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Medida Incerta

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

Sérgio Fazenda Rodrigues

A 57ª edição da Bienal de Arte de Veneza, intitulada Viva Arte Viva, com curadoria de Christine Macel, recebe o trabalho de José Pedro Croft, que este ano dá rosto à representação oficial portuguesa. Com o título Medida Incerta e com curadoria de João Pinharanda, a intervenção de José Pedro Croft deve ser vista num espectro mais alargado, tendo em conta a ligação com o arquitecto Álvaro Siza Vieira e o contexto especial em que todo este processo foi desenvolvido. Assim, o facto do país não deter ainda um pavilhão próprio e o facto da última representação nacional, no âmbito da Bienal de Arquitectura de 2016, assumir uma estratégia vincadamente alternativa (propondo-se a agir na zona do Campo di Marte, na ilha da Giudecca), levou também a que a obra de José Pedro Croft procurasse uma relação próxima com a intervenção anterior. Lê-se assim, na comunicação oficial à imprensa, que “(...) a representação oficial portuguesa desenhou-se numa perspectiva de biénio (2016 e 2017) na expectativa de demonstrar um diálogo profícuo entre a arquitectura e escultura na reabilitação e vivência real de uma zona da cidade (...)”.

José Pedro Croft pensou numa obra que, de forma deliberada, criasse um diálogo com o edifício que Siza Vieira ainda se encontra a construir. Entre outros pontos, José Pedro Croft pretendia uma proximidade à lógica dessa construção, à ideia de ocupação da praça ou do terreno fronteiriço (onde inicialmente se propôs intervir) e ainda à natureza mais “áspera” e industrial que a própria Giudecca detém. Diversas condicionantes inviabilizaram a concretização desta primeira proposta, tendo o projecto sido repensado para outra localização. Deste modo, a versão final que José Pedro Croft nos apresenta situa-se na mesma Ilha, mas agora junto à água, nos jardins da Villa Hériot (um conjunto de duas casas que datam de 1929). E aí apresenta-se também, no seu interior, uma exposição que documenta todo este processo, bem como a especificidade do trabalho de Croft ao longo dos últimos anos.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

A obra que ocupa os jardins é composta por um grupo de seis estruturas metálicas que, afastadas entre si, suportam vidros de grandes dimensões. O conjunto assume um intento monumental e numa interacção entre as várias peças e aquilo que as circunda, constrói-se um dispositivo de forças, filtros e reflexos que reage à envolvente.

As estruturas firmam-se no terreno, marcam um território e reportam-se à memória das estacas sobre a qual a cidade assenta mas, na forma como se estabelecem, encenam um equilíbrio hesitante que configura a ideia de vacilação e fugacidade, onde o nome da obra – “medida incerta” – se torna claro. O rigor da construção metálica assegura o pragmatismo e a certeza de um desenho industrial, que acompanha o lado menos turística da Giudecca. A sua inclinação, contudo, destrona a ortogonalidade que a repetição e a grande escala torna expectável. E é, então, no desvio dessa previsibilidade, na provocação ao equilíbrio da estrutura e na incerteza que isso enraíza no olhar, que se revela o encanto de algo que, embora grandioso, continua, no fundo, a ser delicado.

Os vidros têm no seu interior uma película colorida, em vermelho e em azul, que empresta uma temperatura ao espaço e nos remete para o imaginário dos vitrais venezianos. Dessa forma, trabalha-se com a ideia de uma luz imanente que os atravessa, vibra e alarga a sua presença à paisagem. De igual modo, alguns destes elementos funcionam também como espelhos, mas todos eles, na sua posição, tamanho, brilho e reflexo, situam-se entre a ideia de janela e de ecrã. Como numa janela, há um olhar que atravessa a superfície e detém-se ao fundo, na envolvente que é enquadrada. Mas a visão é também devolvida pelo espelhar que existe à face, remetendo-nos de outra maneira para a cidade, para o céu e para a água. Como num ecrã, há uma multiplicidade de reflexos que celebram a imagem em movimento, sendo o próprio observador que, puxado para o interior da obra, também os protagoniza.

