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22ª Bienal Sesc_Videobrasil

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Paula Ferreira

 

Entrevista a Raphael Fonseca

Entre o desembalar de uma obra de arte e outra, conversei com Raphael Fonseca em uma chamada no zoom. O curador, cuja profícua lista de exposições realizadas ao longo dos últimos onze anos revela um fôlego muito jovem e um prazer enorme em pensar processos curatoriais, tem se mostrado um nome a ser destacado dentro do cenário da arte contemporânea internacional. Durante a montagem da vigésima segunda edição da Bienal Videobrasil, que inaugurou no último dia 18 de outubro, no SESC 24 de Maio, conversamos sobre os desafios e, principalmente, as alegrias envolvidas na prática de imaginar exposições.

 

Paula Ferreira (PF): Raphael, tenho acompanhado o seu trabalho há alguns anos com certa felicidade em perceber as formas que ele se desenvolve e os desafios que se coloca. Voltando um pouco no tempo, a sua trajetória começa com um encontro quase sem querer com a curadoria, quando era professor em uma escola pública no Rio de Janeiro, sim? Gostava de ouvir de você um pouco mais sobre a sua relação pessoal com a curadoria, como se deu essa “descoberta” e como ela tem se desenvolvido ao longo desses anos enquanto curador. Depois, gostava também que contasse um pouco mais sobre o processo de sair do Brasil, em direção à cidade de Denver, nos Estados Unidos, para trabalhar especificamente sobre arte na América Latina.

 

Raphael Fonseca (RF): Sim, antes de eu começar a fazer curadoria, já tinha uma relação com a educação… A minha formação é em História da Arte. Fiz a graduação na UERJ, depois ingressei no mestrado na Unicamp, e então comecei a dar aula como professor universitário. No meio desse percurso, surgiu a oportunidade de dar aula no colégio Pedro II, no Rio de Janeiro (a segunda escola pública do país), na disciplina de artes visuais, para o primeiro ano do ensino secundário. Então, na verdade, o que aconteceu comigo foi aquilo que penso que acontece na vida de outros brasileiros: a curadoria acabou surgindo como um “acidente”, não uma procura objetiva. Foi a partir de uma pessoa próxima, a artista visual Daniela Seixas, que me chamou para fazer uma curadoria para uma exposição dela. Nesse processo, percebi que, além de ter imenso prazer na relação com as artes visuais pela escrita, pensar exposições também era uma forma de escrita no espaço — foi assim que começou, passei a me interessar por visitar ateliês de artistas, a dialogar com pessoas que estão trabalhando no presente, que, ao contrário da História da Arte, estão próximos, temporal e geograficamente… Ou seja, passei a me interessar por criar relações com novos territórios, estar próximo a pessoas que estão no presente. Dessa relação com a curadoria que foi se construindo, surgiu o desejo de começar a trabalhar para além da arte contemporânea, já que eu tinha essa formação trans-histórica. Com o tempo percebi que, existencialmente, o que realmente me dá satisfação é pensar exposições.

Há quase 3 anos, comecei a trabalhar como curador no Denver Art Museum, o que tem sido uma experiência desafiadora e interessante. Passar a trabalhar sobre a América Latina — e, de alguma maneira, sobre o Sul Global — traz o desafio de lidar com as expectativas que se criam em torno da minha figura, enquanto brasileiro, como, de certa forma, “representante” dessa região… O Brasil, apesar de ser um país latino-americano, tem um tamanho continental, possui outra língua, outra história colonial e, muitas vezes, é um país muito auto-centrado nas reflexões sobre arte, trânsito, e etc — quantas vezes não ouvimos brasileiros falarem “vou conhecer a América Latina”, quando vão visitar a Argentina, por exemplo? Então é claro que é desafiador chegar nesse lugar e ter que ser alguém que “representa” a América Latina. E, como uma observação, é importante dizer que o Denver Art Museum é um museu trans-histórico, do final do séc. XIX, que tem uma coleção histórica enorme e que agora está vivendo um momento de “repaginação”, de repensar as “minorias” no contexto norteamericano,  etc — então a minha presença faz parte de um “plano” maior de revisão da própria instituição.

