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João Seguro

Sérgio Mah (org.) - Ângelo de Sousa – Cadernos de Imagens

Publicado pela Tinta da China este magistral Ângelo de Sousa – Cadernos de Imagens, com organização de Sérgio Mah, é sem dúvida um dos acontecimentos editoriais do ano, no que à edição e publicação de livros de arte diz respeito. Um momento de particular atenção às singularidades menos exploradas da obra do artista, este volume tem como objeto a prática fotográfica de Ângelo de Sousa entre 1968 e 2006. Este trabalho de reapreciação crítica da importância da fotografia (e do filme) na obra de Ângelo de Sousa iniciou-se em 2001 com a exposição Sem Prata (com curadoria de João Fernandes e Miguel Wandschneider) em Serralves e continuou com a exposição Encontros com as Formas - Fotografias e filmes de Ângelo de Sousa que teve lugar na Galeria da Fundação EDP no Porto em 2014, comissariada por Mah, e da qual se verte uma parte do material que dá corpo a este volume.

Organizado em oito cadernos nomeados de A a H, cada uma das partes deste volume elabora, como Sérgio Mah explica na apresentação, uma incursão a uma “série específica ou agregado temático ou inclinação formal recorrente no imaginário do artista”. Desta forma, vemos a organização ser compartimentada por A – Auto-retrato, 1971-72; B – Rua da Alegria, 1968-1972; C – Cabelo, 2000; Sem-título (várias de 1974 a 2006; Corda, 1976 e Papiro de 1980; D – Sem-título (várias de 1974 a1983); A Mão Esquerda (1ª série), 1975-1976 e Mão Esquerda de 1976; E – com várias Sem-título de um período alargado que vai de 1978 a 2006; F – com as duas partes do conjunto dos Slides de Cavalete, 1978-79; G – com Sem-títulos vários de 1967 a 2006 e finalmente H – com o grupo a que o artista chamou de Epifanias e que se enquadra num arco temporal entre 1967 e 1998.

Os princípios orientadores desta organização são explicitados em pequenos textos na abertura de cada um dos livros, guiando desta forma o leitor na observação e análise dos vários agregados temáticos, que cimentam também a informação contida no texto que incluído no caderno A dá conta de todo o processo de seleção e organização deste espólio fotográfico. A leitura que Sérgio Mah faz destas coleções de imagens é reconhecidamente devedora do trabalho de investigação que foi feito por Paula Pinto e Miguel Wandschneider aquando da preparação de Sem Prata e também à entrevista que, como substituto de um qualquer texto explicativo, foi publicada nesse mesmo volume de Serralves: “Felicidade no gatilho: entrevista a Ângelo de Sousa” pelos curadores da exposição.

Uma das vertentes deste trabalho de compilação, edição e sequenciação, proposto por Mah (e apoiado pelo NEÂdS – Núcleo de Estudos Ângelo de Sousa) é precisamente a de renovar as circunstâncias de receção da obra do artista. Explica-nos Mah que “O trabalho de Ângelo de Sousa sempre se situou na confluência e interacção entre as contingências da experiência e da experimentação. Ambas se confundem, dando a perceber como o trabalho é, de certo modo, uma reacção vivencial e sensível às coisas, às direcções e oportunidades que vão emergindo e que o artista vai intuitivamente seguindo. Tudo se joga na sua relação com a realidade mais próxima – com o que é da natureza, com o que provém do urbano -, o território habitado pelo artista, onde é possível encontrar todas as formas, todos os devires pictóricos do mundo, todas as variações da (des)semelhança das coisas, todos os jogos semânticos sugeridos e provocados pela imagem, todos os desenvolvimentos e disposições de ritmos cromáticos e lumínicos.”

Sendo certo que esta reação vivencial existiu na obra de Ângelo de Sousa desde muito cedo, inevitável foi que o enorme impacto que a sua pintura e escultura tiveram no contexto da arte nacional tivessem tirado o protagonismo a este aspeto da sua prática. Vemos nestes cadernos de imagens uma renovação de votos com o real e com o social que outras abordagens à obra do artista nem sempre favoreceram: “Na verdade, é um olhar que se dirige para um tipo de contacto e de envolvimento como referente que tem tanto de físico como de visual.”

É justo afirmar hoje que idiossincrasias várias dos mercados da arte, fizeram com que algumas das práticas mais significativas da experimentação artística portuguesa do século XX, só agora tenham contexto para serem digeridas e divulgadas adequadamente. Assim, “Estes Cadernos de Imagens procuram traçar um percurso significante por este mundo, por este entre-mundo, a meio caminho entre a experiência real e a imaginação livre e pura, um domínio de percepções e expressões que é anterior a qualquer disciplina ou prática institucionalizada, porque se situa num plano recuado, porque é anterior à própria linguagem.”

