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2022/2023

Celina Brás

Contributos de Celina Brás; David Revés; David Santos; Eduarda Neves; Inês Grosso; Isabel Nogueira; Isabella Lenzi; João Laia; João Mourão; João Sousa Cardoso; Luísa Santos; Luiza Teixeira de Freitas; Marta Mestre; Miguel Mesquita; Nuno de Brito Rocha; Pedro Lapa; Raphael Fonseca; Romulo Moraes; Sérgio Fazenda Rodrigues; Sílvia Escórcio; Sofia Nunes.

 

Futuros Frágeis

 

Como irá a arte (re)viver as consequências de uma pandemia?

Que impacto terá a Documenta XV nas prácticas artisticas futuras?

 

O ano que passou foi marcado pela reparação de uma suposta normalidade, no contexto da arte contemporânea pós-pandemia, com importantes eventos, como a Documenta, a Bienal de Veneza, a Bienal de Lyon, a Manifesta, a Whitney Bienal, entre outras, a celebrarem um regresso à vida. Mas esse regresso foi definido por um estado de fragilidade*, indicador de uma vulnerabilidade cultural, política e social que se agravou e continua a operar várias formas de invisibilidade. A Documenta propõs uma alteração radical de paradigma, uma consciência do colectivo, da economia solidária, epítomes de uma sociedade pós-capitalista mais solidária e sustentável, e trouxe visibilidade à invisibilidade do sul global.

No contexto nacional, escolho a afirmação, participação activa e valor das propostas artísticas de Adriana Proganó, Alice dos Reis, Ana Guedes, Ana Manso, Ana Santos, Ana Vidigal, AnaMary Bilbao, Andreia Santana, Ângela Ferreira, Belén Uriel, Carla Filipe, Catarina Mil Homens, Céline Condorelli, Daniela Ângelo, Dayana Lucas, Diana Policarpo, Evy Jokhova, Fernanda Fragateiro, Francisca Carvalho, Gisela Casimiro, Isabel Carvalho, Isabel Cordovil, Joana da Conceição, Joana Escoval, Joana Fervença, Lea Managil, Luisa Cunha, Luísa Jacinto, Maja Escher, Mané Pacheco, Maria Capelo, Maria Trabulo, Mariana Gomes, Mariana Vilanova, Mónica de Miranda, Odete, Rita Ferreira, Rita GT, Sara Bichão, Sara Graça, Sofia Montanha, Susanne S. D. Themlitz, Tatiana Macedo, Vera Mota. E um tributo especial a Lourdes Castro e Paula Rego.

Sem ruptura não há continuidade e transformação. Em 2023 importa considerar um sério debate sobre a reestruturação do frágil sistema de apoio às artes em Portugal. Urge encontrar novos modelos que impeçam a lenta destruição do tecido cultural onde impera a precariedade e a indiferença dos agentes políticos. No final de 2022, 80% de candidaturas elegíveis não tiveram apoio**, impedidas de construir uma base de estabilidade para o futuro, sintoma de uma política cultural ineficaz que precisa de ser repensada.

Em 2023, a Contemporânea continuará a sua missão enquanto espaço de debate que reflecte as questões que o mundo de hoje coloca, nas suas diversas possibilidades e  realidades, por vezes complexas e instáveis; matéria em transformação, cintilante e frágil. Porque através do tempo, olhos nos olhos, contemplamos a vida na sua bela e lenta catástrofe.

As contribuições que seguem, de algumas autoras e autores que colaboram regularmente com a Contemporânea e outras/outros que colaboraram pontualmente, reclamam algumas das preocupações e urgências que 2022 trouxe e outras que 2023 inaugura. A mais importante — o fim da guerra na Ucrânia.

BOM ANO!

Celina Brás, fundadora e directora da Contemporânea.

 

 


 

A nível temático, 2022 continuou preocupações que têm vindo a fazer pressão — e bem — sobre as práticas artísticas nos últimos anos, procurando pensar o contexto contemporâneo de forma não linear e fixa. Esperando que tal continue em 2023, destacaria como temas: feminismos, práticas decoloniais, políticas identitárias e sexuais, crise climática, crises de extinção, éticas ecológicas, reimaginação da História. A nível nacional, mais do que exposições específicas, destacaria programações, tanto de espaços institucionais quanto independentes: Galeria Energia [Galeria Municipal do Porto]; programações anuais do CIAJG [Guimarães], UPPERCUT [Lisboa], Buraco [Lisboa] e Pedreira [Porto]. Destaco ainda O Armário [Lisboa], programado por Benedita Pestana, que teve a sua primeira itinerância em 2022, assim como a abertura do Batalha Centro de Cinema [Porto] e a importante promessa que tal constitui. 

