2 / 6

Maria Trabulo

Cover_new date_1.png
Leonie Davidson, Mattia Tosti, Sofia Steinvorth e Marta Alves

Soará a silêncio, o som de uma revolução no interior de um bunker? (2018)

1.jpg

2.jpg

Na era na qual vivemos, a nossa esfera pessoal perpassa para o domínio da World Wide Web, onde a mente humana e o digital co-habitam e se desenvolvem em constante sinergia. Esta união despoleta múltiplas questões relacionadas com o isolamento, com o âmbito político e com os resultados materiais das acções (imateriais) do digital.  

Quase tudo o que existe no mundo real parece ter uma réplica na dimensão digital – uma espécie de avatar na web que cria uma dinâmica cíclica entre os dois mundos. Tomando este texto como exemplo: foi escrito à mão, reescrito num computador e convertido num código binário que permite a sua entrada nas superfícies digitais. Mas o que é o que acontece quando uma determinada mensagem entra neste domínio de existência?

3.jpg

4.jpg

Tal como as palavras que aqui escrevemos, também as questões políticas abordadas na internet são produtos, em primeira instância, do mundo real. A sua passagem para a internet visa a amplificação do alcance da mensagem mas, neste processo, deparam-se com resultados imprevisíveis que essa entrada no âmbito digital pressupõe.

Para que um protesto político mereça a sua denominação precisa, inevitavelmente, de apoiantes ativos e quanto maior o seu número mais efectivo será. É precisamente neste ponto que se inicia a complexa complementaridade entre o real e o digital. Será que poderemos considerar-nos apoiantes sendo (meros) seguidores online? Será que a Web é o local apropriado para debates políticos, ou estará a banalizar ainda mais a situação política na qual vivemos? Estaremos a aumentar o alcance das nossas ideias ou será que as mesmas permanecem presas na presença física das nossas vozes?

Maria Trabulo (1989, Portugal) explora a complexa relação entre os domínios do real e do digital - a constante passagem de uma forma de existência para a outra – e o modo como este fenómeno se aplica a protestos políticos no mundo actual. A série de imagens que aqui se apresenta, nesta edição especial da revista Contemporânea, pode ser entendida como uma metáfora para esta passagem cíclica.

5.jpg

6.jpg

7.jpg

A artista traduz visualmente este processo ao misturar fotografias da sua mais recente performance no Teatro Rivoli, no Porto, com memes, screenshots de câmaras web, imagens de arquivo e ilustrações de cartazes que pendurou nas ruas do Porto antes de os digitalizar com um scanner manual e que agora partilha no contexto desta plataforma digital. Esta dinâmica entre os mundos real e digital e as múltiplas consequências que implicam nas transferências de objetos de um domínio para o outro é um trabalho continuado, sendo este conjunto de imagens um eco da sua performance e instalação com o mesmo título / questão – Soará a silêncio o som de uma revolução dentro de um bunker? - no Teatro Rivoli, no Porto, em Janeiro deste ano.

Na performance e instalação no Teatro Rivoli, um enorme bloco de cimento representava simbolicamente um bunker, que exigia que o público se aproximasse para poder ouvir os vários discursos que eram transmitidos a partir do interior da grande parede de cimento. Aqui, cada uma destas narrativas surge independente das restantes, cada um dos discursos permanece em exclusividade no seu próprio universo. A forma como nos envolvemos e reagimos no mundo digital remete à criação do nosso próprio bunker de paredes transparentes.

8.jpg

 

As paredes do bunker podem representar uma metáfora para a superfície da web, uma superfície na qual podemos fazer-nos ouvir através de ações (imateriais) tais como “publicar”, “gostar” e “partilhar”. Ao criar e partilhar conteúdo através de memes, gifs ou outros tipos e formatos de imagens, as nossas vozes são transmitidas através das paredes transparentes do bunker para que outros as possam ouvir.

9.jpg

10.jpg

No entanto, estas nossas vozes estão a ser trabalhadas em canais restritos por algoritmos cuidadosamente criados para este efeito, uma espécie de Deus ex machina que alimentamos diariamente com as preferências que projetamos online através das superfícies do nosso próprio bunker. Parece então que nos encontramos num estado cíclico de repetição uma vez que, expostos a infinitos ecos das nossas preferências pessoais que tendem a voltar ao nosso bunker. Neste processo, estamos também, inevitavelmente, isolados nos nossos próprios sistemas de crenças e ideologias. Poderíamos então dizer que as paredes deste nosso bunker tornam-se superfícies interactivas e de projeção de uma voz única, desenhada por customização personalizada. Resta saber se, neste processo, as nossas vozes, estão, de facto, a ser ouvidas e, se for esse o caso, quais as suas implicações. A forma como esta informação digital é filtrada e armazenada coloca ainda questões no que respeita a possíveis estruturas modernas de controlo e vigilância destas plataformas da web, com base na nossa atividade on-line.

