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Esther Gatón: Eu tinha poucos anos e já era rigorosamente anciã

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Carolina Pelletier Fontes

 

 

Ver(ão) aquilo que ainda não foi visto.

 

A primeira exposição, nas novas instalações do espaço Verão, em Lisboa, apresenta três obras da artista espanhola Esther Gatón. Tendo inaugurado em Dezembro estende-se até ao próximo dia 5 de Fevereiro de 2022. Sem seguir nenhuma linha curatorial — uma das características deste espaço nonprofit — as três peças produzidas para a exposição Eu tinha poucos anos e já era rigorosamente anciã são de carácter site-specific. Nesta conversa com Antonia Gaeta damos a conhecer o propósito desta iniciativa.

O espaço Verão tem apresentado ao público artistas conceituados, emergentes, nacionais e internacionais como Dayana Lucas, Joana da Conceição, Miroslav Tichy, Gabriel Barbi, Francisca Carvalho, Lucas Paulino, Miguel Carneiro, Gwendolyn van der Velden, Amélie Bouvier e Renzo Marasca. Este projecto nasce em 2019, inicialmente com instalações na Rua da Bombarda, mudando-se recentemente para um novo espaço na Rua Ferreira Chaves em Campolide. Verão remete-nos não só para uma das estações do ano, como também para o futuro do verbo ver. O trocadilho linguístico transporta-nos para um lugar onde as intervenções in situ são sempre diferentes — excepto o chão verde que o caracteriza de forma permanente.

A programação do Verão é o reflexo de uma necessidade que a curadora Antonia Gaeta prossegue de dar aos artistas liberdade total de experimentação, desprovida das restrições típicas dos espaços institucionais. Muitos dos artistas que Antonia irá apresentar nunca mostraram o seu trabalho em Portugal, outros mantêm-se no activo mas têm pouca visibilidade. Um dos objectivos é que a programação temporária possa estar sempre aberta a um universo abrangente de propostas, sejam estas espontâneas ou por convite da própria curadora.

Antonia defende que os curadores e os próprios artistas muitas vezes não se permitem ser espontâneos na sua forma de trabalhar. Sente que a experimentação está condicionada por estruturas e orçamentos tão restritivos, que questiona: “o que há de contemporâneo nisso?”. Ao contrário de uma programação altamente estruturada e antecipada, que se observa de uma forma quase sistemática nos contextos institucionais, o Verão existe para ser vivido no momento presente.

Há muito tempo que Antonia Gaeta ambicionava programar um espaço onde a questão da autonomia permitisse liberdade para as suas propostas curatoriais. Sem financiamento privado, este é um projecto assumidamente pessoal. Antonia estabelece muitas vezes uma relação extra profissional com os artistas, uma vez que os convida a ficarem em sua casa durante a sua estadia em Lisboa, enquanto acompanha de perto o processo de produção e implementação das exposições.

Em 2021 contou com o apoio do programa Garantir Cultura: Fundo de Fomento Cultural, e recentemente ganhou um concurso público e obteve financiamento da DGArtes. Acredita que esta ajuda vai permitir o crescimento do projecto e uma produção de exposições mais generosa em termos de custos. No entanto, confessa que nunca chega, e que terá de continuar sempre com um investimento pessoal — “quanto mais dinheiro se tem, mais se investe na produção, e mais se investe nas possibilidades de experimentação dos artistas, e o que me interessa é que os artistas fiquem contentes”.

Ainda relativamente aos apoios financeiros, e quando perguntamos se há algum mecenas a apoiar o espaço, Antonia explica que já houve interesse por parte de coleccionadores em apoiar o projecto e que a sua resposta foi sempre um “não” firme. A sua determinação dá-se ao facto de não querer que o Verão tenha finalidades lucrativas ou valorização dos artistas no mercado de arte. Reforça ainda que “estado é estado, privado é privado”, e defende sempre em última instância o carácter nonprofit do seu projecto e a sua principal motivação: a liberdade de experimentação dos artistas.

A exposição agora patente é de Esther Gatón, que atualmente vive em Londres, e expõe pela primeira vez em Portugal. Conheceram-se em 2019, quando estavam as duas a trabalhar em projectos diferentes no centro social e cultural La Casa Encendida, em Madrid. Com um ou outro adiamento pelo caminho, por motivos relacionados com a pandemia, as três peças que Gatón realizou para este espaço foram concebidas num formato colaborativo, entre a artista e a curadora. Para visitar até ao final desta semana, esta exposição veio dar forma à filosofia deste espaço.