 

PF: A sua tese de doutorado, “Construções do Brasil no Vaivém da rede de dormir” (UERJ, 2012-1016), sobre a iconografia da rede de dormir, foi transformada na exposição itinerante Vaivém, que esteve presente nos espaços do Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Como foi o processo de adaptação da tese em uma proposta expositiva?

 

RF: Em 2017, através de um edital, eu e a Ana Helena Curti, produtora do projeto, tivemos a honra de pensar essa exposição para quatro CCBBs diferentes. Inicialmente, tínhamos uma facilidade de, por conta da tese, já ter em mãos o levantamento dos acervos que possuíam algumas obras que eram do nosso interesse… Quando fiz a tese, o campo de estudo era a História da Arte e, por isso, havia o foco em obras já existentes. Mas, quando a exposição foi aprovada no edital, a primeira certeza que tive foi a de ser essencial ter uma presença significativa de artistas indígenas contemporâneos. Aqui, abro um parênteses para explicar que, no decorrer do meu doutorado, houve um momento importante no processo de institucionalização da arte indígena no Brasil: por exemplo, pela participação do Denilson Baniwa em exposição no Museu de Arte do Rio, pelo prêmio PIPA que o Jader Espell recebeu, a Arissana Tapaxó também recebeu um prêmio PIPA pelo voto do público, entre outros artistas indígenas que começaram a se estabelecer no circuito… Assim, tivemos a oportunidade de comissionar trabalhos de mais de vinte artistas indígenas — destaco que foi fundamental a participação de Ludmila Fonseca, curadora assistente, para me ajudar nessa pesquisa e no levantamento de artistas indígenas no Brasil.

Era importante, também, não criar uma exposição segmentária, com um “bloco” de artistas indígenas, mas ter uma proposta expositiva divida em tópicos que fossem “trans-históricos” e “trans geográficos”. Assim, se desenhou um “vaivém” histórico, que me interessava como ferramenta para trazer ao público um entendimento sobre arte contemporânea que não criasse segmentações.

Além disso, foi um momento de grande privilégio por poder trabalhar com tempo, com um arquiteto, poder pensar o espaço, o design do catálogo, poder desenhar mobiliário… E de poder trabalhar com pessoas como o arquiteto Pedro Mendes da Rocha e a dupla de designers Raul Loureiro e Victor Kenji. Ter um aparato e um orçamento como todo projeto curatorial deveria ter, mas que, infelizmente, não é muito comum ter, também foi um processo pessoal de profissionalização na curadoria. No geral, foi uma experiência de muito aprendizado e experimentação.

 

PF: Partindo da ideia que a tese levanta, da iconografia de um objeto enquanto formador de uma identidade nacional, gostaria de fazer uma “provocação”, pegando emprestada uma pergunta que a Françoise Vèrger fez durante uma palestra sobre o livro novo dela, que é: “How does the visual estruture social life?”[1]

 

RF: Bem, acho que o visual estrutura a vida social em vários âmbitos e de diversas maneiras… Para começar, podemos pensar que estamos aqui, pelo Zoom, em 2023, pós-pandemia, em meio à montagem da Bienal Videobrasil — que, ironicamente, tem como título “A Memória é uma Ilha de Edição”… Então, “como” eu não saberia dizer, mas as maneiras que o faz são infindas. Antes da nossa entrevista, estávamos comunicando por WhatsApp — acho que vivemos um momento histórico em que tudo gira em torno da imagem, de um certo caráter de comunicação instantânea, acho que o visual está em todas as esferas da vida, e aí, acho que isso é intensamente desafiador no campo das exposições. Como podemos criar projetos expositivos, experiências para o corpo, para o público, que ainda façam sentido? Que, de alguma maneira, talvez dialoguem com esse excesso de imagens e, ao mesmo tempo, possibilitem que tenhamos momentos minimamente intimistas com as imagens? Ou momentos em que o corpo se relacione com as imagens de uma forma peculiar? Por exemplo, aqui na Videobrasil, uma preocupação constante era criar estímulos muito diferentes para o corpo: desde salas pequenas de projeção, até telas de LCD, tablets, etc… É um desafio, do campo da curadoria, pensar instalações físicas de obras, em um determinado espaço arquitetônico, de maneira que ainda intrigue o público, visto que estamos tão submersos em imagens o tempo todo. Claro, o visual pauta a nossa experiência humana todos os dias, a todo o momento, de infinitas formas. Acho que é algo infindo e também que é só o começo: imagina em 2030, 2040, o que essa “comunicação” vai se tornar…

