Adrien Missika: Colónia (in)dependente
A mais recente inauguração na Galeria Francisco Fino apresentou não uma, mas duas exposições, ambas relacionadas, de maneiras diferentes, com a prática do artista francês Adrien Missika.
Enquanto o espaço principal da galeria se encontra ocupado pela primeira exposição individual do artista na galeria, o recentemente inaugurado espaço sem fins lucrativos, intitulado Belo Campo (uma tradução do apelido da mulher do artista, a também artista Sara Schönfeld), localizado na cave da galeria, reflecte o envolvimento e o interesse de Missika no potencial das instituições independentes. (Entre 2006 e 2014, Adrien Missika foi curador da galeria 1m3, um espaço artístico sem fins lucrativos em Lausanne, do qual era co-fundador). Embora divulgado como uma iniciativa, autónoma à prática dos artistas, e um projecto fluído que procura diversificar a programação da galeria e diferenciá-la da de outros espaços comerciais em Lisboa (aqui é importante notar que a Galeria Madragoa (Lisboa) também organiza uma linha paralela de exposições, no piso superior ao do espaço comercial), ao permitir que o artista “plante”, programe e sobretudo rotule este seu empreendimento como uma estrutura sem fins lucrativos na galeria, é difícil evitar a procura de um fio condutor conceptual, uma lógica ou mesmo uma metodologia que ligue as duas.
Para já, coloquemos de lado as políticas envolvidas no acto de acolher e financiar um espaço artístico sem fins lucrativos numa/por uma galeria comercial e a impossibilidade circunstancial de uma linha de programação e produção artísticas verdadeiramente independente dentro de um contexto que é naturalmente delimitado por uma rede evidente de interdependências, cujo objectivo inevitável é, de uma forma ou de outra, dirigido à comercialização da arte, seja este o próprio trabalho em si ou a interface da galeria, o que parece ser este o caso. Sugiro que nos foquemos na economia das relações sociais e culturais e na arquitectura social envolvida no acto de programar um espaço de arte independente, que até certo ponto pode ser simultaneamente percebido como a base da prática de Adrien Missika como artista.
O trabalho do artista residente em Berlim está intimamente ligado à questão da natureza e à sua observação através do prisma da cultura e da acção humanas. Embora muitos dos seus primeiros trabalhos convoquem uma espécie de melancolia e nostalgia, atribuindo à sua prática uma forte sensação de obsolescência, o corpo de trabalho mais recente do artista, bem como a presente exposição Demain, Stabilisation, manifestam, pelo contrário, uma certa ironia e introduzem uma linguagem de que é característica um sentido de humor subtil. Isto permite que os trabalhos se tornem objectos de reflexão (pessoal) sobre o tema da ecologia, sobre os efeitos da exploração ambiental e o seu impacto, e a consequente transformação dos organismos vivos ou do contexto que estes habitam. A exposição pode ser vista em quatro momentos - quatro trabalhos que, através do seu display, sugerem duas instalações que se intersectam, numa relação de intercâmbio de causa e efeito. A primeira, composta por três trabalhos, aborda a contaminação agrícola e a polinização livre (Better Safe Than Sorry), a segunda reflecte sobre as tentativas absurdas de combater ou reduzir os impactos das alterações climáticas na vida quotidiana (Relative Naive), e por fim a terceira avalia o impacto das mutações “operadas pelo homem” sobre a natureza e a psique humana, cujos vários níveis são medidos por um psicrómetro - instrumento utilizado para medir os níveis de humidade -, aplicado neste caso pelo artista como um barómetro que mede as alterações de humor que ocorrem em reacção às alterações do clima (Plus ou Moins (Psychometric Portrait)).
Longe de ser relacional, no sentido de um esforço participativo (para além de um saco com sementes de polinização livre que o visitante pode levar para casa e plantar), a própria génese do trabalho aponta para uma rede complexa de relações sociais, económicas e políticas, que continuamente transformam o espaço entre si, gerando ao mesmo tempo novas interdependências e formas de arquitectura social (obviamente destruindo ou afectando seriamente as já existentes), cuja transformação reflecte não apenas sobre o contexto, mas também, e sobretudo, sobre os sujeitos que o habitam; seja esta a atmosfera emocional dos seus habitantes ou o fluxo metabólico interrompido, dentro do respectivo contexto habitado. A quarta e última parte da exposição, intitulada Colony Collapse Disorder, chama a atenção para um dos muitos efeitos que a exploração ambiental e as alterações climáticas têm sobre as espécies, neste caso em colónias de abelhas, uma das muitas espécies que se tornou num exemplo do modo como a acção humana actua sobre o ambiente.
Tomando a economia das relações sociais e culturais e a arquitectura social como um ponto de partida, uma metáfora, um objectivo ou um subproduto, que é o caso do institucionalismo independente, parece existir um fio que liga, de muitas formas, a exposição de Adrien Missika (a sua prática enquanto artista) e a inauguração de Belo Campo com a exposição individual da artista suíça Gina Folly, cujo trabalho assenta na análise de fenómenos culturais. Evidentemente, só no futuro poderemos ver o que a programação deste espaço trará. Por agora ficamos com a promessa de que esta poderá ajudar na diversificação da paisagem da arte contemporânea de Lisboa. Embora esta diversidade dificilmente alimente uma ideia genuína de um ecossistema institucional variado (com espaços geridos por artistas, verdadeiramente sem fins lucrativos e projectos curatoriais independentes), a exposição de Gina Folly é a promessa de uma actividade curatorial diferente e que, de alguma forma, estava em falta. Uma actividade que, se for tão ousada como é o trabalho do artista e a sua exposição actual, resultará inevitavelmente numa nova (e dinâmica) colónia que valerá a pena acompanhar.
