3 / 16

Alberto Carneiro, inventor de florestas para sonhar

upload-5530cff0-3a4b-11e7-b108-410883383c88.jpg
Isabel Nogueira

Alberto Carneiro (1937-2017) deixou-nos recentemente. A sua obra é difícil de inserir num movimento artístico particular ou fechado, mas é passível de algumas aproximações ou identificações, não obstante tratar-se, efectivamente, de um trabalho singular, quer dizer, imediatamente reconhecível como próprio. O seu percurso começa como aprendiz em oficinas de santeiros na sua terra natal, São Mamede do Coronado, seguindo-se o ingresso na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis (Porto), na Escola António Arroio (Lisboa), e posteriormente o estudo de escultura na — à época ainda designada — Escola Superior de Belas-Artes do Porto, e na prestigiada Saint Martin's School of Art (Londres), com uma bolsa atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian. Alberto Carneiro receberia também prémios relevantes, por exemplo, uma menção honrosa do Prémio SOQUIL — prémio atribuído entre 1968-1972 — ou o importante Prémio AICA/SEC – instituído em 1981, depois denominado AICA/MC (Ministério da Cultura) —, em 1985.

A Fundação Calouste Gulbenkian, instituída em 1956, no contexto português de plena ditadura, atribuiria bolsas artísticas a partir de 1957, que se revelaram marcantes para o percurso de vários artistas. As emigrações de artistas portugueses rumo à Europa e, por vezes, também ao continente americano, foram em número considerável, principalmente entre finais da década de cinquenta e meados da década de setenta. De resto, o acompanhamento do movimento geral da neovanguarda internacional — nas suas manifestações Pop art, arte minimal, arte conceptual, arte poveraland art, nova figuração, entre outras — ter-se-á devido de forma implicativa ao contacto com o exterior, o qual se processou precisamente e também através dos artistas emigrados, das curtas viagens aos centros artísticos mais eminentes, das revistas estrangeiras especializadas, dos contactos directos ou indirectos de jornalistas e de críticos com eventos importantes além-fronteiras, e das escassas exposições de artistas de renome internacional no nosso país.

Por estes anos, vemos amadurecer uma conduta experimental que seria decisiva para o desenvolvimento das artes plásticas, numa busca constante da vanguarda crítica e conceptual.

Neste contexto estético e artístico, merecem destaque as propostas de Alberto Carneiro, de cariz arrojado e, ao mesmo tempo, de imensa consistência, mostrando uma simultânea preocupação de integração das problemáticas Homem-Natureza.

Alberto Carneiro participou em encontros, exposições e eventos de relevo no aprofundamento do experimentalismo e na procura de uma vanguarda artística, em sentido lato, tais como: Perspectiva 74 Encontros Internacionais de Arte (1974-1977, organizados por Egídio Álvaro), Alternativa Zero: Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea (1977, organizada por Ernesto de Sousa), A Fotografia como Arte a Arte como Fotografia (1979, organizada por Fernando Pernes), entre outros. Além de, naturalmente, a sua presença em importantes exposições internacionais, como a Bienal de Veneza ou a Bienal de São Paulo.

Alberto Carneiro participou activamente, por exemplo, com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Fundado em 1958, o CAPC teve uma acção notável nos anos setenta ao nível da promoção e sensibilização para as artes visuais contemporâneas, desenvolvendo programas e actividades de índole experimental, performativa e pedagógica, nas quais a presença de Alberto Carneiro foi constante. Ernesto de Sousa escreveria um belo texto a propósito das actividades do CAPC, intitulado “A vanguarda está em Coimbra, a vanguarda está em ti” (Lorenti’s, Janeiro de 1974): "CAP ou C.A.P. eis as letras a fixar, se o leitor for um dia a Coimbra e quiser falar “a pretexto da arte“ com gente das “artes. (…) O que interessa é a tal descoberta, a qual só pode ser conseguida num exercício total do corpo e do espírito, das mãos e da cabeça. Esse exercício é a prática quotidiana do CAP. (…) O leitor vá lá, beba um café na Clépsidra e pergunte. (…) Pergunte pelo Dixo ou pela Túlia Saldanha. Ou pelo Alberto Carneiro, que nesse dia talvez tenha vindo do Porto".

A obra de Alberto Carneiro, situando-se pelos territórios do conceptualismo, do minimalismo ou mesmo da land art, apresenta um rigor e uma sensibilidade invulgares. Percebe-se que a escolha dos materiais vindos da Natureza era criteriosa, persistente, inequívoca, mesmo. Deixou-nos obras icónicas, como as suas Mandalas — permanentes ou temporárias —, Uma floresta para os teus sonhosUm campo depois da colheita para deleite estético do nosso corpo, entre tantas outras. As suas peças respiram uma qualquer evocação de vida e de serenidade. Como um sonho.

 

Isabel Nogueira. (n. 1974). Historiadora de arte contemporânea, professora universitária e ensaísta. Doutorada em Belas-Artes/Ciências da Arte (Universidade de Lisboa) e pós-doutorada em História da Arte Contemporânea e Teoria da Imagem (Universidade de Coimbra e Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne). Livros mais recentes: "Teoria da arte no século XX: modernismo, vanguarda, neovanguarda, pós-modernismo” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012; 2.ª ed. 2014); "Artes plásticas e crítica em Portugal nos anos 70 e 80: vanguarda e pós-modernismo" (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013; 2.ª ed. 2015); "Théorie de l’art au XXe siècle" (Éditions L’Harmattan, 2013); "Modernidade avulso: escritos sobre arte” (Edições a Ronda da Noite, 2014). É membro da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte).

 

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia

 

 

Voltar ao topo