 

PF: E como a arte vai “sobreviver”? Ou melhor, é claro que vai sobreviver, mas como vai “se adaptar”…

 

RF: Sim. E também precisamos pensar nessa suposta “democratização” dos meios de produção nas artes — qualquer câmera low tech, ou celular pode se tornar ferramenta, veja quantos artistas não apareceram nos últimos anos por conta disso. Quando eu estava na graduação, nenhum de nós tinha meios para fazer vídeos, trabalhar com gifs, a.i., mostrar para as pessoas pela internet, pelas redes sociais… Quais são as consequências disso para os artistas, curadores, para as instituições de arte? A pandemia foi uma aula sobre isso. Quantos artistas jovens, que nunca tinha tido oportunidade, surgiram? Eu fico curioso de estar, na primeira fileira, observando o que vai acontecer, quais mudanças tecnológicas vão surgir e como isso vai afetar os vários sistemas da arte.

 

PF: E esse ano, na vigésima segunda edição, a Bienal Videobrasil tem como tema uma frase de Waly Salomão: “A memória é uma ilha de edição”, retirada de um texto com um cunho político muito evidente. Vou resgatar novamente essa palestra da Françoise Vèrger para fazer aqui uma intersecção entre ela e o tema da bienal. Em Decolonizar o Museu[2], a autora trata da importância do objeto para a instituição museológica na Europa e no Ocidente e de como aqueles cujos passados não trazem essa materialidade podem lidar com isso. A bienal, pelo foco no Sul Global, tem as questões de identidade e política muito presentes — inclusive, destaco aqui as frases finais do seu texto para a edição desse ano, que dizem: “Se essas imagens não resistirem materialmente ao tempo, teremos nossa boca para relatá-las. Enquanto houver vida, haverá memória.”.

A partir disso, a minha pergunta é: como materialidade e memória se relacionam, dentro dessa bienal? E como os trabalhos exibidos irão apresentar novas formas de criar ou nutrir a memória, que ultrapassam o material?

 

RF: Ótima pergunta, eu não sei se eles ultrapassam necessariamente… Por exemplo, há o trabalho do CATPC, que é uma cooperativa de trabalhadores de plantações da República Democrática do Congo. Com o trabalho BALOT NFT (2022), eles lidam com um objeto que está no Museu de Belas-Artes da Virgínia (EUA). Então o que eles fazem é criar um NFT que recupera metaforicamente essa escultura — que é “a figura de um adivinho, esculpida em 1931, durante uma revolta do povo Pende contra as atrocidades cometidas por agentes coloniais belgas”[3] — e criam para si um problema legal, que envolve questões da relação entre o original e a cópia, entre quem tem o direito de reproduzir a imagem do objeto (o museu que o detém em acervo ou eles, que são as pessoas que descendem de quem o produziu). Esse é apenas um exemplo, que mostra como questões como essa aparecem o tempo inteiro na bienal, principalmente por um olhar irônico e desconcertante para a História e para as imagens, do que por uma busca por uma justiça epistêmica ou por uma noção de trauma. Também há o trabalho da Pamela Cevallos, uma artista do Equador, que lida com a ideia de cópia e com as leis muito rígidas do país sobre o assunto — leis que impedem, por exemplo, que descendentes de povos originários reproduzam cerâmicas que, hoje em dia, são tidas como tradicionais, mas que foram criadas por seus antepassados…

Uma vez que não se tem acesso a esses objetos, porque eles estão nas mãos do povo colonizador, uma solução que vejo com interesse é, em vez de teatralizar o sofrimento sobre isso, poder inventar uma história nova, ficcionalizar sobre o assunto, ou projetar a partir de uma imagem virtual (no caso de objetos físicos), ou até mesmo inventar um mundo novo a partir daí. Como o Ali Cherri também faz, ao comprar peças de máscaras e de figuras de rostos, que parecem figuras arqueológicas, e criar um corpo novo a partir desses fragmentos.

