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MACE - Colecção António Cachola Dez anos, dez comissões – coleccionar é conhecer

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Luísa Santos

O MACE - Museu de Arte Contemporânea de Elvas, que é a casa da Colecção António Cachola, celebra este ano uma década de existência. Há dez anos, Portugal, como o mundo, conhecia o eclodir de uma crise financeira que viria a originar, num efeito dominó, diversas crises pequenas e locais que se multiplicariam nos conflitos de várias ordens que determinam o mundo que conhecemos hoje.

Iniciada nesta contingência, a apresentação da Colecção António Cachola no MACE desenvolveu-se num conjunto de escolhas que traduziram um acto de comprometimento individual que aponta para a etimologia da palavra colecção – do latim collectio, refere a noção de conjunto de coisas agrupadas mediante um sentido; do grego legein, diz respeito a reunir e a listar, ideias que implicam tanto de leitura quanto de compreensão. Na verdade, uma das escolhas que marcam a identidade desta colecção é o seu desejo de partilha através de uma instituição museológica (o MACE), numa conduta que acarreta uma responsabilidade pública, de interpretar e representar – e também de ler e compreender - um determinado espaço-tempo nas suas configurações sociais, culturais e económicas através da arte.

O início das aquisições, nos primeiros anos da década de noventa, testemunham estas percepções a partir da década de oitenta em Portugal, uma década marcada a nível económico e artístico no nosso país. Em 1986, Portugal aderiu à então CEE, com as promessas do projecto Europeu e com um entusiasmo colectivo pela entrada de muito dinheiro. Ao nível do sistema da arte, na mesma década, momentos como a abertura de várias galerias, a inauguração do CAM, em Lisboa, e o projecto da Casa de Serralves, no Porto, representaram esta conjuntura económica, num entusiasmo pelo mercado da arte contemporânea. Este entusiasmo não se reflectiu, contudo, na internacionalização de artistas portugueses. Se por um lado, as galerias levavam os seus artistas a feiras de arte como a ARCO, em Madrid, a participação portuguesa na Bienal de Veneza – um papel que pertencia ao Estado – cessou quase uma década, entre 1986 e 1994. Já a participação na Bienal de São Paulo, também da responsabilidade do Estado, foi delegada a uma instituição privada, a Fundação Calouste Gulbenkian, até 1996.

Outra escolha igualmente importante no desenho da identidade da Colecção António Cachola foi o compromisso com a produção artística em Portugal, numa clara atenção para com a actualidade mas também num reconhecimento do papel da arte contemporânea na construção do futuro. A primeira produção feita pela Colecção foi, na verdade, uma reconstrução. A Sagrada Família (1982), de Rui Sanches (Lisboa, 1954) teve que ser destruída depois da sua apresentação no contexto da exposição de finalistas na Universidade de Yale (EUA), por falta de fundos para o transporte para Portugal. Reconhecendo a relevância deste trabalho no contexto nacional, António Cachola encomendou a reprodução da obra a Rui Sanches, uma decisão que teve uma grande importância no percurso do artista que continuaria sua investigação e interpretação do trabalho de Nicholas Poussin (1594-1665) na exposição individual Et in Arcadia Ego (1986), na Galeria Diferença.

A esta (re)produção, seguiram-se outras como duas encomendas a Fernanda Fragateiro (1962, Montijo), num pedido de resposta à especificidade física do MACE, pela relação constante e fundamental da artista com a arquitetura. Esta relação está também muito presente no trabalho de José Pedro Croft (1957, Porto), a quem foram encomendadas quatro esculturas a partir de cantos das paredes do MACE. Recentemente, a co-produção do Tacet (2014), de João Onofre (1976, Lisboa), revela um interesse continuado no acompanhamento do percurso dos artistas - António Cachola foi o primeiro comprador do trabalho de Onofre, em 1997, quando o artista ainda era estudante na Faculdade de Belas-Artes. Também em 2014, produziu a Brigadas do SAAL, de Ângela Ferreira (1958, Moçambique) para a exposição sobre o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), com curadoria de Delfim Sardo e apresentada na Fundação de Serralves entre Outubro de 2014 e Fevereiro de 2015.

