Euclid in Europe
Angela Bulloch nasceu no Canadá, em 1966, estudou em Londres, onde fez parte da geração da YBA (Young British Artists) e vive em Berlim há vários anos. Se a informação biográfica pode ser sempre útil para entender uma obra, no caso de Bulloch e nomeadamente desta exposição na Galeria Cristina Guerra, torna-se relevante, desde logo para descodificar o titulo: “Euclid in Europe”.
Olhando para as esculturas facilmente compreendemos o fascínio de Bulloch pela geometria e a referência a Euclides, o grego nascido em Alexandria que foi o pai da geometria, surge como natural mas quando lhe acrescenta as palavras “na Europa”, introduz não só uma dimensão geográfica e política como também uma reflexão sobre o mundo em que vivemos.
A artista assume que o título é um comentário à actual Documenta e ao seu desígnio de começar com uma série de exposições em Atenas, apesar de ser, como sabemos, uma iniciativa alemã. Estamos portanto no território não só da geometria mas também da geopolítica.
As esculturas em MDF pintado cuja configuração resulta de imagens geradas em computador demonstram bem o fascínio de Bulloch pela matemática; padrões, equações, regras e sistemas. Ao colocá-las lado a lado com textos na parede e nomeadamente o artigo 50 da Constituição da União Europeia que regula a saída dos estados membros, a artista incorpora também os sistemas que definem e estruturam o comportamento humano e a vida em sociedade. As regras tout court são transformadas em obras.
Tal como uma regra matemática está por detrás de um determinado padrão visual, as leis estão por detrás do modo como nos relacionamos uns com os outros e as relações de poder que estabelecem são de geometria e simetrias variáveis, tais como as esculturas de Bulloch, dependem do ângulo em que as observamos: da direita, da esquerda, do canto; tal como as visões da constituição Europeia diferem do Reino Unido para a Alemanha ou para a Grécia. O paralelismo é eficaz e certeiro.
O trabalho de cor e luz é admirável e veja-se, a título de exemplo, os trabalhos mais recentes de 2017: “Totem Pillar: Royal” e “Totem Pillar: Police” em que para além do jogo multi-cromático há também a exploração do brilho e do mate transformando as esculturas-prismas sólidas e cheias de ângulos em objectos que parecem quase virtuais, de contornos e silhuetas, senão indefinidos, pelo menos instáveis, como se estivessem desfocados.
Assim, o que aparentemente poderia ser só um exercício formal virtuoso e que belo formalismo, transforma-se com a observação activa a partir de vários pontos - são esculturas que pedem que circulemos à volta delas - em imagens portadoras de uma abstracção emocional e não destituídas de um certo humor.
A arquitectura e o Construtivismo são igualmente referências que atravessam a exposição, veja-se os “Paravent: Prussian White & Black 50” e “Paravent: Prussian Blue & Black 88”, ambas de 2016 e o grafismo dos textos de parede.
“Euclid in Europe” é uma exposição que tem tanto de mestria cromática, matemática e oficinal como de consistência conceptual e um rigoroso domínio dos meios, sejam eles uma palavra, ou um desenho na parede, ou uma forma que nasce de um plinto. Bulloch continua a aprofundar a investigação artística que iniciou há décadas com mestria e algum humor, um humor seco mas humor.
Isabel Carlos
Licenciada em Filosofia pela Universidade de Coimbra e mestre em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa com a tese «Performance ou a Arte num Lugar Incómodo» (1993). Crítica de arte desde 1991. Assessora para a área de exposições de Lisboa’94 – Capital Europeia da Cultura. Foi co-fundadora e subdirectora do Instituto de Arte Contemporânea, tutelado pelo Ministério da Cultura. Foi membro dos júris da Bienal de Veneza (2003), do Turner Prize (2010), The Vincent Award (2013), entre outros. Co-seleccionadora do Arts Mundi, Cardiff (2008). Entre as inúmeras exposições que organizou, destacam-se: Bienal de Sidney «On Reason and Emotion» (2004), «Intus» de Helena Almeida, Pavilhão de Portugal, Bienal de Veneza (2005), «Provisions for the Future», Bienal de Sharjah (2009). Entre 2009 e 2015 foi directora do CAM-Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
a autora escreve de acordo com a antiga ortografia