A linguagem visual desenvolvida por Gatón tem vindo a ganhar forma através de escultura, imagem e texto. As duas áreas principais do espaço apresentam duas obras site-specific suspensas compostas por um conjunto de matérias biodegradáveis. Mediante restos de matcha, spirulina, paprika e algas (entre outros), forma-se um corpo sobre tecido de seda, colado com gelatina e fixado com uma pistola de ar quente sobre uma estrutura de paus de salgueiro (vime) e canas. Numa parede mais isolada, junto de uma janela que vai desde o chão até ao tecto, vemos o nosso reflexo num espelho redondo ao nível do olhar com a frase inscrita “son las cejas de Frida y tu”.

O Verão está aberto ao público todas as sextas-feiras entre as 15h e as 19h, e é a própria Antonia que nos recebe descontraidamente no espaço.  Há ainda uma outra característica que diferencia o Verão de muitos outros sítios: o facto de não existir folha de sala ou conteúdo escrito sobre o que vamos ver. Na sua opinião, reconhece que os textos de curadoria hoje em dia se tornaram tão encriptados, que deixaram de puxar pela fantasia e pela imaginação de quem os lê, o que na sua opinião é essencial. Acredita que o facto de não haver um texto explicativo é determinante para proporcionar uma relação mais próxima do público com as exposições, para que a experiência seja “fruição, pura e dura”. Estar presente possibilita a comunicação, o que muitas vezes antecede uma boa conversa.

Quanto à receptividade do público, Antonia menciona que há um colectivo fiel que está sempre presente nas inaugurações, e conta com várias visitas durante o horário de abertura. Aquilo que mais gostou de ouvir alguém comentar sobre o seu espaço foi relativamente ao factor surpresa que este proporciona. Em geral, o público gosta de ser surpreendido, de não saber o que vai ver, poder conhecer o trabalho de artistas dos quais nunca ouviu falar, e relacionar-se com formatos expositivos que podem variar entre vídeo, pintura, escultura, fotografia e instalação.

O Verão tem também duas colaborações permanentes que gravitam à sua volta, sendo uma delas com a fotógrafa residente — Joana Hintze — que acompanha este projecto desde o início. Antonia considera que o papel de um fotógrafo profissional de exposições num espaço, seja qual for a sua dimensão, é absolutamente crucial tanto para os artistas como para o sector cultural em geral, por agir como contributo imprescindível para a documentação de projectos. Conta ainda com a produção de uma edição limitada de serigrafias por cada exposição feitas pelo estúdio Lavandaria  (que se encontram expostas na vitrine do atelier de arquitectura no andar de cima). A divulgação é feita pela própria, sendo o Instagram a sua ferramenta de comunicação principal, e o logotipo do Verão foi feito pela primeira artista que aqui expôs, a Dayana Lucas.


Antonia Gaeta trabalha há dezanove anos como curadora e colabora com a Coleção Treger/Saint Silvestre no Centro de Arte Oliva, em São João da Madeira. Neste momento está no segundo (e último) ano de formação em Marcenaria na FRESS (Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva), onde chegou pela sua dificuldade em contentar-se com o mobiliário expositivo que existe para exposições. Quando perguntamos como poderá estar o Verão daqui a cinco anos, Antonia responde que tal como ela, este é um projecto em constante evolução. Acrescenta ainda que “o Verão sou eu no futuro”, e que por agora está muito contente com o espaço tal e qual como ele está.

Esther Gatón

Verão

 

Carolina Pelletier Fontes (Lisboa, 1995). Concluiu, em 2016, a Licenciatura em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, na qual se especializou em práticas de conservação e restauro, o que mais tarde lhe permitiu estagiar no Museu Nacional de Arqueologia. Em 2019 realizou a Pós-Graduação em Estudos de Arte Contemporânea e Curadoria na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e em 2020 concluiu o Mestrado em Curating and Collections na Chelsea College of Arts, em Londres. Vive e trabalha em Lisboa.

 

 

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Esther Gatón: Eu tinha poucos anos e já era rigorosamente anciã. Vistas da exposição no espaço Verão. Fotos: Joana Hintze. Cortesia de Verão.

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