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Zheng Bo: The Soft and Weak Are Companions of Life 柔弱者生之徒

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Cristina Sanchez-Kozyreva

 

Fetos (d)e desejo

 

Caso não tenha ainda pensado sobre a sua relação sexual com plantas, a primeira exposição individual de Zheng Bo na Kunsthalle Lissabon (patente até ao final de Agosto) oferece a oportunidade perfeita para o fazer. Nela podemos ver uma série de quatro vídeos intitulada Pteridophilia, numerados de 1 a 4, e um conjunto de desenhos a lápis sobre papel, Drawing Life. A apresentação das duas séries está dividida por dois espaços na cave da Kunsthalle. No primeiro, estão os desenhos emoldurados sob suaves focos de luz e agrupados em dois conjuntos de nove. No segundo, grandes almofadas recebem os visitantes para uma projecção dos quatro vídeos em loop (a duração dos vídeos varia entre os 15 e os 20 minutos).

Zheng começou a série Pteridophilia, que se deve entender como o amor (-philia) por fetos (pterido-), em Taiwan no ano de 2016. Os filmes passam-se numa floresta tropical onde jovens homens nus têm diversos tipos de interacções demoradas com fetos, que vão do sensual ao pornográfico. Uma residência que Zheng fez na ilha esteve na origem desta série. O âmbito da pesquisa de Zheng Bo abrange comunidades marginalizadas — pelo prisma de plantas marginalizadas —, mas também longas caminhadas na natureza e a observação da fauna e da flora que o rodeiam. Em casa, em Hong Kong, ele estuda a natureza na ilha de Lantau, onde vive. Em Taiwan, deparou-se com várias espécies do feto taiwanês. Na ilha a planta tem sido ignorada ao longo da história, mas para Zheng possuía qualidades estéticas e biológicas.

Sem flores, os fetos reproduzem-se soltando esporos. A sua sexualidade está de certo modo ocultada, tal como muitas outras questões subtis que surgem ao longo do trabalho.

No primeiro vídeo, seis homens jovens entram na floresta nus colocando os seus corpos em contacto com a vegetação. Depois, cada um nos seus respectivos lugares, começam a acariciar-se a si mesmos e aos fetos. Gestos sensuais, bocas que beijam folhas, mãos e dedos pulsando pela folhagem, os jovens estão claramente excitados. Mas nesta primeira versão de Pteridophilia (apresentada aqui como uma história em quatro capítulos, o quinto e o sexto foram aparentemente incluídos nos trabalhos), há uma  ligeira falta de convicção ao desejo ou à química, apesar da forte carga erótica e da nitidez do clímax. Demonstra, no entanto, algum humor, como uma espécie de leve preâmbulo, expondo desde logo a beleza hipnotizante dos elementos naturais em que as cenas se desenrolam.

O segundo filme merece especial destaque. Ocupando uma categoria eco-pornográfica muito própria, mostra um homem a montar um grande feto, roçando-se nele apaixonadamente e gemendo, lambendo as suas partes mais pequenas como se fossem uma multiplicidade de órgãos sexuais. Ele também cheira a terra em que a planta se encontra e leva-a à cara. Por sua vez, a câmara toma muitas vezes a perspectiva da planta, como se fosse um parceiro sexual participante que, daquele ângulo, é também o espectador. Abundam oportunidades para um vasto leque de empatias. O olhar do espectador segue o focar e desfocar alternado do plano de fundo, indo do detalhe ao plano aberto, alternando os pontos de vista. Depois do clímax, o homem devora a planta num gesto extasiado, febril, de derradeira comunhão (ficamos a saber que algumas espécies de fetos são comestíveis). Pornográfico, ecológico, ritualístico, o vídeo combina uma riqueza de possíveis caminhos a seguir.

O terceiro vídeo é mais educativo, especialmente se o conhecimento ambicionado anda à volta de práticas BDSM com plantas. Aqui é oferecido ao espectador uma espécie de catálogo visual: pele pressionada contra picos (ficamos a saber que algumas espécies de fetos têm picos), ramagens que espancam, trepadeiras atadas ao pénis, asfixia, urina, e por aí fora. Depois da introdução de notas queer e de sexo com plantas nos primeiros dois vídeos, o capítulo BDSM de Zheng, ao encenar uma prática sexual assumidamente secreta, começa por dar forma a um retrato-vídeo de um mundo em que a sexualidade com plantas poderia ser a norma, com as suas práticas alternativas associadas.