Enquanto que a desconexão total do mundo inerente à vida num bunker real pode vir a resultar numa perda de noção do tempo, como as experiências do cientista francês Michel Siffre demonstraram em 1962, o bunker metafórico e imaterial parece possuir as ferramentas necessárias para que as vozes individuais ganhem uma projecção global. Inserido no contexto da Corrida Espacial da Guerra Fria e do pós Segunda Guerra Mundial, Siffre confrontou-se com sensações de desorientação e de perda de noção do tempo, um entendimento essencial para nos enquadrarmos no contexto no qual que vivemos e para nos posicionarmos numa unidade histórica e social, ou, por outras palavras, numa determinada memória coletiva.

11.jpg

12.jpg

Como é que pode então ser possível criar um envolvimento informado e consciente dentro dos códigos cerrados da informação online? Será que a nossa voz é suficientemente forte para  superar esses obstáculos? Enquanto estamos conectados digitalmente, estamos também isolados - de forma física e emocional - dentro de uma caverna metafórica, de um bunker. Parece que comunicamos bastante mas é como se falássemos em vão, para uma parede. Promovemos ações; no entanto, parece que estas se encontram com essa parede.

13.jpg

14.jpg

 

15.jpg

Esta complexa relação entre estes dois domínios pode, contudo, ser também encarada como uma possível saída deste bunker no qual que vivemos. Embora seja possível que a génese do nosso isolamento se tenha iniciado na esfera digital, também foi aí que surgiram os primeiros sinais de alerta para esta condição. Graças à prática de alguns activistas da web, hackers ou indivíduos que denunciaram o que se passa na esfera digital, podemos reconhecer como é que estes mecanismos de isolamento funcionam, como é que os mesmos têm vindo a afectar a forma como comunicamos e nos comportamos, como é que funcionam os mecanismos de censura online, e como é que os nossos dados pessoais são cada vez mais um instrumento de poder das grandes empresas privadas, para além do controlo do Estado que determina os nossos percursos políticos.

Talvez seja tão ingénuo quanto irresponsável assumirmos que o nosso isolamento é algo que não percebemos ou que nos foi imposto e é inalterável.  Talvez o que esteja a separar-nos uns dos outros não seja uma espessa camada de cimento, mas sim uma fina camada de vidro transparente, tão frágil como as que protegem os nossos smartphones, a partir da qual podemos ver claramente o reflexo de nós próprios dentro do ambiente que nos rodeia.

Leonie Davidson, Mattia Tosti, Sofia Steinvorth, Marta Alves

 

Imagens

Maria Trabulo (1989, Portugal)

Soará a silêncio, o som de uma revolução dentro de um Bunker?, 2018

Poster de colagens digitalizadas à mão

Cortesia de Maria Trabulo

 

CREDITS AND ACKNOWLEGDMENTS
Soará a silêncio, o som de uma revolução no interior de um bunker?

Does the sound of a revolu on inside a bunker sound like total silence?

Instalação sonora e performance, Rivoli - Teatro Municipal Porto, 20 de Janeiro 2018

Sound installa on and performance piece, 20th January 2018, Rivoli Rivoli - Teatro Municipal Oporto

Performers: Ana Mula, Clara Forte, Gil Monteverde, Helena Ferreira, Joana Amorim, Joana Falcão, Olinda Favas, Thais Guimarães, Xavier Paes.

Peça Sonora / Sound Piece

Vozes de / Voices by
Ana Mula, Clara Forte, Gil Monteverde, Helena Ferreira, Joana Amorim, Joana Falcão, Maria Trabulo, Olinda Favas, Xavier Paes.

Texto escrito e editado por Maria Trabulo, contendo citações, trechos de discursos, obras, textos, poemas, músicas, publicações digitais, tweets e memes de: Text wri en and edited by Maria Trabulo, containing quotes, excerpts of speeches, books, texts, poems, lyrics, digital posts, tweets, and memes by:

Adam Cur s, Ala Younis, Alberto Pimenta, Álvaro de Campos, Anna Feigenbaum, autores desconhecidos/ unknown authors, Arthur Jafa, Athens School of Economics and Business Students, Bassem Youssef, Benedict Spinoza, Boris Groys, Bran- don LaBelle, Dieter Daniels, Dominik Landwehr, Edgar Dachs, Edward Snowden, Erling Kagge, Fernando Pessoa, Francis Alÿs, George Steiner, Gill Sco -Heron, Hugo Chávez, Ingo Niermann, Isabell Lorey, Jacques Rancière, Jose Rosales, Julian Assange, La Boé e, Laura Poitras, Linda Herrera, Louis Antoine de Saint-Just, Maria Lind, Metahaven, Michel Si re, Mick Hume, Natália Correia, O Comité Invisível, Oleg Fonaryov, Omar Kholeif, Paolo Virno, Pascal Gielen, Silvio Rodríguez, So a Hernández Chong Cuy, Sophia Al Maria, The Mo- sireen Collec ve, Thundercat, Trevor Paglen, Tupac Katari, Wael Ghonim, What How & for Whom.

