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Luís Lázaro Matos: Seabed Monsters and the Cosmic Rays

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Cristina Sanchez-Kozyreva

Ballet celestial de mantas

 

Em Seabed Monsters and the Cosmic Rays, a terceira exposição de Luís Lázaro Matos na Madragoa, o artista propõe um entusiasmante universo imersivo que é simultaneamente cósmico e submarino. Sobre as paredes da pequena área expositiva sobem plantas aquáticas pintadas à mão em tonalidades rosa — uma coloração que recorda bactérias bioluminescentes e certas criaturas marinhas — que se confrontam com redes de relâmpagos brancos. A água e a eletricidade são uma mistura perigosa, mas aparentemente Matos inspirou-se na teoria de que, nos primórdios da génese da Terra, foram tempestades de relâmpagos que libertaram fósforo na água — um elemento essencial para a formação de biomoléculas e para o desenvolvimento de vida no planeta —, o que deu início ao processo da vida na Terra. Um bom sítio para começar.

Seabed Monsters and the Cosmic Rays 1–3 (todas de 2021), uma série de pinturas de grandes dimensões em tonalidades azuis, representa cenas de regiões abissais imaginadas. Aqui, a cabeça de um homem barbudo, com feições que poderiam pertencer a uma qualquer estátua greco-romana, aparece representado de forma teriantrópica, com tentáculos a substituir-lhe o corpo. Está a nadar nas profundezas do mar ao lado de uma manta, e ambos se rodeiam de bolhas de ar (ou anéis de luz) e linhas ondeadas. Ali, duas mantas nadam no sentido da superfície, acompanhadas por uma alforreca cor de laranja em forma de cogumelo. No fundo, traduzidos por linhas de um azul pálido, encontra-se um conjunto de contornos cuja aparência nos recorda a já referida personagem barbuda — o Poseidon desta exposição —, com o tronco direito, como se estivesse de pé no fundo do oceano. Na terceira pintura, atravessando a superfície da tela, que representa uma região abissal ondeada, uma manta fita um avião turboélice — que tanto pode estar imerso no oceano como apenas refletido nas suas águas reluzentes. Em física, o campo da dinâmica dos fluidos configura um âmbito de estudo que define os fluidos ou como líquidos ou como gases para poder descrever o seu fluxo particular no espaço. Os desenhos de Matos, com linhas de alguma banda desenhada, abraçam naturalmente estas leis da física, ao mostrarem que determinadas viagens pelo ar ou pelo mar respondem às mesmas leis da gravidade, podendo até fundir-se como se fizessem parte do mesmo meio.

Abrindo o âmbito, acompanha esta fusão visual de panoramas do espaço profundo e do fundo do mar uma banda sonora original e orelhuda ao jeito do pop rock dos anos 80. Trata-se da faixa "Bermuda Triangle", da autoria do próprio artista e com voz da artista Diana Policarpo, que se ouve de um ecrã instalado na parede do fundo da galeria, apresentando-se também o videoclipe que a acompanha, num estilo anime. Esta faixa está presente no terceiro álbum de Matos, intitulado Waves and Whirlpools (o artista começou a gravar música há poucos anos); tanto as batidas como as melodias, de um carácter etéreo e repetitivo, trazem para primeiro plano os ingredientes deslizantes e flutuantes da exposição. De cores garridas, nesta animação figuram redemoinhos concêntricos de mantas, baleias que tocam guitarra, peixes-balão e o já familiar homem barbudo, agora a dormir de barriga para baixo sobre uma prancha de surf ou aconchegado debaixo de um cobertor por cima de um avião turboélice. Existem outros elementos reconhecíveis, tais como algumas linhas de ondas desenhadas e bolhas ou anéis de luz, que rodopiam em crescendo para o centro do ecrã, como se algum género de vórtice os engolisse, reverberando ritmicamente com as narrativas subaquático-celestiais da exposição. A letra é tão intrigante quanto o conteúdo visual do videoclipe, descrevendo luzes que levam os barcos com elas e discos voadores que roubam amigos — um poema emotivo e cativante.

 

 

No chão, várias mantas azuis-escuras, quase negras, uma hábil execução em cerâmica, com globos oculares de aparência exagerada, levantam o olhar tragicomicamente para os anéis de luz de influencer ao lado dos quais se encontram. As criaturas têm íris vermelhas, o que talvez se deva às noites sem dormir que penaram a tentar criar conteúdo durante o confinamento, alienadas dos seus pares; as suas superfícies, um brilho aprazível. No espaço, as mantas cósmicas são partículas de energia que se deslocam quase à velocidade da luz, tendo origem tanto dentro como fora do nosso sistema solar; e basta-nos pensar nisto para conseguir imaginar a maravilhosa ideia de um universo expandido cujo movimento nos parece muito mais lento do que realmente é. As mantas poderiam ser vistas a voar nas águas como se de ondas de energia se tratassem, batendo pausadamente as asas para planar espaço fora com uma graciosidade celestial. Nesta exposição, a prevalência das mantas é, em geral, um fenómeno reconfortante, mas, ao mesmo tempo, têm em si um leve toque de ansiedade e vertigem — ampliado pela artificialidade das luzes de influencer e pelos redemoinhos do vídeo — que nos deixa num estado de alerta.

Em geral, assim que o choque da imersão na intensidade daquelas cores começa a passar, torna-se particularmente convidativa a elegância das linhas ondulantes que enquadram o universo destas mantas cerâmicas, que logram uma execução excecional. No conjunto, todos os elementos oferecem uma tentadora incursão num mundo enigmático de maravilhas oceânicas onde a gravidade é substituída pela fantasia, com uma pitada de psicadelismo. Aqui, em tons rosa e azuis, um vórtice brilhante de ondulações em jeito de banda desenhada sobre o tempo, o espaço e a água, ressoando com as mais profundas teorias sobre o nosso universo, traz equilíbrio da forma mais fantástica à agitação e à calmaria.

 

Luís Lázaro Matos

Galeria Madragoa

 

Cristina Sanchez-Kozyreva é uma autora com experiência em relações internacionais e estratégia. Viveu na Ásia durante 15 anos. Actualmente trabalha e vive entre Lisboa e Hong Kong. É co-fundadora e editora-chefe da revista de arte Pipeline, com sede em Hong Kong (impressão 2011-2016). Contribuiu, regularmente, para várias publicações na Ásia, Europa e EUA, como Artforum, Frieze e Hyperallergic.

 

Tradução do EN: Diogo Montenegro.

 





 

Imagens: Luís Lázaro Matos: Seabed Monsters and the Cosmic Rays. Vistas da exposição na Galeria Madragoa. Fotos: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Madragoa.

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