 

David Revés é curador independente, escritor e investigador. Vive e trabalha entre Portugal e a Suécia. 

 


 

O ano de 2022 fica marcado, num primeiro momento, pela acesa polémica em torno da representação oficial portuguesa do artista Pedro Neves Marques na 59ª Bienal de Veneza. Para além dos argumentos, pró e contra, sobre os critérios que levaram à sua seleção, a visibilidade temática das questões de género, acerca da ecologia ou da fantasmagoria (aí particularizada pela expressão mítica do vampiro) que estruturaram essa participação sintetiza, em parte, algumas das obsessões do meio artístico na nossa contemporaneidade. Hoje, quase não há lugar a outras ideias ou manifestações na arte que circula pelos grandes eventos internacionais. Fenómeno circunstancial ou duradouro, só o tempo dirá. O segundo momento, diz respeito, inevitavelmente, à decisão do Ministério da Cultura de denunciar o acordo que levara em 2007 à constituição do Museu Coleção Berardo. A decisão, corajosa e acertada, deve converter-se na oportunidade, aliás já anunciada, de criação de um grande museu de arte contemporânea na cidade de Lisboa, a partir do Centro Cultural de Belém (que, na minha leitura, deveria considerar uma verdadeira articulação orgânica e institucional com o atual Museu Nacional de Arte Contemporânea – Chiado). As expectativas quanto ao novo espaço museológico, que vai manter (para já) a Coleção Berardo e receber em breve a CACE e a Coleção Ellipse, são, por isso, plenamente justificadas.

 

David Santos é Diretor Científico do Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira.

 


 

2022 — password: cinismo.

Obras de motivação política standard ou exposições agradáveis à medida de um certo design de interiores. Muitos pronomes pessoais, cosmos, enfim, o universo em geral pois que a arte contemporânea quer-se inclusiva e imersiva. q.b. A boa consciência imperturbável. A crítica? Que crítica? Na memória — a exposição apresentada pelo artista Andrius Arutiunian, no pavilhão da Arménia na Bienal de Veneza 2022. Dissonante, como um tempo que insiste em não chegar. Obra eficaz, artisticamente radical na sua atmosfera expositiva, contrastando com as pretensas mas instituídas, vazias e oportunistas críticas do art world ao Ocidente. Exposição formal e conceptualmente nos antípodas das habituais aquisições do capital.

2023 — password: coragem. 

 

Eduarda Neves é professora na ESAP, curadora independente e ensaísta.

 


 

Entre os momentos mais marcantes de 2022 tenho de destacar o projeto 1983, pela sua complexidade, genialidade e ousadia, que João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira apresentaram no espaço Rialto6. Ainda em Portugal, as exposições Abstracto, Branco, Tóxico e Volátil, de Julião Sarmento no Museu Coleção Berardo, Do planalto se dobra a montanha, de Maria Capelo na ZDB. No Porto, destaco a programação do Nuno Crespo para a Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa e o empenho e dedicação do Guilherme Blanc na construção de uma programação sofisticada e eclética para a abertura do Batalha Centro de Cinema. Internacionalmente, a incontornável dupla retrospetiva de Charles Ray em Paris, na Bourse de Commerce e Centre Pompidou; a nova apresentação do acervo da Pinacoteca de São Paulo e o destaque da cubana Belkis Ayón na 59ª Bienal de Arte de Veneza. Realço também o trabalho das galerias portuguesas que, apesar destes tempos tão difíceis, não deixaram de nos surpreender.

 

 Inês Grosso é curadora-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Serralves.