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João Onofre. Tacet, 2014. Chiado 8. Lisboa, 2015. Cortesia do artista e Colecção António Cachola.

Não será assim de estranhar que, para celebrar a década de existência do MACE, com a Colecção que alberga e que lhe confere a sua identidade, tenha sido recuperada a ênfase no compromisso de produzir novos trabalhos artísticos através de um conjunto de comissões. A unicidade desta decisão reside em tratar-se de um projecto curatorial. O projecto de Ana Cristina Cachola consiste em dez comissões a dez artistas com idades até aos 40 anos que ainda não estejam representados na Colecção - a dupla Mariana Caló & Francisco Queimadela (1984, Viana do Castelo e 1985, Coimbra), Ana Santos (1982, Espinho), Andreia Santana (1991, Lisboa), Claire de Santa Coloma (1983, Buenos Aires), Mariana Silva (1983, Lisboa), Pedro Neves Marques (1984, Lisboa), Luís Lázaro Matos (1987, Évora), Rita Ferreira (1991, Óbidos), Joana Escoval (1982, Lisboa) e Diana Policarpo (1986, Lisboa) -, numa selecção feita por Ana Cristina Cachola, Filipa Oliveira e João Laia, curadores que têm vindo a desenvolver - como a Colecção António Cachola - um trabalho sustentado com jovens artistas em Portugal.

Estas comissões são ancoradas, por um lado, no incentivo à produção artística num espaço-tempo marcado pela precariedade no qual as boas práticas parecem residir apenas no domínio do estudo teórico e, por outro lado, no compromisso de apresentação pública desta produção em projectos curatoriais, ambos marcas da identidade da Colecção António Cachola. Uma parte dos trabalhos serão apresentados, um a um ou em pares, no âmbito da programação do Fórum Eugénio de Almeida, em Évora, com curadoria de Filipa Oliveira e outra parte será apresentada colectivamente a partir de 29 de Novembro deste ano na Galeria Municipal do Porto, no âmbito de uma exposição da Colecção António Cachola a convite da Câmara Municipal do Porto, com curadoria de João Laia. A par das comissões, fazem parte das comemorações dos dez anos do MACE um conjunto de acções temáticas, o lançamento de publicações e projetos curatoriais a serem apresentados no MACE, com curadoria de João Silvério, no Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo (MEIAC) de Badajoz, com curadoria de João Silvério e de Antonio Franco, bem como noutros espaços da cidade de Elvas, do Alentejo e Sul de Espanha, em Lisboa e no Porto.

A colaboração inter-institucional tem vindo a ser adoptada internacionalmente desde os novos institucionalismos do início deste século como uma metodologia para reflectir sobre as políticas de financiamento e da criação dos lugares que Charles Esche descreveu como espaços activos entre o centro comunitário, o laboratório e a academia, mas também para questionar o (não) sentido de trabalhar individualmente num contexto contemporâneo que Gayatri Spivak denominou de planetário, no qual as fronteiras disciplinares se esbatem, no qual não há lugar para divisões cartográficas do mundo mas no qual diferentes identidades coexistem em relações de várias ordens, mais ou menos conflituosas.

Assente neste entendimento do mundo, este projecto curatorial de dez comissões implica uma história de dez anos de ampliação da geografia cultural de Elvas para fora dos limites de uma localidade física e para um posicionamento contemporâneo.

O que a Colecção António Cachola nos ensina é que coleccionar na contemporaneidade perpassa a noção de agrupar em conjunto para o domínio da leitura, da interpretação e da compreensão do mundo. Muito mais do que produzir fisicamente objectos artísticos trata-se de criar as condições para o que estes objectos, no seu melhor, implicam – produção de conhecimento.

