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As Visões Utópicas de uma Distopia

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Utopia/ Distopia. Vista da exposição. MAAT. Foto: Bruno Lopes. Cortesia MAAT.

Markéta Stará Condeixa

Depois da inauguração oficial do novo edifício oval, em Outubro de 2016, o MAAT reabriu ao público no passado mês de Março, mas desta vez com todas as galerias laterais terminadas e com a inauguração da tão esperada exposição Utopia/Distopia, dando assim início à futura linha de programação e a uma nova fase no modo de funcionamento do museu. Nela encontramos, entre outros aspectos, a promessa de manter a instituição aberta a projectos de, ou, como no caso da exposição actual, em colaboração com curadores convidados ou outros agentes culturais externos. Curada por Pedro Gadanho, João Laia e Susana Ventura, por ocasião dos 500 anos de Utopia de Thomas More, Utopia/Distopia toma como ponto de partida o desenvolvimento da compreensão do termo e a relação sempre inconstante entre utopia e a sua “meia-irmã” distopia. Apropriando-se de uma abordagem de certo modo histórica, alguns momentos-chave que influenciaram o nosso entendimento e posição em relação à utopia são fundados na história (moderna), funcionando como pilares da exposição. As cinco secções nas quais a exposição se divide podem ser vistas em duas partes. A primeira mapeia a mudança histórica e a segunda retrata um presente que dela resultou. Apesar da intenção de permitir que secções individuais da exposição se infiltrem noutras, que se interliguem e se fundam numa teia de narrativas, é difícil não olhar para a exposição através do dualismo de um antes e de um depois, sendo disso um especial exemplo as fronteiras do envolvimento da exposição com a tecnologia. Tal leitura resulta de uma abordagem de certa forma pedagógica e histórica à primeira parte/início da exposição e a uma certa libertação desta à medida que nos aproximamos do capítulo final intitulado The Current Situation, nome emprestado pelo título do filme de Pedro Barateiro incluído na parte final da exposição.

À semelhança do resto da exposição, The Current Situation apresenta trabalhos de uma vasta série de artistas internacionais, incluindo ao mesmo tempo uma selecção de artistas igualmente relevantes do contexto português, seja o já mencionado vídeo de Pedro Barateiro, The Dancing Plague de André Romão, ou o trabalho encomendado a Diogo Evangelista que apresenta uma visão distópica do presente global que pode ser visto, de várias perspectivas, como um sumário final da “(nossa) situação actual” e também da exposição. A escolha dos artistas não apresenta apenas uma geração significativamente mais jovem mas também uma posição curatorial diferente com uma linguagem curatorial distinta, indicadora de um outro método de organização conceptual e de uma abordagem própria ao tema. Em vez de historicizar, investigar e avaliar uma vez mais as ruínas utópicas da modernidade através da pesquisa ou de uma abordagem metafórica ao tema, que é característica da primeira parte da exposição, os métodos aplicados na parte final têm mais que ver com uma forma espontânea de sobreposição, associação e referenciação, todos eles destacados por um género distinto de visualidade. Se a primeira parte da exposição parte de referências frequentes à arquitectura (o que é natural dada a experiência profissional de dois dos curadores do projecto), seja através de uma leitura histórica da utopia e da sua análise, a partir da selecção dos artistas, ou pela forma como estes se relacionam com o tema, a parte final da exposição distancia-se do utópico e revela o cenário de um presente distópico definido pela proximidade tecnológica (DIS) que contrasta com uma realidade metafórica de corpos em deterioração (Renaud Jerez). The Current Situation é um lugar onde os humanos foram transformados em “mortos vivos”, um lugar cuja ecologia pode ser descrita como a circulação de dados virtuais e uma economia distópica de relações frágeis, ou, por outras palavras, um lugar que precisa desesperadamente de novas utopias.

Dada a organização cronológica da exposição, somos testemunhas do nascimento de utopias, da sua transformação num todo e, na perspectiva actual, também do seu (frequentemente inevitável) fracasso. O presente é aqui apresentado como o resultado de um passado - uma consequência directa do projecto da modernidade -, como o resultado de uma utopia moderna. Somos confrontados com o nascimento e a queda da utopia e com a frágil fronteira entre o utópico e o distópico. O conceito de um futuro imaginado como força motriz é ensombrado pelo fracasso da história e pelo facto de se tornar num tema passageiro dentro da prática artística e da arte em geral. Embora o caminho para este fracasso tenha sido aberto por uma série de obras seminais incluídas na exposição e por uma estrutura cuidadosamente trabalhada, permitindo que o tema seja discutido e compreendido a partir da perspectiva do presente, parece estar ausente da exposição um aprender a re-imaginar o futuro e perceber de que forma a utopia pode ser utilizada como recurso produtivo para esse futuro, como estão também ausentes a historicização e a avaliação crítica dessas tentativas mais recentes. Definir o presente como utópico pode fazer sentido, mas no contexto deste projecto pode também ser perigoso ao ser feita uma leitura paralisante da realidade. Para além disso, dentro do contexto do objecto artístico, este enquadramento cristaliza a obra de arte e transforma-a numa unidade estática ilustrativa de uma dada realidade, em vez de a moldar e imaginar como um instrumento activo que questiona as suas próprias possibilidades e a actuação da arte (contemporânea) em geral.

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Diogo Evangelista. Utopia/ Distopia. Vista da exposição. MAAT. Foto: Bruno Lopes. Cortesia MAAT.

 

Markéta Stará Condeixa

Curadora e crítica de arte, Markéta Stará Condeixa (1985) vive e trabalha entre Praga, na República Checa e Lisboa. É fundadora e curadora do projecto SYNTAX - um espaço independente sem fins lucrativos, em Lisboa, dedicado à apresentação e produção de práticas artísticas contemporâneas. Contribuiu com os seus textos para inúmeras publicaçções, como a Manifesta journal, Afterall ou SZUM magazine. Colabora regularmente com a Artforum, Flash Art CZ/SK e A2magazine.

Tradução do inglês por Gonçalo Gama Pinto

MAAT - Muse de Arte, Arquitectura e Tecnologia

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Utopia/ Distopia. Vista da exposição. MAAT. Foto: Bruno Lopes. Cortesia MAAT.

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Utopia/ Distopia. Vista da exposição. MAAT. Foto: Bruno Lopes. Cortesia MAAT.

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Utopia/ Distopia. Vista da exposição. MAAT. Foto: Bruno Lopes. Cortesia MAAT.

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