Inclui sons de / Includes sounds of:

Field recording da praça de Euromaidan, Kiev, a par r do website ukrstream.tv, Fevereiro 2018 © Maria Trabulo

Field recording of Euromaidan square, Kiev, from the website ukstream.tv, February 2018 © Maria Trabulo

Live stream de protestos na praça Taksim, Istambul, 2013 © newwatchtv

Live Stream of protests at Taksim square, Instambul, 2013 © newwatchtv

Gravação digital transferida para mini cassete / Digital recording transferred to mini-cassette

Edição / Editing: Maria Trabulo

Captação sonora / Sound Capture: Maria Trabulo, Tiago Pinto (Rivoli)

© Maria Trabulo 2018

Maria Trabulo

Does the sound of a revolution inside a bunker sound like total silence? (2018)

1.jpg

2.jpg

We are living in a time when our sense of personhood is extended into the online sphere of the World Wide Web, a space where the mind and the digital are in synergy. The implications of such a union are manifold covering concepts of isolation, the facilitation of political needs, and material results from digital actions.

Almost everything that exists in the real world seems to have a replica in the digital realm – a sort of a digital avatar –  creating a cyclical dynamic between the two. This sentence was first written by hand, then on computer, before being translated into binary code to enter the digital surfaces. What happens when a message enters this domain of existence?

3.jpg

4.jpg

As this text, a political issue is a product of the real world which, in order to increase the reach of its message, must come to compromises with the sometimes unpredictable outcomes that entering the digital world presupposes. Inevitably, for a political protest to deserve this word, it needs active supporters, the more the better. Here starts an intricate complementarity between real political issues that need digital means of expansion. Can we equate being a party supporter and being an online follower? Is the Web an appropriate place for political debates or is it trivialising even more the current state of politics? Is the reach of our ideas enhanced or does it remain struck in our throats?

Maria Trabulo (1989, Portugal) explores the intricate relations between these two realms, this endless entering and exiting from one domain of existence to another, and how it applies to political protests. The series of images produced for Revista Contemporânea is a metaphor for the cyclical movement described above. Trabulo exemplifies this process by combining photos from her most recent performance with memes, screenshots from web cameras, archival images, and illustrations all within posters she hung in the streets of Porto before rescanning them with a hand-scanner and sharing them within the context of an online platform.

5.jpg

6.jpg

7.jpg

The dynamics between the digital and material worlds have recently been covered within Maria Trabulo’s latest performance with the same title "Does the sound of a revolution coming from the inside of a bunker sound like total silence?" at Teatro Rivoli Porto, last January. Her current visual essay for Revista Contemporânea can be seen as a continuation of the Teatro Rivoli Porto project by posing questions of the digital/ material spheres and the implications of passing from one state to the other. The bunkers within her performance "Does the sound of a revolution coming from the inside of a bunker sound like total silence?" are symbolised through the concrete wall against which spectators are invited to press their ears up against in order to hear various voices being broadcasted within the concrete. Each of these narratives are independent, never once acknowledging one another as they correspond to their own isolated channel. The way in which we engage and react within the digital world feeds back into the personal creation of a transparent bunker.

8.jpg

The bunker wall becomes a metaphor for the internet surface upon which we are able to perform our voices through (immaterial) actions such as “posting”, “liking”, “sharing”. Our voices are transmitted through the bunker wall for others to hear by creating and sharing internet content. How-

9.jpg

10.jpg

ever, our voices are passing through restricted channels due to carefully crafted algorithms, a Deus ex machina we are spoon-feeding every day with our online preferences which we reflect onto our bunker wall surface. This suggests that we are constantly in a state of cyclical repetition with infinite echoes of our own preferences being fed back to us which to a certain degree isolates us within our own systems of beliefs and ideologies. Our bunker walls therefore become a surface of interaction and projection of one’s voice tailored by preferential customisation, raising the question of whether our voices are being heard and what it means when they are. Questions of modern structures of surveillance are especially prevalent here in regard to the filtering action and data caching of the online platforms based on our online activity.

Whilst being disconnected within a bunker may result in a distraction from the realisation of time, as seen with the experiments carried out by the French scientist Michel Siffre in 1962, the metaphorical bunker also has the tools for one’s voice to be heard and circulated on a global scale. Within the context of the Space Race, the Cold War and post WW II, Siffre experiences the feeling of being disoriented and lost in time whilst simultaneously highlighting the importance of our relation to time as an orientation that allows us to frame the context we live in; the ability to place ourselves within an embedded historical and contextualised social body, a collective memory.  