Markéta Stará Condeixa
Curadora e crítica de arte, Markéta Stará Condeixa (1985) vive e trabalha entre Praga, na República Checa e Lisboa. É fundadora e curadora do projecto SYNTAX - um espaço independente sem fins lucrativos, em Lisboa, dedicado à apresentação e produção de práticas artísticas contemporâneas. Contribuiu com os seus textos para inúmeras publicações, como a Manifesta journal, Afterall ou SZUM magazine. Colabora regularmente com a Artforum, Flash Art CZ/SK e A2magazine.
Tradução do inglês por Gonçalo Gama Pinto.
(In)dependent Collony
The latest opening at Francisco Fino Gallery introduced not one, but two exhibitions, both in their own way, tied to the practice of French artist Adrien Missika. While the main space of the gallery was devoted to the first solo presentation of the artist’s work at the gallery, the newly opened, not for profit space, entitled Belo Campo (a translation of artist’s and Missika’s wife’s Sara Schönfeld´s surname), and located in the basement of the gallery, echoes Missika’s involvement and interest in the potential of independent institutionalism. (Between 2006-2014 Adrien Missika was the co-founder and curator of 1m3 gallery, a not for profit art space in Lausanne). Although communicated as an initiative, autonomous of the artists’ practice, and rather as a fluid project that diversifies and differentiates the programming of the gallery, from other commercial spaces in Lisbon (it is important to note that Galeria Madragoa (Lisbon), also runs a parallel line of exhibitions, above its commercial space), by enabling its artist to “plant”, programme and most importantly to label this endeavour as a not for profit structure at the gallery, it is hard to avoid a search for a conceptual thread, a logic, or even a methodology binding the two.
For the moment, lets set aside the politics involved in the act of hosting and funding a not for profit art space at/by a commercial gallery, and the circumstantial impossibility of a truly independent line of programming and artistic production, within a context that is naturally lined with an evident thread of interdependencies, the inevitable goal of which is, in one way or the other, directed towards the commodification of art, may this be the work itself, or the interface of the gallery, which in this case seems to be the case. I suggest that we instead focus on the economy of social and cultural relations and the social architecture, involved in the act of programing an independent art space, which can simultaneously be to a certain extent, perceived as the foundation of Adrien Missika’s practice as an artist.
The work of the Berlin based artist is closely tied to the subject of nature and to its viewing through the prism of culture and human action. While much of the artist’s earlier works convey a sense of melancholy and nostalgia, assigning to his practice a strong feeling of obsolescence, Missika’s recent body of work, as much as the present exhibition Demain, Stabilisation, instead, manifest a sense of irony and introduce a language, for which subtle humour is characteristic. This allows for the works to become subjects of ones (personal) reflection up on the subject of ecology, up on the effects of environmental exploitation and the impact of such exploitation, up on the consequential transformation of living organisms, or the context, which they inhabit. The exhibition can be viewed in four moments – four works, which through their display are suggestive of two intersected installations, viewed in interchanging relation of cause and effect. The first, comprising of three works, which deal with agricultural contamination and open-pollination (Better Safe Than Sorry), the second reflecting on the absurd attempts to combat or reduce the impacts of climate change up on daily life (Relative Naive), and finally the third, examining the impact of “man-made” mutations in nature, up on the psyche of the human, the various levels of which, are measured with a psychrometer - an instrument used to evaluate levels of humidity -, applied in this case by the artist, as a barometer to measure mood swings that occur as a reaction to climate change (Plus ou Moins (Psychometric Portrait)).
Although far from relational in the sense of a participatory endeavour (besides of a bag of open-pollinated seeds, which the visitor is free to take home and plant), the very foundation of the work suggests to a complex web of social, economical and political relations, which continuously transform the “space in-between”, while generating new sets of interdependencies and new forms of social architecture (and obviously destroying or seriously harming existing ones), the transformation of which, reflects not only on the context, but also, and most importantly, up on the subjects, which it inhabits; may this be the emotional atmosphere of its inhabitants, or the interrupted metabolic flow, within the context respective inhabitants ocupy. The final, fourth part of the exhibition entitled Colony Collapse Disorder, brings our attention to one of the many effects environmental exploitation and climate change has on species, in this case the colonies of bees – one of the many species that has become a deterrent example of human action up on the environment.
Taking the economy of social and cultural relations and of social architecture as a point of departure, as a metaphor, as a goal or as a complimentary by-product, which is the case of independent institutionalism, a thread between the exhibition of Adrien Missika – his practice as an artist - and the opening of Belo Campo with the solo exhibition of Swiss artist Gina Folly, whose work is rooted in examining cultural phenomena, in many ways ties the two together. We will of course only see what the future programming of the space will bring, for now we are however left with a promise that might help and diversify the content of the Lisbon contemporary art landscape. Although this diversity is hardly feeding a real idea of a varied institutional ecosystem (with real notprofit – artist run spaces and independent curatorial projects), the exhibition of Gina Folly, is a promise of a different and a somewhat lacking curatorial activity. An activity, which, if as bold as the work of Adriend Missika and his present show, will inevitably result in a new (and buzzing) collony worth keeping an eye on.
Markéta Stará Condeixa
Fotografias: ©photodocumenta.