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Jaime Welsh: For Laura

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Cristina Sanchez-Kozyreva

 

Fotografia para a alma contemporânea

 

Da autoria de Jaime Welsh e reunidas sob o título For Laura, as três fotografias de grandes dimensões apresentadas na Madragoa agarram-se a uma cinematografia estática típica de um drama psicológico. Caracterizada por arquiteturas de meados do século passado e por interiores glossy — diz o próprio Welsh que fotografa com frequência o interior de edifícios institucionais e museus —, a encenação realizada pelo artista acompanha o percurso de um jovem solitário por um edifício vazio, imaculado e de design vincado. Nas seletas fotografias desta exposição, originalmente apresentadas por Welsh no contexto da sua exposição de final de curso na Goldsmiths, aparece sem falta, em segundo plano, um protagonista austero que nunca olha a câmara diretamente, com o vidro a desempenhar um certo papel de mediação. Por vezes, a sua presença é dupla — ou porque a figura se reflete na superfície do vidro, ou porque é acrescentada à imagem em pós-produção através de técnicas de manipulação digital. Simbolicamente, uma imagem refletida poderia constituir uma alusão a uma série de referências, incluindo a exploração psicológica do nosso mundo interior enquanto reflexão da psique, mas também os despontar do nosso lado sombrio, a expressão de uma polaridade profunda ou o mito de Narciso. Também poderia perfeitamente sugerir uma instância de solidão e alienação — nestas fotografias, o personagem existe em isolamento absoluto. Por exemplo, em For Laura (velvet) (todas as peças foram realizadas em 2021), Kevin Brennan — amigo e modelo do artista cuja mãe, Laura, é o objeto da dedicação no título expositivo — aparece duas vezes, como se tivesse sido clonado. A iluminação recai sobre a figura, que parece estar a trabalhar, com os microfones preparados, em duas cabines de tradução simultânea. Estas encontram-se instaladas por detrás de janelas de vidro, na lateral de uma sala de conferências obscurecida, com filas e filas de luxuosas cadeiras vazias. Poderíamos imaginar que alguma conferência ali estivesse de facto a decorrer, mas, ao redor da dupla presença do personagem, no conflito direto entre a iluminação do espaço em que se encontra e a escuridão do primeiro plano, o vazio não tem outro efeito senão o de acentuar a desolação da cena.

Em For Laura (double), o jovem fita amarguradamente o interior de uma das cabinas de locução a partir da sala de conferências vazia. A sua imagem espelhada é refletida pelas divisórias de vidro. Será o personagem um empregado, um proprietário? Existindo pelo edifício, a sua postura vai-se aparentando à de um contínuo desenganado, mas a indumentária lança algumas dúvidas. Vemo-lo a ocupar as cabines, mas por que razão haveria de estar a traduzir sozinho? Ele espera, pondera, fica tudo no ar — esse parece ser exatamente o propósito. As imagens de Welsh tornam-se armas estéticas por via da elegância dos interiores. A composição e o enquadramento sofisticados, filtrados pela luz e pelas sombras polidas, valem-se do privilégio da localização para construir um sedutor melodrama que nos agarra o olhar. Contudo, assim que lá chegamos, é o público que fica entregue a si mesmo na definição das mensagens. Não obstante a adjacência do estilo fotográfico à atraente modernidade da fotografia de moda, design e arquitetura, as narrativas fragmentadas fazem uso de um conjunto de estratégias de manipulação a que um certo tipo de diretores de fotografia recorre. De facto, no texto expositivo, o artista afirma que sempre o fascinou uma configuração cénica como a que filmam realizadores como Pier Paolo Pasolini ou Michael Haneke — cenas minimalistas, refinadas, com uma vincada carga psicológica; e, com efeito, Welsh joga abertamente com os códigos do cinema para criar estas peculiares atmosferas sorumbáticas, anexadas a um sentido de mistério burguês.

Mas também cativam Welsh as possibilidades da fotografia enquanto medium: uma fotografia sedutora cheia de salas — "à semelhança do interior de qualquer lente", como escreve, referindo-se aos vidros e compartimentos que compõem uma câmara — que seduzem os espectadores, como um enigma com fissuras sombrias na psique do sujeito. Welsh edita e constrói as suas imagens com uma atenção apurada ao detalhe, começando na utilização clássica da luz e dos filtros e no estilo indumentário retro-atual do personagem e terminando nas composições quase ao jeito catalográfico dos espaços semipúblicos e arquitetonicamente autoritários das suas encenações. Poderíamos imaginar inúmeras narrativas neste ambiente assético, embora de luxo; no entanto, o enredo escapa-se-nos, como se se eclipsasse sobre as superfícies polidas, com o intuito de não nos oferecer senão uma mão-cheia de pistas deliberadamente superficiais.

Em For Laura (slice), vemos Brennan sentado num sofá de couro minimalista instalado na intersecção de dois corredores no piso térreo de um edifício (Fundação Calouste Gulbenkian), limitado de um dos lados por janelas que vão do rodapé ao teto. A vista revela uma folhagem viçosa naquilo que poderia ser um pátio interior. O personagem tem um ar absorto — o que tanto poderá decorrer da contemplação do cenário, à semelhança dos românticos que olham a natureza, embora com alguma ansiedade, como poderá indicar alguma agitação psicológica. O seu olhar trespassante reveste-se do alheamento dos performers da endurance art de Anne Imhof, num misto de angústia, atitude e provocação que enforma uma estratégia de coping, uma ferramenta de sobrevivência para a juventude contemporânea, cujo entusiasmo perante as perspetivas futuras do nosso mundo moderno é pouco mais do que nulo. A postura também parece sugerir algum género de expetativa, ainda que mais próxima de um estado de inércia do que de alguma excitação. E talvez seja esta a representação de um certo estado de espírito generalizado dos dias de hoje: um estado de espírito que olha para o estado do mundo como uma batalha para encontrar equilíbrio e esperança, uma batalha na qual o otimismo é suficientemente esquivo para se substituir pelo controlo das aparências, por uma compostura solene e por emoções latentes.

 

Jaime Welsh

Galeria Madragoa 

 

Cristina Sanchez-Kozyreva é uma autora com experiência em relações internacionais e estratégia. Viveu na Ásia durante 15 anos. Actualmente trabalha e vive entre Lisboa e Hong Kong. É co-fundadora e editora-chefe da revista de arte Pipeline, com sede em Hong Kong (impressão 2011-2016). Contribuiu, regularmente, para várias publicações na Ásia, Europa e EUA, como Artforum, Frieze e Hyperallergic. É editora chefe da revista digital Curtain Magazine.

 

Tradução do EN por Diogo Montenegro.

 

 

Jaime Welsh: For Laura. Vistas da exposição na Galeria Madragoa, Lisboa, 2021. Cortesia do artista e Galeria Madragoa

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