É curioso você perguntar isso porque só agora, na montagem, as coisas no espaço começam a se evidenciar… Esse ano, esse “falso arqueológico” está muito presente. Eu sempre olho para o imaterial relacionado às questões coloniais de posse, translado, roubo, pilhagem, e me interesso pelos artistas que lidam com isso antes por meio da fantasia, da irreverência, do que pela “chave” da dor, do sofrimento e de uma certa “estetização” da violência. É pessoal, existencial, mas eu, particularmente, não acho que as propostas artísticas vão ser capazes de mudar essas questões per se — embora possam haver pequenos exemplos, basta ver o manto Tupinambá que vai voltar, finalmente, pro Brasil —, mas também o que quer dizer esse manto voltar? O que se faz a partir daí? Não sei, acho que tenho mais interesse pelas pessoas que têm uma visão irônica, até perversa e ficcional. Prefiro as éticas forjadas, pensar como a arte pode inventar mundos… No final das contas, acho que o inventado e o absurdo são capazes de chegar a lugares que comunicam mais com o público em geral.

 

PF: E é possível que essa forma de lidar com essas questões seja uma ferramenta pedagógica?

 

RF: Particularmente, acho que essa maneira mais “irônica” consegue atingir um público não especializado de uma maneira que, muitas vezes, uma forma mais hierárquica, vertical, direta e objetiva não atinge. Acho que pode gerar uma leitura mais polissêmica. Acredito que as obras que têm um caráter muito direto, didáticas como bulas de remédio, não atingem o público leigo ou não escolarizado. O lugar mais fantasioso que as imagens podem preencher, a partir do absurdo, da ironia, de uma certa noção de humor, pode envolver mais o público — e, a partir daí, levantar questões que são muito importantes e começar uma conversação —, em vez da postura, que às vezes acontece na arte contemporânea, muito didática e direta, que se coloca como uma espécie de porta-voz da verdade.

Uma visão de mundo ficcional pode te fazer rever algumas verdades. Acho que também é uma questão de “micro História” e “macro História”: é mais interessante aqueles que, a partir do micro, fazem coisas que criam um eco. Assim como coisas que lidam com o banal também, como a rede de dormir… Eu acho que sou um curador do banal, me interesso pelas menores coisas e trabalho essas micro verdades.

 

PF: Essa edição da bienal inaugura depois de quatro anos muito difíceis para o Brasil — anos que, em muitas formas, ainda estão e estarão presentes por algum tempo. Ao mesmo tempo, no resto do mundo, temos assistido a uma tentativa de apagamento da memória histórica coletiva, promovida, principalmente, pela política da extrema-direita. Pensando nisso, como uma bienal pode ser uma ferramenta para refletir sobre esse momento do presente e planejar o futuro?

 

R.F.: Inicialmente, a bienal iria acontecer em 2021, por isso, já estávamos preparados psicologicamente para fazer essa exposição durante o governo Bolsonaro. Mas, por conta da pandemia, os planos mudaram. Por outro lado — apesar de ser uma situação que já dura décadas —, na semana da montagem, Israel declara guerra oficialmente à Palestina. Na Argentina, há um projeto muito próximo ao bolsonarismo que está quase ganhando as eleições. É muito estranho e difícil pensar todo esse ciclo… Mas, ao mesmo tempo, é interessante pensar que a Videobrasil lida, em um contexto global, com países ex-colônias, com territórios que ainda são colônias, e com os muitos processos de colonização — não só no sentido literal, mas econômico, midiático, e etc… Estava falando com uma artista que vai expôr aqui e que ressaltou que a bienal tem muitos trabalhos que lidam com uma certa ideia de “pulsão de vida”. Não é uma “bienal festeira”, mas é uma exposição que acredita que existe uma luz no fim do túnel, que traz algo esperançoso. Acredito que existe essa energia aqui, assim como em outros projetos que fiz e assim como no trabalho da Renée Akitelek Mboya, minha parceira na curadoria. Também é curioso como esse momento “pós-Bolsonaro” ecoa na exposição mas, ao mesmo tempo, ela inaugura em um momento muito difícil para a Palestina — é claro que tudo isso vai gerar leituras para as obras que estão aqui.