 

O ano de 2022 representou um regresso importante no que à arte contemporânea diz respeito. Saímos — pelo menos na vida de todos os dias — da famigerada pandemia e foi possível e urgente voltar a viver os espaços, as obras e as pessoas. Não vi tudo o que  queria, mas ainda assim vi bastante. Destaco, a nível nacional, algumas exposições de que particularmente gostei: Ricardo Jacinto na Galeria Bruno Múrias, Lea Managil em O Armário e na Balcony Contemporary Art, Mark Bradford em Serralves, Carlos Nogueira na Galeria 3+1, colectiva Interferências no MAAT, colectiva Escola de Libertinagem na Galeria Francisco Fino, Rui Chafes em Serralves, Hugo Canoilas no Centro de Artes Visuais de Coimbra, Nuno Cera na Galeria Miguel Nabinho, Gabriel Abrantes na Galeria Francisco Fino, Cindy Sherman em Serralves, Mané Pacheco no Belo Campo [Galeria Francisco Fino], ou a retrospectiva de Julião Sarmento no Museu Coleção Berardo. Em Portugal, muitas e válidas estruturas culturais ficaram sem apoios e a situação não se afigura fácil. Pelo contrário, é difícil lutar num país em certos contextos ainda feudal mas com equívocos de modernidade. Os meus votos de ano Novo são sempre os mesmos: que sejamos o mais felizes que conseguirmos e que o Mundo seja um lugar mais suave e justo. Bom ano Novo.

 

Isabel Nogueira é historiadora e crítica de arte contemporânea, professora e ensaísta.


 

O ano que começou com os ataques russos à Ucrânia termina com a esperançosa vitória da frente ampla democrática nas eleições presidenciais brasileiras. No panorama da arte, pode parecer obvio, mas ainda assim destacaria as últimas edições da documenta de Kassel e da Bienal de Veneza. Além de permitir ao público conhecer contextos e produções de geografias pouco presentes, o coletivo da Indonésia rompeu o paradigma expositivo e propôs um projeto focado na experiência, no estar e construir junto e com tempo. Já Milk of Dreams, apesar de desigual e com claros problemas de montagem, tinha momentos emocionantes, como o diálogo entre Belkis Ayón e Simone Leigh. Também nos permitiu descobrir e rever a obra de artistas maravilhosas como Agnes Denes, Violeta Parra, Safia Farhat, Myrlande Constant, Mrinalini Mukherjee, Sister Gertrude Morgan, entre tantas outras. Se a Bienal de Berlim decepcionou, a descoberta da série Porch Portraits [1974] de Susan Meiselas no C/O compensou a viagem. Em Madri, a recente exposição de Martin Wong no CA2M e a mostra organizada por Benjamin Buchloh, com obras impressionantes de Elizabeth Catlett, foram das melhores de 2022. No IVAM de Valencia, destaco as monográficas de Anna Boghiguian e de Mar Arza e a mostra do casal Albers, organizada em colaboração com o Musée d’Art Moderne de Paris. Na capital francesa, a exposição da cineasta Sarah Maldoror. Por último, o falecimento de Jean-Luc Godard, um dos artistas mais radicais do século XX, a mostra de Marguerite Duras na Virreina de Barcelona e o fato de Jeanne Dielman de Chantal Akerman estar no primeiro lugar da lista dos melhores filmes da história da revista Sight and Sound.

 

Isabella Lenzi é curadora no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía de Madrid.

 


 

Protestos Climáticos.

Num ano marcado por um número enorme de desastres climáticos, sinais claros da emergência planetária em que nos encontramos, diversos protestos em museus internacionais assinalam a energia de uma nova geração de activistas. Portugal testemunhou vários protestos em escolas e universidades. O caso da Faculdade de Letras fica marcado como um exemplo triste pela intervenção policial e a detenção de quatro estudantes e activistas.

 

João Laia é curador-chefe no Kiasma — Museu Nacional de Arte Contemporânea de Helsínquia, Finlândia.

 


 

Em janeiro de 2022 perdemos duas ilhas, Maria José Cavaco e Lourdes Castro, Açores e Madeira e, sem elas, a distância entre o continente e o que se produz nestes territórios autónomos ficou ainda mais vincada. Que acontece a este edifício que habitamos coletivamente quando fica sem os seus pilares? Choramos, lembramos, celebramos a sua memória e trabalho e seguimos em frente. Nesse imperativo para seguirmos em frente, independentemente da precariedade, é necessário criar um novo vocabulário para o setor: abandonemos a ideia de resiliência a que nos têm obrigado. Temos que ser capazes de imaginar e produzir um outro futuro. Citando uma concorrente, num episódio do Rupaul's Drag Race, Institutions also spells intuitions if you’re dislexic e como parte do meu pensamento sobre este setor é enformado pela prática, através das instituições em que tenho trabalhado, espero que tenhamos a coragem, em Portugal, de encetar uma auto-reflexão séria, sem lirismos ou maniqueísmos e, que intuitivamente possamos desenvolver novas formas de funcionamento — modos de estarmos juntes, de produzirmos juntes, de nos relacionarmos e respeitarmos naquilo que nos une, mas sobretudo, naquilo que nos afasta.