Este processo que inquieta o olhar é, como refere João Pinharanda, uma forma de desconstrução do plano. Uma desconstrução que, de forma cinemática, ensaia o refazer da imagem, capturando ao mesmo tempo realidade e ilusão. É, então, na articulação entre as vigas metálicas e o vidro que se ensaia um diálogo entre corpo e imagem mas, sobretudo, entre as diversas particularidades do que é real e do que é ilusório. Um diálogo que capta a envolvente, mas que se activa com o visitante e com a sua percepção sobre os diferentes ângulos e espelhamentos, cores e movimentos, que a obra potencia. Embora a intervenção tenha sido redesenhada e já não se implante numa praça, a proximidade à água gera novas potencialidades, garantidas também pela distância correcta que é necessária à sua leitura. E na adjacência ao canal, a relação com o contexto histórico, cultural e urbano é várias vezes reforçada, pois a condição de passagem é aquilo que se demarca na obra e na cidade. Ao longo do tempo Veneza tem sido um lugar incerto, de espelhos e ilusões. Sítio de ligações entre a velha Europa e o que fica a Oriente, a cidade tem a memória de um local de trocas e contactos.

Dir-se-ia então que, perante a inexistência de um pavilhão, a estratégia assenta na criação de uma obra de arte forte, contundente e eficaz. E que, face à quantidade da oferta existente, cria-se a necessidade da obra angariar a atenção dos visitantes, convidando-os a deslocarem-se a um local periférico. É nesse sentido que se justifica a ambição da intervenção, mas o mais interessante, para lá da pertinência da estratégia adoptada, é a forma como José Pedro Croft lida com a questão da grande escala, ou da monumentalidade que aqui lhe é requerida. A ideia de incerteza e impermanência, enquanto reflexo da condição humana, é uma referência central nas suas obras. No entanto é curioso perceber que é na repetição e no emprego do gesto simples ou, neste caso, nas alterações operadas na reprodução de uma estrutura modular, que reside a resposta ao trabalho. O encanto que se gera não parte do sublime ou do monumental, mas sim, do que é cuidadoso, do que pede tempo, e requer, por isso, uma demora no olhar. Das pequenas gravuras às grandes esculturas, esta é uma característica intrínseca ao seu trabalho. E, curiosamente, é também isso que torna Veneza fascinante. Cidade de esforço e sedução que ao longo da história, com sonho e perseverança, foi sendo roubada ao mar.

 

Sérgio Fazenda Rodrigues

Arquitecto e Mestre em Arquitectura (Construção),foi doutorando em Belas Artes e é doutorando em Arquitectura, onde investiga as relações espaciais entre Arquitectura e Museologia. Faz curadoria de arquitectura e artes plásticas e integrou a direcção da secção portuguesa A.I.C.A. Desenvolve com João Silvério e Nuno Sousa Vieira, o projecto editorial Palenque. Desenvolve com Marta Jécu, o projecto Exodus Stations, em parceria com museus e fundações particulares, sediados na Alemanha, França, Portugal e Roménia. Foi consultor cultural do Governo Regional dos Açores, tendo a seu cargo, nesse período, a construção da coleção de arte contemporânea do Arquipélago – C.A.C. 

(o autor escreve de acordo com a antiga ortografia)

 

José Pedro Croft

Direcção Geral das Artes

57ª Bienal de Arte de Veneza

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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José Pedro Croft, "Medida Incerta". 57ª Bienal de Arte de Veneza. Vistas da instalação em Veneza. Representação oficial portuguesa na 57ª BIenal de Arte de Veneza. Fotografias: © Daniel Malhão. Cortesia do artista e Direcção Geral das Artes - Ministério da Cultura.

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