Agora, enquanto falamos, está na minha frente um trabalho onde se lê que “na vida, nenhuma memória se esquece de tudo até a morte.”. Provavelmente será também melancólico abrir essa exposição nesse momento da História em que, como você colocou, existem esses fantasmas. Eu acredito que uma exposição dessa dimensão deveria ter a função de trazer ao público estímulos e visões de mundo muito diferentes, mas também de alimentar alguma esperança às pessoas. Vivemos em um mundo tão trágico, no sentido das macro narrativas que se formam, que eu não gostaria, enquanto público, de entrar em uma exposição e ver a mesma narrativa, um “bater na mesma tecla”, que é uma forma de abraçar o desespero. Talvez seja um pouco romântico da minha parte, mas acredito que uma exposição de arte de grande escala se torna muito potente na medida em que mostra pro público que, apesar de o mundo poder ser muito problemático, é preciso ter alguma esperança para continuar seguindo e agindo sobre ele.

 

PF: O seu trabalho se preocupa em descentralizar ou “desconsolidar" as categorias de Sul Global e América Latina, o que eu acho fundamental, tendo em conta que vivemos uma altura muito ingrata, em que, ao mesmo tempo que essas regiões estão ganhando destaque nos sistemas das artes visuais e, cada vez mais, os seus artistas estão ocupando espaços importantes, é frequente que a condição para que isso aconteça é que eles se tornem espécies de “porta-vozes” de uma cultura específica. Ou seja, há espaços para esses artistas, mas desde que os seus trabalhos tragam um caráter identitário de certa cultura ou território, e isso pode ser limitador. Pensando nisso, como o trabalho da curadoria pode ir contra essa “tendência”?

 

RF: Não sei se seria exatamente a palavra “contra”, acho que é mais uma questão de bagunçar essas narrativas… Por exemplo, voltando um pouco para os Estados Unidos, acho que há muita essa expectativa que eu, enquanto brasileiro, trabalhe a arte na América Latina com artistas que falem só sobre as questões latino americanas. Acho que é importante haver espaço para os dois: artistas cujos trabalhos que tenham um caráter identitário evidente, ao lado de outros que intriguem, que não permitam a identificação de quais territórios geográficos o trabalho vem. Como você colocou, pode ser muito empoderador e decolonial (dar espaço a esses artistas), mas a depender do que é a prática de cada um deles, também pode ser muito colonizador (exigir que o trabalho se restrinja à uma experiência histórica/geográfica). É uma questão complexa e é preciso mostrar ao público essa complexidade das narrativas. Quando são artistas americanos ou europeus, vemos uma amplitude de narrativas e lugares onde eles podem ir — são pessoas que tem uma espécie de “direito” de falar sobre o que quiserem, sobre onde quiserem. Por que a gente não pode fazer o mesmo no Sul Global? Eu brinco que é o dilema do “Oscar de melhor filme Estrangeiro”, que são aqueles que obrigatoriamente precisam falar sobre questões locais. Por que não podemos ter um filme existencialista, tipo bergmaniano, filmado na Tailândia? Acho que é questão de entender que isso também acaba fazendo com que as pessoas que não se interessam em trabalhar sobre essas narrativas identitárias acabem perdendo espaço no mercado de arte internacional. É um trabalho de formiga. Há artistas incríveis que tem um lugar mais literal, no seu trabalho, no que toca a identidade, mas, quando temos a chance de fazer uma grande exposição, como uma bienal, é importante conseguir misturar as narrativas.

 

Raphael Fonseca

Bienal Sesc_Videobrasil

 

 

Paula Ferreira é escritora, fotógrafa e pesquisadora independente. Nascida em São Paulo, atualmente vive em Lisboa. É pós-graduada em Fotografia pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e em Estética pela FCSH NOVA. É fundadora de Aos Cuidados, projeto que abrange publicações impressas, exposições e workshops dentro de temáticas relacionadas ao acesso à saúde e aos direitos aos cuidados, sempre por uma perspectiva feminista, interseccional e transdisciplinar. Seu trabalho se desenvolve maioritariamente em uma pesquisa sobre formas de criação de espaços de diálogos e debates.

 

Este texto foi escrito em português do Brasil.

 

 

 





22ª Bienal Sesc_Videobrasil, Vistas gerais da exposição no Sesc 24 de Maio, São Paulo, 2023. Fotos: Ricardo Amado/Divulgação. Cortesia de Bienal Sesc_Videobrasil. 

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