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Fourteen Works

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Sérgio Fazenda Rodrigues

A exposição que Daniel Gustav Cramer apresenta na Galeria Vera Cortês reúne um conjunto de obras que se ligam pela forma como trabalham uma ideia de presença. A presença da natureza, que é difusa na maneira como o autor a aborda, e a presença do humano, que é clara na forma como este transforma o meio ou na maneira de o olhar, nomear e deter.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

A exposição pauta-se, assim, pela vontade de explorar essa relação, entre homem e natureza, problematizando a noção de paisagem e a noção de permanência. E, para tal, Daniel Gustav Cramer apoia-se em duas referências que se cruzam recorrentemente nos seus trabalhos: a de tempo e a de olhar.

O tempo corresponde aqui a uma ideia cronológica e processual ou à expressão que adquire a passagem dos vários instantes. Nesse sentido, o tempo que o artista invoca revê-se na memória e nos conceitos de arquivo e estratificação e percebe-se nas pequenas estantes de parede (Landscapes 2017) e nas mesas de ferro (Dust 2017) que povoam a sala. Mas este é também um tempo em mutação, que se descobre na leitura do presente – na atuação que alguns trabalhos reclamam (Rainbow 2017 e Empty Room 2017) e no sublinhar da expressão que a mudança tem ou na atenção que se presta à manipulação do que é transformado. É o caso do grupo de pedras que foram extraídas, cortadas, alisadas e deslocadas para dentro do espaço da galeria (Untitled-Estremoz I e II 2017) ou, novamente, o caso das pequenas mesas de ferro que acolhem um maço de folhas de papel, feitas com pó de pedra (Dust 2017).

O olhar, que tem implícito uma acção, remete-se à vontade de ver, ou ao desejo de enquadrar, registar e capturar aquilo que se quer selecionar. Presente nas grandes molduras de ferro (XIX 2015), na fotografia enigmática do Lago de Carezza (Eraly Morning at lago di Carezza 2017) ou, ainda, na imagem que ilustra um mapa dos oceanos (Untitled–Mare II 2017), esta é uma referência que se foca na intervenção que o Homem opera.

Na verdade, as referências em que o artista se apoia são indissociáveis e é no seu encadear, no tempo de olhar e no olhar para o tempo, que a totalidade das obras se revê. Mas o que torna verdadeiramente curioso todo este trabalho é o facto dele solicitar uma atenção que, deliberadamente, nos conduz a uma lógica de impermanência.

As imagens, os objectos e as situações com que nos deparamos levam-nos, de forma assumida, a uma indefinição da presença ou a um possível estado de ausência. É isso que vemos no calendário vazio (Calendar 2015), na dupla fotografia de um espaço desabitado (Tales-Sevilla, Spain, April-2016 2017), em todas as páginas em branco dos livros que começam pela descrição de uma paisagem - que rapidamente se apressa a desaparecer (Landscapes 2017) ou, ainda, no quarto vazio que se anuncia como parte da exposição, mas que se torna inacessível por estar fora da galeria (Empty Room 2017). É também isso que percebemos quando Daniel Gustav Cramer sobrepõe nove extractos de tinta numa das vigas existentes (Rainbow 2017) para terminar com uma última camada (branca) igual à cor inicial.

Ao cobrir consecutivamente a base a imagem apaga-se, mas o processo vislumbra-se, de maneira subtil, no que ficou nas esquinas e arestas do suporte. E de forma singular, pelo excesso e pela sobreposição, com o registo de uma acção que se repete no tempo, a imagem torna-se indefinida, estando simultaneamente presente, mas ausente.

A indefinição que o artista procura não surge apenas da (i)legibilidade da obra, ou da forma como ela se manifesta, vindo, também, daquilo que ela própria é. Nesse sentido, debater a relação entre o que é natural e o que é artificial não é algo novo, mas trabalhar sobre a hibridez e a indefinição, apoiando-se numa ideia de fluxo e impermanência, é aquilo que ganha, aqui, uma outra leitura.

Atente-se novamente na imagem que mostra um mapa do mar (Untitled–Mare II 2017) ou como, de forma rigorosa, se pode marcar um vazio. Repare-se, também, de modo menos ambicioso, nos pequenos cactos que caricaturaram uma versão domesticada e miniaturizada da natureza (Cactus 2016) ou, ainda, num registo talvez já um pouco forçado, no conjunto de cinco livros que relatam a aparência de objectos voadores não identificados (Project Blue Book 2017).

Dir-se-ia, então, que se há um pendor romântico para o qual o trabalho de Daniel Gustav Cramer aponta, este não surge do resgate de um paradigma passado, mas sim do reinterpretar poético de uma inconstância, que a noção de paisagem e permanência permitem oferecer. Assim, se há uma relação com algo maior do que aquilo que somos, seja uma ideia de natureza ou uma noção de transcendência, ela é sempre indissociável da possibilidade de acção que detemos. E é no encontro de ambos, sobre a vacuidade e a hesitação, de forma rigorosa e inteligente, que o autor constrói os seus trabalhos. Numa indefinição de certezas que nos revela um outro mundo.

 

Sérgio Fazenda Rodrigues

Arquitecto e Mestre em Arquitectura (Construção),foi doutorando em Belas Artes e é doutorando em Arquitectura, onde investiga as relações espaciais entre Arquitectura e Museologia. Faz curadoria de arquitectura e artes plásticas e integrou a direcção da secção portuguesa A.I.C.A. Desenvolve com João Silvério e Nuno Sousa Vieira, o projecto editorial Palenque. Desenvolve com Marta Jécu, o projecto Exodus Stations, em parceria com museus e fundações particulares, sediados na Alemanha, França, Portugal e Roménia. Foi consultor cultural do Governo Regional dos Açores, tendo a seu cargo, nesse período, a construção da coleção de arte contemporânea do Arquipélago – C.A.C. 

o autor escreve de acordo com a antiga ortografia

 

Daniel Gustav Cramer

Galeria Vera Cortês

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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Daniel Gustav Cramer, "Fourteen works". Vista da exposição Galeria Vera Cortês. Foto: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Galeria Vera Cortês.

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