utilitário (folk)  de uma tampa de panelas em que o povo de Ngoyo, actual sul de Cabinda, narra provérbios e ficções que nos anos 70 inspiraram os ideogramas do universo lexical de José de Guimarães. É uma instrusão didáctica e contextualizante.

Algumas salas, incluindo a seguinte, mantêm inalterados os dispositivos de mostra da colecção desde a abertura do centro. São em muitos casos estruturas fortes, com elementos de uma materialidade que é difícil mover, que marcam muito da imagem do CIAJG ao longo do tempo e que Marta Mestre, consciente no entanto da sua relevância na reflexão sobre modos de expôr do CIAJG, refere querer vir a alterar. O desafio de um museu com uma exposição permanente é também conjugar a materialidade do dispositivo que a permanência implica, com recombinações que, com alguma regularidade, reposicionem os elementos de uma colecção entre si e em diferentes displays. Voltarei a esta questão um pouco mais à frente.

O capítulo Mistérios do Fogo: as ‘Maternidades’ na Coleção de José de Guimarães reúne cinco dezenas de estátuas com aquele tema rodeadas por um grupo heterogéneo de obras: desenhos botânicos de Maria Amélia Coutinho, mãe de José de Guimarães, um filme de Yasmin Thayná e uma obra em mural, poster e audio, de Carla Cruz. É uma sala celebração que faz reflectir sobre a necessidade de pensar o feminino de forma afirmativa, pela sua proposição feminista e libertadora.

O conjunto de trabalhos que dá pelo nome de Cosmic Tones de Francisca Carvalho, mapeia o primeiro período de confinamento devido à pandemia. Oferece uma viagem cromática e simbólica por universos culturais que se cruzam, das iluminuras medievais, ao papel ‘Jaipur’ de origem indiana, à música de uma rádio africana que acompanhou a artista na feitura destes trabalhos. Numa sala a que o CIAJG chama ‘sala de desenho’ o desígnio disciplinar parece ser de somenos importância perante a invasão cromática e recalcitrante destes ‘desenhos’.

A Sala das Máscaras, ex-libris do CIAJG, é talvez o seu centro nevrálgico e ao mesmo tempo, julgo, o lugar da sua maior controvérsia. Projectado pelo Gabinete [A] ainda arquitectura, tal como todo o projecto de desenho expositivo para a exposição inaugural do CIAJG, Para além da História, em 2012, a sala utiliza, como é sabido, a referência aos ‘cavaletes de cristal’ que Lina Bo Bardi projectou para o MASP em 1968. Este dispositivo, na altura inovador e até hoje muito atraente, foi várias vezes replicado em museus europeus e norte americanos[4], tendo Bo Bardi pretendido que a disposição expandida das obras, pelo espaço expositivo, as tornasse menos dependentes, precisamente, dos padrões e divisões canónicas da história de arte feita a partir do ocidente e mostrada em salas brancas isoladas do mundo.

Com as máscaras, é tentador imaginarmos o nosso corpo no lugar do corpo do mágico que as terá vestido e, por isso, a sala é profundamente sedutora e activadora do espectador. E, no entanto, evitamos colocar a nós próprios a pergunta se a magia descontextualizada se mantém magia porque queremos acreditar que a magia do museu se lhe substitui. Este conjunto de objectos é poderoso e necessitaria de um estudo especializado e dedicado. A sua presença numa cidade como Guimarães onde a história se encontra em cada pedra, onde uma monumentalidade portentosa celebra uma narrativa de nacionalidade embuída da ficção construída pelo Estado Novo, um estado com uma longa história colonial, a presença daquelas máscaras tem uma responsabilidade acrescida.

A colocação de obras contemporâneas, no caso obra filmográfica de Sarah Maldoror, “em curto-circuito” com a colecção de máscaras, contribui do meu ponto de vista, para o assumir dessa responsabilidade dando palco à voz inquiridora da cineasta recentemente falecida. Os seus filmes, pese embora a dificuldade usual do visionamento de obras com duração numa instalação em cubo branco, contribuem para a consciência necessária ao confronto com os restantes objectos na sala.

Marta Mestre começou assim o seu primeiro ano à frente do Centro Internacional de Artes José de Guimarães, nome (por) extenso que demarca uma identidade. O centro na verdade não pretende ser um museu. É uma distinção importante porque, por um lado, assegura um carácter dinâmico em abertura a reconfigurações curatoriais, e, por outro, garante a qualidade distintiva da sua colecção permanente enquanto conjunto originado por afectos, para além de ser também depósito vivo de um acervo da obra do artista que lhe dá o nome.