 

João Mourão é Diretor do Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas.

 


 

É notável o número de instituições, no contexto internacional, que se abrem aos cruzamentos em que se elabora hoje a criação contemporânea [na relação com as formas, as representações e a estética nas diversas disciplinas], numa ampla perspetiva transtemporal, transgeográfica e transcultural, acompanhada de uma leitura atualizada da modernidade, da contemporaneidade e das novas possibilidades da museografia no século. São estas instituições transversais que nos podem servir de bússola para orientação nos novos trilhos de uma concepção pós-antropocêntrica e ecológica de cultura. 

 

João Sousa Cardoso, professor universitário e ensaísta.

 


 

Gostava de poder usar as 100 palavras que me foram dadas para escrever o que considero serem os momentos marcantes de 2022 na arte contemporânea dizendo que, chegados quase ao final de um quarto do século XXI, estamos — finalmente — perante um sistema das artes inclusivo e representativo da diversidade humana ao nível de género, de raça, de capacidades físicas, cognitivas, sociais, culturais, e económicas. Um sistema que recusa cânones, que escuta e valoriza narrativas alternativas às que se habituou a aceitar como válidas, incluindo as do mundo natural. Como não posso, porque estaria a mentir, seleciono a documenta XV como momento marcante deste ano. Precisamente porque tentou ser tudo isto.  

 

Luísa Santos é curadora independente e investigadora na Universidade Católica Portuguesa.

 


 

Morreu Lourdes Castro, um dos mais importantes nomes da história da arte portuguesa e morreu o enorme Jean-Luc Godard. O ano de uma Documenta de Kassel imperdivel, que muitos perderam; de uma Bienal de Veneza que apesar de falhas, como as têm todas as bienais mostrou-se muito necessária — ter o livro de Leonora Carrington como mote para uma bienal cheia de força feminina, foi para uma amante de surrealismo como eu, uma lufada de ar fresco. Em Portugal o sentimento que tenho é que o que vi de melhor foi fora dos ‘grandes centros’ — no CIAJG com a programação de Marta Mestre, nos Açores no Arquípelago e a programação de João Mourão ou Jesse James a agitar as águas com o Walk & Talk, ou ainda o irrepreensível programa da Casa da Cerca a cargo da Filipa Oliveira. 2022 foi o ano do retorno ao presencial sem medos, e para muito eventos um retorno ao qual sequer parecia ter havido pandemia ou isolamento. Feiras de arte para dar e vender, o mercado mais vivo que nunca e três galerias portuguesas a terminarem com chave de ouro 2022, na Galeria Francisco Fino ‘Gabriel Abrantes', na Galeria Bruno Múrias ‘Alexandre Estrela’ e na Galeria Lehmann + Silva 'João Gabriel'. Misturo as minhas origens luso-brasileiras e respiro de alivio e esperança num ano que acaba com Lula eleito e o novo Museu de Arte Contemporânea porvir na cidade de Lisboa.

 

Luiza Teixeira de Freitas vive em Lisboa e é curadora independente envolvida em diversos projetos.

 


 

A morte de Jean-Luc Godard [1930-2022].

 

Marta Mestre é Diretora Artística do CIAJG: Centro Internacional das Artes José de Guimarães.

 


 

Sob a promessa da reabertura plena pós-pandemia, 2022 revelou-se um ano, no geral, entusiasmante para o meio artístico. O contexto nacional foi marcado por resoluções importantes tais como as referentes ao Museu Coleção Berardo e à Coleção Elipse e a da criação da RPAC, um instrumento que poderá revelar-se fundamental para um pululamento das estruturas e projetos com programação artística, mas também para a construção de um sector mais coeso e solidário. As comemorações dos 15 anos do MACE demonstraram as capacidades destas redes e o potencial de uma programação artística arrojada no interior do território. Por sua vez, o contexto internacional foi marcado pela documenta XV, cuja polémica evidencia as perversidades das intenções de internacionalidade que procuram ainda uma visão ocidentalizada e “ocidentalizadora”. Foi, contudo, uma edição que reafirmou o papel precursor deste evento, obrigando-nos a encarar a influência do mercado na construção dos discursos e métodos da produção artística, enquanto estabelecia novos paradigmas nas formas de programar, de pensar o objeto artístico e mesmo de experiência estética, propondo formas mais empáticas e comunitárias, essenciais para a reflexão do sistema da arte e da produção de objetos num mundo em que os recursos se tornam cada vez mais limitados.