11.jpg

12.jpg

How then is it possible to create an informed engagement within the confines of bespoke online information and how strong is the voice in overcoming such hindrances? While being digitally connected, we are physically and emotionally isolated within a metaphoric cave, in a bunker. Talking a lot, but talking to the wall. Promoting actions, but running up against a wall. This is a question Maria Trabulo is exploring as she passes her voice as an artist and researcher from the material world into the digital before transforming it back into the material.

13.jpg

14.jpg

 

15.jpg

This complex relationship can be found also as a possible way out of the bunker. While on the one hand it is true that the genesis of our isolation started in the digital realm, on the other the first warning signs of this isolation arose in the same domain. With the help of web-activists, what some might call hackers or whistle-blowers, we were shown how this mechanism of isolation works, how they are effecting the way we communicate and behave, how web censorship functions, how our personal data are giving tremendous powers to private corporations beyond state control and how they undermine our political processes.

Considering this, perhaps it would be naive and irresponsible to consider our isolation as something we are not aware of, imposed from above and more importantly as unalterable. What might be separating us is perhaps not a cold thick layer of concrete but a transparent layer of glass, as slim and fragile as the ones we have in our smartphones, through which we can clearly see what is surrounding us and our reflection.

Leonie Davidson, Mattia Tosti, Sofia Steinvorth, Marta Alves

 

Images

Maria Trabulo (1989, Portugal)

Does the sound of a revolution coming from the inside of a bunker sound like total silence?, 2018

Hand scanned poster collage

Courtesy of Maria Trabulo

 

CREDITS AND ACKNOWLEGDMENTS
Soará a silêncio, o som de uma revolução no interior de um bunker?

Does the sound of a revolu on inside a bunker sound like total silence?

Instalação sonora e performance, Rivoli - Teatro Municipal Porto, 20 de Janeiro 2018

Sound installa on and performance piece, 20th January 2018, Rivoli Rivoli - Teatro Municipal Oporto

Performers: Ana Mula, Clara Forte, Gil Monteverde, Helena Ferreira, Joana Amorim, Joana Falcão, Olinda Favas, Thais Guimarães, Xavier Paes.

Peça Sonora / Sound Piece

Vozes de / Voices byAna Mula, Clara Forte, Gil Monteverde, Helena Ferreira, Joana Amorim, Joana Falcão, Maria Trabulo, Olinda Favas, Xavier Paes.

Texto escrito e editado por Maria Trabulo, contendo citações, trechos de discursos, obras, textos, poemas, músicas, publicações digitais, tweets e memes de: Text wri en and edited by Maria Trabulo, containing quotes, excerpts of speeches, books, texts, poems, lyrics, digital posts, tweets, and memes by:

Adam Cur s, Ala Younis, Alberto Pimenta, Álvaro de Campos, Anna Feigenbaum, autores desconhecidos/ unknown authors, Arthur Jafa, Athens School of Economics and Business Students, Bassem Youssef, Benedict Spinoza, Boris Groys, Bran- don LaBelle, Dieter Daniels, Dominik Landwehr, Edgar Dachs, Edward Snowden, Erling Kagge, Fernando Pessoa, Francis Alÿs, George Steiner, Gill Sco -Heron, Hugo Chávez, Ingo Niermann, Isabell Lorey, Jacques Rancière, Jose Rosales, Julian Assange, La Boé e, Laura Poitras, Linda Herrera, Louis Antoine de Saint-Just, Maria Lind, Metahaven, Michel Si re, Mick Hume, Natália Correia, O Comité Invisível, Oleg Fonaryov, Omar Kholeif, Paolo Virno, Pascal Gielen, Silvio Rodríguez, So a Hernández Chong Cuy, Sophia Al Maria, The Mo- sireen Collec ve, Thundercat, Trevor Paglen, Tupac Katari, Wael Ghonim, What How & for Whom.

Inclui sons de / Includes sounds of:

Field recording da praça de Euromaidan, Kiev, a par r do website ukrstream.tv, Fevereiro 2018 © Maria Trabulo

Field recording of Euromaidan square, Kiev, from the website ukstream.tv, February 2018 © Maria Trabulo

Live stream de protestos na praça Taksim, Istambul, 2013 © newwatchtv

Live Stream of protests at Taksim square, Instambul, 2013 © newwatchtv

Gravação digital transferida para mini cassete / Digital recording transferred to mini-cassette

Edição / Editing: Maria Trabulo

Captação sonora / Sound Capture: Maria Trabulo, Tiago Pinto (Rivoli)

© Maria Trabulo 2018

 

Voltar ao topo