No último vídeo, Zheng filma muitos retratos de rebentos de fetos, detendo-se nas suas formas fortes mas delicadamente desenhadas e geométricas, especificamente as dos fetos arbóreos. Dois homens acariciam-nos juntos em êxtase. Talvez este seja o capítulo do ménage à trois desta viagem educacional. Prevalece uma sensação de abandono, bem como de juventude e contemplação, reforçada pelo toque sexualizado nos caules.

Quanto aos desenhos na exposição — esboços de diferentes tipos de plantas —, parecem supérfluos no espaço. Contudo, lançam luz sobre a prática de Zheng Bo, que integra a natureza no seu trabalho de formas mais variadas do que as que são perceptíveis apenas nos seus vídeos. 

Juntos, os filmes surgem como um estudo sobre práticas sexuais com fetos, do amor romântico ao BDSM. Ao expor tudo como uma superfície sensual, peles e plantas parecem utilizar a excitação como um modo de comunicar, uma ideia que expande a mente. O ambiente é eco-queer, original do trabalho de Zheng. O prazer aqui é de natureza sexual, mas advém também do estar na selva, com os seus raios de sol quentes que perpassam os tons de verde, aliado aos sons de um ribeiro que corre perto, o chilrear e zunir de insectos e pássaros, e o ocasional ruído das folhas levantadas por uma brisa.

Este prazer é estival e sensual, mas em última análise faz parte de um outro sentido extático: o da conexão com a natureza.

Para interpretar estas histórias, somos convidados a alterar o nosso olhar do seu habitual eixo antropocêntrico para um outro mais geral, aquilo a que os poetas chamam de cosmos, ou antes “Dao”, o princípio absoluto que estrutura o universo, muitas vezes referido por Zheng.

Para além do Dao, que aceita a manutenção da harmonia com a ordem natural, a defesa da natureza na nossa actual filosofia mundial dominante é uma posição política. Fazê-lo de uma maneira alternativa consolida ainda mais essa posição. Pelo contrário, os protagonistas destes vídeos são leves, despiram-se das suas ideias pré-concebidas, das convenções da sociedade e do julgamento moral, para literalmente escaparem nus pelos bosques e se tornarem unos com a natureza. Aqui esta comunhão é sexualizada, mas tal serve apenas para enfatizar o facto de que o elo com a natureza é, a um nível primitivo (pelo menos mais do que construções, românticas ou de outra espécie), característico do sexo entre humanos. Por um lado, podemos ver estes trabalhos e colocar questões sobre a nossa própria sexualidade e as nossas relações com os nossos corpos, por outro, podemos reflectir sobre a nossa relação com a natureza e a relação dos nossos corpos com isso.

Em última análise, expor, documentar ou até apenas imaginar estas práticas sexuais e pornográficas ocultas, é simultaneamente confuso e um isco eficaz para nos convidar a desenvolver uma reflexão mais profunda sobre as nossas actuais prioridades ambientais e sobre o lugar que ocupamos, enquanto humanos, no planeta.

 


 

Zheng Bo

Kunsthalle Lissabon

Cristina Sanchez-Kozyreva é uma autora com experiência em relações internacionais e estratégia. Viveu na Ásia durante 15 anos. Actualmente trabalha e vive entre Lisboa e Hong Kong. É co-fundadora e editora-chefe da revista de arte Pipeline, com sede em Hong Kong (impressão 2011-2016). Contribui, regularmente, para várias publicações na Ásia, Europa e EUA, como Artforum, Frieze e Hyperallergic.

 

Traduzido do inglês por Gonçalo Gama Pinto.

 

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Zheng Bo: The Soft and Weak Are Companions of Life 柔弱者生之徒-. Vistas da exposição na Kunsthalle Lissabon. Cortesia do artista e Kunsthalle Lissabon. Fotos: Bruno Lopes.

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