 

Miguel Mesquita é fundador e diretor do PARTE.

 


 

Questões de definição, abertura, inclusão e sustentabilidade de instituições e processos artísticos já fazem parte do discurso geral na arte há algum tempo. A 15º Documenta de Kassel radicalizou essas questões e a estrutura da exposição em si. O Ruangrupa usou a chamada "exposição de arte contemporânea mais importante do mundo" como plataforma para um outro modo de operar dentro da produção artística. Inesquecível foi a Documenta Halle, onde pista de skate, mercado, ponto de encontro, gráfica, cinema e outros coexistiram sem prejuízo na qualidade do que ali era a intenção: mostrar uma outra perspectiva nas possibilidades do fazer artístico coletivo, em que toda a experiência e conhecimento podem ser estéticos e úteis. O questionamento estrutural e a diferença imagética foram tamanhos que a imprensa quis deixar a Documenta mal entendida, focando principalmente na importante discussão sobre as imagens de cunho antisemita. Infelizmente outros temas e questionamentos relevantes ficaram em segundo plano.

 

Nuno de Brito Rocha é Diretor interno no Kunstverein Braunschweig, Alemanha.

 


 

Aquisição pelo Estado da coleção Ellipse; a representação portuguesa à Bienal de Veneza com Pedro Neves Marques, Vampires in Space; Ângela Ferreira com nova versão de Zip Zap Circus School, na Bienal de Istambul. Exposições locais: Tony Conrad na Culturgest; Alexandre Estrela, Forgotten Sounds of Tomorrow na Galeria Bruno Múrias; Gabriel Abrantes, Nobody Nowhere na Galeria Francisco Fino; André Romão, Noite na Galeria Vera Cortês; Joana Escoval, Wind Dreams na Galeria Vera Cortês; João Maria Gusmão, Lusque Fusque Arrebol na Galeria Cristina Guerra*.

*esta seleção não decorreu de uma pesquisa sistemática, continuada e descentralizada, mas dos acasos de quem não é um crítico profissional, pelo que há o que gostava de ter visto como a Cindy Sherman e a Rivane Neuenschwander, em Serralves; uma visita ao CIAJG para recordar tempos em que a ZDB era um espaço alternativo; a Bienal de Coimbra... 

 

 

Pedro Lapa é Professor Universitário e Historiador de Arte.

 


 

Pensar sobre imagens e projetos que chamaram a atenção em 2022 refletirá uma vida viajante. Eis uma pequena bagunça em formato de lista: Rosalía e seu Motomami [álbum e concerto]. Björk e seu podcast Sonic Symbolism. As últimas temporadas de Atlanta [FX] e as primeiras de Abbott Elementary [ABC]. As retrospectivas de Agnaldo Manuel dos Santos [Almeida e Dale, São Paulo], Erró [Reykjavik Art Museum], Eva Kmentová [Museu Kampa, Praga], Frédéric Bruly Bouabré [MoMA, Nova Iorque], Madalena dos Santos Reinbolt [MASP] e Mapa Teatro [Museu de Arte Miguel Urrutia, Bogotá]. As individuais de Gabriel Abrantes [Galeria Francisco Fino, Lisboa] e Sara & André [Galeria Quadrum, Lisboa]. HIGHER xtn, de Michele Rizzo, no ARS22, Kiasma, Helsínquia. Histórias del diseño gráfico en Colombia [Casa Republicana, Bogotá] e The Milk of Dreams, Bienal de Veneza. Museu Einar Jónsson [Reykjavik, Islândia].

 

Raphael Fonseca é curador de arte moderna e contemporânea latino-americana do Denver Art Museum, nos Estados Unidos. É um dos curadores da Bienal Sesc_Videobrasil, a acontecer em outubro deste ano em São Paulo.

 


 

Na incapacidade de apontar como um dos grandes momentos artísticos do ano a — agora claramente performática — auto-destruição pública de Kanye West, creio que os maiores eventos de 2022 tiveram, comparativamente, baixa intensidade. Destaco o trabalho individual de dois artistas cuja qualidade me hipnotizou, não por coincidência dois re-leitores [e re-magicizadores] de tradições visuais do baixo medievo: André Griffo, cuja pintura aplica a canonizante perspectiva renascentista a ruínas arquitetônicas do Brasil contemporâneo; e Benjamin Styer, que produz iluminuras de pergaminhos imaginários a partir de tendências do design e referências cripto-surrealistas, qual um Bosch da nossa geração.