 

Luísa Santos

Curadora Independente e Professora Auxiliar na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica, em Lisboa, desde 2016, tendo-lhe sido atribuída uma Gulbenkian Professorship. Doutorada em Estudos de Cultura pela Humboldt-Viadrina School of Governance, Berlim (2015), com bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Mestre em Curadoria de Arte Contemporânea pela Royal College of Art, Londres (2008), com Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, e licenciada em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (2003), tendo também feito investigação em Práticas Curatoriais na Konstfack University College of Arts, Crafts and Design, Estocolmo (2012).

a autora escreve de acordo com a antiga ortografia

 

Colecção António Cachola

MACE - Museu de Arte Contemporânea de Elvas

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Ângela Ferreira, vista da exposição "Ângela Ferreira e Fernanda Fragateiro". Chiado 8. Lisboa, 2015. Cortesia da Colecção António Cachola.

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Fernanda Fragateiro, vista da exposição "Ângela Ferreira e Fernanda Fragateiro". Chiado 8. Lisboa, 2015. Cortesia da  artista e Colecção António Cachola.

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José Pedro Croft. Vista da exposição. Chiado 8. Lisboa, 2017. Cortesia da Colecção António Cachola.

PROGRAMA 10 ANOS MACE [2007-2017]

Programa comemorativo dos 10 anos de fundação do MACE - Museu de Arte Contemporânea de Elvas, instituição museológica que acolhe desde a sua fundação, a 8 de julho de 2007, a Coleção António Cachola. É promovido pela Câmara Municipal de Elvas e a Coleção António Cachola, com a parceria de entidades públicas e privadas, portuguesas e espanholas, como a Fundación Caja Badajoz, Fundação Eugénio Almeida e Galeria Municipal do Porto. O programa decorre até 2018 e integra iniciativas temáticas, o lançamento de publicações e projetos expositivos a serem apresentados no MACE, noutros locais da cidade de Elvas, do Alentejo, Estremadura Espanhola e no Porto.

PROJETOS ESPECIAIS

10 ANOS MACE | 10 COMISSÕES | 10 JOVENS ARTISTAS

Ana Santos, Andreia Santana, Claire Santa Coloma, Diana Policarpo, Joana Escoval, Luís Lázaro de Matos, a dupla Mariana Caló e Francisco Queimadela, Mariana Silva, Pedro Marques e Rita Ferreira.

Coordenação: Ana Cristina Cachola, Curadora e investigadora

Comité de seleção: Filipa Oliveira, Curadora [Fórum Eugénio de Almeida] e João Laia, escritor e curador independente.

EXPOSIÇÕES

Programa de exposições em curso até 2018 na cidade de Elvas, que se estende a outras localidades do País e a Espanha, onde os curadores João Silvério, Antonio Franco, Ana Cristina Cachola e João Laia apresentam projetos expositivos desenvolvidos a partir de obras da Coleção António Cachola.

30 de abril a 25 de junho

TODAS AS NOITES, Rui Serra

Curadoria: Ana Cristina Cachola  

MACE - Museu de Arte Contemporânea de Elvas

8 de junho a 30 de setembro

PELE E PEDRA, Ana Rito

Curadoria: Isabel Nogueira  

Forte de Nossa Senhora da Graça, Elvas

8 de junho a 15 de setembro

COLEÇÃO ANTONIO CACHOLA MACE E MEIAC

Curadoria: João Silvério e Antonio Franco

Edifício Badajoz Siglo XXI, Badajoz

12 de junho a15 de julho

10 ANOS DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE ELVAS

Curadoria: João Silvério e Antonio Franco

Centro Cultural da Fundación Caja Badajoz, Mérida

14 de junho a 31 de julho

10 ANOS DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE ELVAS

Curadoria: João Silvério e Antonio Franco

Capela de São João de Deus, Olivença

8 de junho a 31 de dezembro

UMA COLEÇÃO = UM MUSEU [2007-2017]

Curadoria: João Silvério

Exposição a partir de obras da Coleção António Cachola que tem como ponto de partida o MACE, prolonga-se a mais oito espaços na cidade de Elvas e a três outros polos culturais do Alentejo.

9 de julho    [Fundação Eugénio de Almeida, Évora]

14 de julho  [Fórum Cultural de Almodôvar]

15 de julho  [Castelo de Sines e Igreja de Nª. Sra. das Salvas]

29 de novembro 2017 a 11 de fevereiro 2018

COLEÇÃO ANTÓNIO CACHOLA

Curadoria: João Laia

Galeria Municipal do Porto

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