10 / 16

Pele e Pedra

IMG_0459.jpg

Ana Rito, Pele e Pedra, Forte da Graça, Elvas. © Fotografias: Revista Contemporânea.

Sérgio Fazenda Rodrigues

Pele e Pedra é uma exposição que apresenta um conjunto de 10 filmes e vídeos de Ana Rito nas instalações do Forte da Graça, em Elvas. Estas obras, que têm origem em anos diferentes, integram a Coleção António Cachola e vêm a sua exibição enquadrada na celebração dos dez anos do M.A.C.E. A exposição assinala a primeira vez que o antigo forte acolhe uma intervenção desta natureza, promovendo um diálogo estimulante entre o património histórico edificado e a arte contemporânea.

A curadoria de Isabel Nogueira torna claro o princípio que organiza o conjunto e reforça aquilo que aproxima cada obra às restantes. A exposição demarca-se, assim, pela consistência do trabalho da artista, pelo tipo de relação que estabelece com o espaço e com o observador, e pelo afinado rigor da sua montagem.

Ana Rito investiga a presença do corpo e da imagem. E quando atenta aos modos de perceção e a uma ideia de permanência, pesquisa também as relações que se estabelecem com o tempo e com o espaço. A referência do título à pele e à pedra, invoca a sucessão de estratos e a densidade que compõe a matéria mas, também, a maneira como a artista aborda o seu trabalho.

Na forma como cada obra é concebida, produzida e apresentada, articula-se uma reflexão sobre o escultórico, o videográfico e o fílmico que, de modo firme e gradual, se tem vindo a compor ao longo dos anos. E recorrendo a vários métodos, como a possibilidade de filmar sem ensaio, ou o uso dos mesmos atores, exploram-se várias possibilidades que expandem os seus campos de ação. Nas suas obras, o campo da imagem, do som e do movimento, são camadas comunicantes que cruzam papéis, referências e modos de operar. A pesquisa que organizam, encontra no Forte da Graça, ou na maneira como este possibilita a sua leitura, uma outra experiencia que reforça o sentido inicial.

Nestas obras a figura humana está predominantemente sozinha e em tensão. A ação surge de uma relação com o meio e com os objetos que o povoam, frequentemente reportados ao corpo. E a forma como a luz se molda reforça a expressividade da matéria, que já é acentuada.

No que vemos, Ana Rito explora a plasticidade das imagens e trabalha uma ideia de materialidade. Mas no que ouvimos, a artista explora a natureza do som e trabalha com um lado imaterial, que por vezes se torna espectral ou fantasmático.

O som é pensado como um corpo fluido que preenche os corredores do forte e que, subtilmente, anuncia, firma e prolonga a presença de cada obra. E embora o som “venha de dentro” e seja quase sempre intrínseco à filmagem, ou àquilo que em cada obra se está a captar - específico ao espaço e a quem que dá corpo às ações, há um ambiente geral de dormência, que é comum à quase totalidade dos trabalhos. Uma espécie de rumor hipnótico, transversal, que esbate fronteiras e nos faz deambular, mas que, passo a passo, nos puxa cada vez mais para dentro da exposição.

Os filmes e vídeos de Ana Rito são como excertos de algo maior. Algo que não tem princípio nem fim, e se afasta de uma ideia narrativa. Em cada um assistimos ao desenrolar de uma atividade, tendencialmente contínua, que confere um tempo indefinido àquilo que é mostrado.

As figuras que habitam os ecrãs aproximam-se do observador por estarem perto do seu tamanho real, mas nesta exposição a perceção é trabalhada em estreita colaboração com a arquitetura do edifício. O posicionamento de cada obra e o vazio que entre elas se cria, provém de um tempo de percurso, mas também do gerir da luz, da acústica, e da dimensão de cada recinto. O resultado é, assim, fruto de um equilíbrio entre aquilo que cada obra oferece e aquilo que cada local potencia.

Veja-se o exemplo marcante da primeira obra que nos recebe Semi-Panoramic Sea Concert, 2010, e que está posicionada no interior de uma capela, de portas abertas, no topo da escadaria. O som que ouvimos convida à proximidade, mas é aquilo que se vislumbra ao fundo que, de forma intrigante, cativa a nossa atenção. Aqui, a escala e a intensidade das imagens emerge da obra mas, também, daquilo que o espaço promove e do que, em conjunto, se encena.

Nos seus filmes e vídeos, de forma poética, Ana Rito demarca uma apurada convivência entre coisas opostas. É o caso do exemplo já mencionado, com o harmonioso orquestrar das águas revoltas Semi-Panoramic Sea Concert, 2010, mas também da solidez de uma figura pétrea que se opõe ao movimento da corrente Pleura, 2015, dos corpos de duas mulheres que se contorcem na areia como peixes fora de água Aktion, 2010, ou de um busto feito de gesso, material de caráter transitório, que ganha o protagonismo de uma aparente intemporalidade Le Mot et le Fantôme, 2015 e Amatoria, 2015.

Dir-se-ia, então, que o trabalho de Ana Rito equaciona uma permanência, ligada ao corpo e ao espaço, que é trabalhada por via de uma impermanência, ligada ao medium e ao tempo. Isto é, com um suporte imaterial, lida-se com a presença da matéria e com o seu perecer.

Pele e Pedra remete-nos, assim, para uma existência física que é simultaneamente etérea. Esta é uma exposição que pede tempo e recusa o fugaz e é, também, essa condição que, nas suas obras, cria uma aliciante estranheza entre a existência e a duração das coisas. Uma estranheza que atravessa a exposição, que se entranha no visitante e que, subtilmente, instala uma melancolia sedutora.

 

Sérgio Fazenda Rodrigues

Arquitecto e Mestre em Arquitectura (Construção), foi doutorando em Belas Artes e é doutorando em Arquitectura, onde investiga as relações espaciais entre Arquitectura e Museologia. Faz curadoria de arquitectura e artes visuais e integrou a direcção da secção portuguesa A.I.C.A. Desenvolve com João Silvério e Nuno Sousa Vieira, o projecto editorial Palenque. Foi consultor cultural do Governo Regional dos Açores, tendo a seu cargo, nesse período, a construção da coleção de arte contemporânea do Arquipélago – C.A.C. 

 

Ana Rito

Colecção António Cachola

M.A.C.E.

IMG_0460

Ana Rito, Pele e Pedra, Forte da Graça, Elvas. © Fotografias: Revista Contemporânea.

IMG_0457

Ana Rito, Pele e Pedra, Forte da Graça, Elvas. © Fotografias: Revista Contemporânea.

IMG_0453

Ana Rito, Pele e Pedra, Forte da Graça, Elvas. © Fotografias: Revista Contemporânea.

Voltar ao topo