Este primeiro momento do novo programa do CIAJG, Nas Margens da Ficção, pode ser visitado até 5 de Setembro. Levantando o véu para o futuro Marta Mestre revela algumas novidades para Outubro: “mais desdobramentos do projeto Complexo Colosso, o Diário Atmosférico de Virgínia Mota, a Escola de Lazer de Priscila Fernandes, Ana Vaz com um vídeo e uma ativação da Sala das Máscaras pelo Pedro Henriques.” Marta Mestre afirma querer fazer um “conjunto de exposições que dialogam com ideias de especulação, relato, polifonia, storytelling, narrações no plural... o que confere ao conjunto das exposições um tom de farsa e rumor.”  Importante é também a sua intenção de “(...) se debruçar sobre ficções coloniais, trabalhar em parceria com outros curadores, grupos de pesquisa e artistas e estabelecer (em conjunto) um roteiro para esse projeto, o qual permite tocar numa ideia que pesquis(a) há algum tempo: o lusotropicalismo, o mito de uma colonização ‘adocicada’. Seria um exercício de livres-associações entre documentos e propostas artísticas, algo surrealizante, e que toca o território e a história da cidade.”

A posição hoje para aquele centro, interpelando a cidade em que se encontra e onde estruturas de produção de conhecimento progridem em estreita ligação à produção cultural e artística, continuará a afirmar-se no contexto nacional, sendo provavelmente o contexto internacional um desafio mais difícil no momento pós-pandémico que o mundo ainda vive.

 

 

Marta Mestre

CIAJG: Centro Internacional Artes José Guimarães

 

Gabriela Vaz-Pinheiro é formada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Possui o Mestrado Europeu em Cenografia pelo Central St. Martins College e Utrecht School of the Arts; o Mestrado em Teoria e Prática da Arte Pública e Design pelo Chelsea College of Art & Design e o Doutoramento por projecto pelo Chelsea College. Leccionou na Central St. Martins College of Art & Design, em Londres, entre 1998 e 2006. Responsável pelo Programa de Arte e Arquitectura para Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. É atualmente Directora do Mestrado em Arte e Design para o Espaço Público e Professora Auxiliar desde 2006 na FBAUP. É Membro Integrado do i2ads, Instituto de Investigação em Arte Design e Sociedade. 

 

A autora não segue o novo acordo ortográfico.

 

 

 

MISTÉRIOS DO FOGO AS MATERNIDADES NA COLEÇÃO DE JOSÉ DE GUIMARÃES José de Guimarães, Maria Amélia Coutinho, Yasmin Thayná, Carla Cruz © Alexandre Delmar
MISTÉRIOS DO FOGO AS MATERNIDADES NA COLEÇÃO DE JOSÉ DE GUIMARÃES José de Guimarães, Maria Amélia Coutinho, Yasmin Thayná, Carla Cruz © Alexandre Delmar (a)
MISTÉRIOS DO FOGO AS MATERNIDADES NA COLEÇÃO DE JOSÉ DE GUIMARÃES José de Guimarães, Maria Amélia Coutinho, Yasmin Thayná, Carla Cruz © Alexandre Delmar (3)
MISTÉRIOS DO FOGO AS MATERNIDADES NA COLEÇÃO DE JOSÉ DE GUIMARÃES José de Guimarães, Maria Amélia Coutinho, Yasmin Thayná, Carla Cruz © Alexandre Delmar (2)
MISTÉRIOS DO FOGO AS MATERNIDADES NA COLEÇÃO DE JOSÉ DE GUIMARÃES José de Guimarães, Maria Amélia Coutinho, Yasmin Thayná, Carla Cruz © Alexandre Delmar (1)
COSMIC TONE de Francisca Carvalho © Alexandre Delmar (2)
COSMIC TONE de Francisca Carvalho © Alexandre Delmar (1)
SALA DAS MÁSCARAS CONVIDA... SARAH MALDOROR © Alexandre Delmar (2)
SALA DAS MÁSCARAS CONVIDA... SARAH MALDOROR © Alexandre Delmar (1)

 


 

Notas:

 

[1] Cerca de 200 objectos africanos, 30 objectos précolombianos e 50 objectos chineses antigos.

[2] Primitivism in 20th Century Art: Affinity of the Tribal and the Modern exposição realizada por William Rubin no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1984 e depois em 1985, no Dallas Museum of Art. O espaço editorial deste texto não permite desenvolver o muito que haveria a dizer sobre o próprio termo “primitivismo”. Ver por exemplo o seminal texto de 1978 de Edward Said “Orientalism” a este propósito, e em português a recente edição Orientalismo - Representações Ocidentais do Oriente, Edições 70.

[3] Ver o meu texto “Curating territories through the image” scopio Magazine [1 1/3], Crossing borders and shifting boundaries, pp. 130-157. Uma versão electrónica do texto e portfolio de imagens pode ser encontrada online no site Academia.edu.

[4] São disto exemplo várias utilizações autorizadas pelo Instituto Bardi feitas à National Portrait Gallery de Londres em 1996, em 2000, ao Crown Hall, de Chicago, e actualmente, para uma exposição em curso até setembro deste ano, de Luisa Lambri, “Autoritratto”com curadoria de Diego Sileo e Douglas Fogle no PAC – Padiglione d’Arte Contemporanea em Milão.

 

 


 

Imagens: Nas margens da ficção. Vistas gerais do ciclo expositivo. Fotos: Alexandre Delmar. Cortesia CIAJG: Centro Internacional Artes José Guimarães.

 

 

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