 

Romulo Moraes é poeta, ensaísta e crítico de arte. Vive em Nova Iorque.

 


 

Resiliência e reinvenção são palavras que marcaram 2022, num período de guerra, contração financeira e acentuado desarvoro ambiental. Este foi um ano extremado que, no entanto, pensou novas estruturas e padrões de funcionamento, assentes numa consciência empática e no meio que nos rodeia. Assim, poderíamos nomear a amplitude da documenta XV ou a miríade de pequenas exposições que tentam resgatar valores prioritários de transparência, inclusão e igualdade, ou de partilha e responsabilidade. Reclamando uma visão ética, transversal, que decorre de gestos quotidianos, mas que ainda não pauta a consciência de muitos decisores, selecciono, desencantadamente, o actual Ministro da Cultura e o desgoverno da sua fragmentária acção política.

 

Sérgio Fazenda Rodrigues é fundador e director de Kindred Spirit Projects. 

 


 

É ano novo, celebre-se o ano velho: com Carla Cabanas conheci Seres Imaginários, dourados, aprisionados, ubíquos, enquanto pele que camufla, cuida e cura as nossas memórias. Engoli fruta com sabor a entranhas na mesa posta (Set The Table) por Raquel André e Cristina Carvalhal para treze mulheres, com Gisela Casimiro no centro de um espetáculo cocriado entre Lisboa, Kortrijk, Zagreb e Sibiu. Vivi Lumbung ou todos os sinónimos de liberdade que a prática dos Ruangrupa traz à produção artística, como o foi Pakghor, a cozinha social onde Rita GT e Thiago Sales Moura apresentaram o menu-performance Post-colonial moqueca de peixe with edible €500 bill. Na Bantumen reconheci O melhor da arte africana e afrodiaspórica em Portugal em 2022; e nas páginas de The Delusions of Care de Bonaventure Soh Bejeng Ndikung reencontrei “cuidado” e “saber cuidar radical” como ferramentas éticas de resistência às crises, constantemente apoiadas em boas intenções. Bom 2023 e celebre-se Kyiv (keev) como a grafia solidária para designar a capital da Ucrânia; e, no Brasil, Sônia Guajajara, Ministra dos Povos Originários, e Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial. 

 

Sílvia Escórcio é fundadora e directora do PARTE. 

 

 


 

Do que vi e acompanhei. Relembro Lourdes Castro [1930-2022] e as suas magníficas sombras projetadas em plexiglass fluorescente. Destaco as novas pinturas de Gabriel Abrantes com fantasmas e recurso à inteligência artificial em Nowhere Nobody [Galeria Francisco Fino]; a Representação Portuguesa à Bienal de Veneza com a instalação retrofuturista Vampires in Space de Pedro Neves Marques; as reversibilidades humano-não-humano e os seus fluxos desejantes em a Noite de André Romão [Galeria Vera Cortês]; a instalação The Soul Expanding Ocean #4 de Diana Policarpo [Ocean Space, Veneza], cruzando a biodiversidade com as histórias tecnológico-coloniais e Forgotten Sounds of Tomorrow de Alexandre Estrela [Galeria Bruno Múrias], onde o medium é passado e futuro, físico e virtual, corpo e espectralidade. Não esqueço uma das melhores montagens das pinturas brancas de Julião Sarmento em Abstrato, Branco, Tóxico e Volátil [Museu Coleção Berardo] e saliento o ciclo de conferências Políticas da Estética: O Futuro do Sensível com curadoria de Jacinto Lageira [CCB], um campo a que temos dado pouca atenção. Ah, Tony Conrad [Culturgest] também e, em parte, Berlinde de Bruyckere [Galeria Pedro Cera]. O efeito de comoção dos seus trabalhos chateia-me, mas gostei das distorções orgânicas e dos hibridismos materiais.  

 

Sofia Nunes é historiadora e crítica de arte.

 


 

Texto da editora:

* Manifesto da Bienal de Lyon 2022.

** 80% das candidaturas elegíveis aos Apoios Sustentados da DGARTES, concurso bienal 2023/2024.

*** Inspirado no editorial da edição #3 da Contemporânea, por Celina Brás.

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