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Clara Imbert: Circular Visions

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Cristina Sanchez-Kozyreva

 

Uma coleção de astro-esculturas

 

Patente na Galeria Foco, no Intendente, a exposição Circular Visions, de Clara Imbert, ocupa os dois andares do espaço com um número considerável de esculturas e objetos integralmente alicerçados no motivo do círculo. O círculo é o símbolo geométrico supremo, sem início nem fim, capaz de representar tanto a unidade como o infinito. As formas que se lhe associam — esferas, semicírculos, arcos — são igualmente ubíquas e simultaneamente misteriosas e habituais, manifestando-se na ciência, no design, na mecânica, na arte e nos objetos quotidianos. Nesta exposição, Imbert joga com as suas representações a partir da fotografia, de esculturas, de impressões, da projeção de vídeo e da instalação, mantendo na sua génese um amor desembaraçado pela ciência e pelo espanto.

Dividida em duas cronologias distintas — que decorrem da rotação de uma terra em torno do seu eixo —, entre o andar de cima (o dia) e o de baixo (a noite) da galeria, as peças fazem transparecer dois estados de espírito aparentemente opostos. No andar de baixo, um conjunto de gravuras e esculturas ecoam os loops e as formas arredondadas umas das outras. Pendurada pelo teto, encontra-se Axis (todas as peças são de 2021), uma escultura de aço composta por anéis interlaçados cuja circularidade enforma uma esfera orbital de grandes dimensões. Por perto, vemos Totem, uma escultura de chão em aço, igualmente, na qual uma variedade de círculos achatados e discos se acumulam uns sobre os outros, como se de um totem se tratasse. Solis III e III, por outro lado, são três esculturas verticais; cada um dos três pedestais, levemente cónicos, em calcário, ostenta um fragmento simultaneamente oco e espesso de um cilindro de aço, em corte regular, deitado na horizontal. Os buracos de cada cilindro não estão centrados, o que cria uma virtualidade de formas em crescente a partir do aço. Como tal, a lua, a passagem do tempo e a ideia de órbita surgem ao pensamento.

Esta ideia é reforçada em Shadow Object 1239, uma fotografia na qual um disco metálico com um ponteiro de relógio tradicional é intensamente iluminado pelo sol que o encima, projetando uma sombra definida sobre um fundo de uma tonalidade terracota. Eclipse é uma impressão sobre papel em que um disco negro com manchas de um amarelo-pálido a acompanhar a circunferência — aquilo que se veria num eclipse solar total — se sobrepõe a um fundo branco, assim sugerindo um espaço no qual o dia e a noite se tornam adjacentes, em aproximações e toques continuados, como se numa dança infinita.

Num convite à investigação ou à exploração do lado oculto das coisas, a cave da galeria agarra o testemunho de Imbert e dá continuidade às interpretações noturnas do círculo e dos seus movimentos orbitais.

Chegando ao fim das escadas, a entrada para o andar de baixo da galeria é bloqueada por uma pesada cortina que, ao impedir a passagem de luz natural, também suscita nos visitantes um sentido de curiosidade relativamente àquilo que poderão encontrar por detrás dos cortinados.

Neste espaço, de pé-direito baixo, abunda na escuridão uma sensação de mistério e secretismo. À entrada, Orrery dá as boas-vindas aos visitantes. Trata-se de um poste de aço que ramifica numa profusão de braços de variados comprimentos, em forma de L, com globos nas extremidades, apontando para o teto. A peça, no seu conjunto, aparenta ser um móbile de chão, ou uma escultura cinética; na verdade, até podemos rodar-lhe os braços, como se Orrery representasse um modelo em aço e pedra de um sistema solar desconhecido. Enquanto visualização mecânica e sumária, parece estar consideravelmente distante da nossa era moderna e das tecnologias de modelação 3D que lhe são próprias, ao jeito de um objeto retrofuturista que mais rapidamente seria produzido por algum discípulo de Da Vinci ou no laboratório de algum alquimista. Em linha com esta aura de experimentação alquímica, encontramos projetado na parede um vídeo de uma bola em chamas tremulantes que ascende sobre um fundo escurecido. O seu reflexo é capturado pela água escura e fria contida num recipiente retangular de grandes dimensões localizado debaixo da projeção. Por perto, Equation for an Ellipse, de grande elegância, é composta por uma estrutura de aço duplamente cónica que gera a forma de uma ampulheta geométrica. O cone de cima tem um disco cuja sombra se projeta no chão e praticamente cobre o círculo formado pela base do cone de baixo, ecoando o modo como certo corpo celeste pode eclipsar outro. Ao fundo do espaço, reservado como se numa capela de seu direito, tem-se Suspension, uma escultura piramidal cónica encimada por uma esfera. Como que por magia, contudo, a esfera é na verdade composta por duas metades, separadas ao meio pelo ar. A metade de cima parece flutuar sobre a armação como se a gravidade não lhe dissesse respeito (há um truque por detrás), assim encerrando a exposição com uma centelha de encantamento.

Embora a quantidade de trabalhos que Imbert arranjou forma de apresentar em Circular Visions suscite admiração pela cadência da sua produção, a galeria pode parecer um pouco sobrelotada. Ao invés de converter o espaço expositivo num lugar em que as incarnações esferoides possam alcançar a totalidade do seu potencial, transforma-o como que num museu de objetos de coleção e curiosidades. Dito isto, a coleção de esculturas mecânicas da artista, como se de brinquedos nobres e excecionalmente trabalhados se tratassem, carrega um sentido de reverência lúdica, reportando-se talvez a certas memórias de infância nas quais a descoberta do mundo através das ciências aplicadas e da observação da natureza tinha um sentido prático e divertido. Estas esculturas e imagens também remetem para uma época em que a alquimia e a química eram vistas como uma e a mesma prática — tal como a astrologia e a astronomia. Só quando se chega ao século XVII é que uma se torna pseudocientífica e a outra se transforma numa atividade científica séria e consistente. Assim, nesta indistinção entre perceção lúdica e perceção conscienciosa, na tensão subjacente entre os desígnios dos adultos e os sonhos de infância, acompanhada de uma execução elaborada, Circular Visions mostra-se um sonho lúcido intrigante. 

 

Clara Imbert

Galeria Foco

 

Cristina Sanchez-Kozyreva é uma autora com experiência em relações internacionais e estratégia. Viveu na Ásia durante 15 anos. Actualmente trabalha e vive entre Lisboa e Hong Kong. É co-fundadora e editora-chefe da revista de arte Pipeline, com sede em Hong Kong (impressão 2011-2016). Contribuiu, regularmente, para várias publicações na Ásia, Europa e EUA, como Artforum, Frieze e Hyperallergic. É editora chefe da revista digital Curtain Magazine.

 

Tradução do EN por Diogo Montenegro.

 

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Clara Imbert: Circular Visions. Vistas gerais da exposição na Galeria Foco. Cortesia da artista e Galeria Foco. Fotos: Photodocumenta.

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