Algumas destas imagens dos entre-mundos de Ângelo de Sousa que nos revela Mah, podem ser vistas neste momento na exposição O Fotógrafo Acidental – Serialismo e Experimentação em Portugal, 1968-1980, na Culturgest de Lisboa. Nesta exposição Delfim Sardo circunstancializa alguma da produção fotográfica experimental em contexto artístico deste período tão relevante.

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Ângelo de Sousa 

Editora Tinta da China

Culturgest

 

Carlos Nogueira – Textos de trabalho

Um pequeno livro, ainda de 2016, mas a merecer nota é este Textos de trabalho de Carlos Nogueira, oportunamente publicado pela editora Averno, uma editora essencialmente dedicada à poesia.

Que um artista publique os seus escritos, não será a mais notável novidade deste volume. Nogueira apresenta-nos antes uma seleção da sua escrita poética, que tem a particularidade de ser elementarmente arquitetónica, tanto quanto a sua escultura é performativamente poética. É no interstício do exercício de escrita com a atividade construtora da escultura que se situam os seus esboços, desenhos, pensamentos livres que ancoram o corpóreo na consideração diáfana das ideias, e as palavras enquanto corporalização do inefável dos sentidos.

Este livro divide-se em três pequenas secções: a primeira na qual são apresentados os escritos, numa linguagem que vagueia entre a precisão de um planeamento construtivo e a sublimidade de um haiku; a segunda, na qual os escritos, pequenos rabiscos, notas e fragmentos dispersos são apresentados justapostos a imagens e desenhos de trabalho que nos remetem para a inflexão do pensamento poético no espaço físico; e uma terceira na qual é apresentada uma seleção de fragmentos de imagens da sua obra escultórica que se vinculam diretamente a momentos das secções anteriores.

Como escreve Carlos Nogueira num dos pequenos textos da primeira secção:

“construir um espaço dentro e outro do outro lado

tão autónomos como complementares

e em que a ordem de aproximação a cada um deles

seja absolutamente arbitrária

 

usar materiais de produção industrial

e transformá-los dotando-os de outras cargas

outras vidas

sem lhes negar a possibilidade de voltarem à sua

vocação inicial"

 

É um livro que desencadeia vários tipos de legibilidade. Se por um lado é na linguagem verbal poética que está ancorado, por outro observa-se uma indecisão dos desenhos, dos rabiscos, palavras soltas e das sugestões espaciais de ocuparem um lugar como o livro; é no estofo do real que estas habitualmente tomam lugar.

É ao mesmo um livro de poesia, com recurso a várias manifestações de linguagem não verbal e isto é notável; um guia poético para os sentidos a despertar perante a nossa troca sensível com a obra escultórica de Nogueira, e um lugar de intimidade no qual a imaginação e a invenção convivem, para nos fazer vislumbrar o ato criativo mais radical. É o da concepção do objecto artístico como diálogo com o outro, nomeado ou anónimo, a quem Nogueira dirige cada um dos textos e cada uma das obras das quais oferece apenas um fragmento, como quem propõe uma troca de palavras.

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Carlos Nogueira

Editora Averno

 

Ramiro Guerreiro – Productivity (Studio Rehearsals)

Segurar, pendurar, carregar, dispor, olhar, pousar, agrupar... são atividades banais que se repetem nos ateliers dos artistas, muitas vezes ao ponto de condicionarem ou mesmo direcionarem todo processo heurístico que, numa amplitude criativa que se forja desde o pensamento autoral mais germinal, até à montagem de uma exposição ou a um qualquer momento curatorial, museográfico ou interpetativo. É neste sentido que Ramiro Guerreiro nos apresenta este projeto em formato publicação, editado pela Ghost Editions de Patrícia Almeida e David Guéniot e com desenho muito apropriado de Marco Balesteros. Como uma forma de se auto-questionar acerca dos processos produtivos que alicerçam e mediam o pensamento e o discurso artístico e o transformam em tangibilidades diversas.

É através da sua persona performativa que Ramiro Guerreiro encena uma série de atividades físicas básicas da rotina diária de um atelier e as regista fotograficamente nos espaços que utilizou como laboratório de experimentação. O resultado é um inventário de gestos padrão, compilados em posters e desdobráveis, com organizações gráficas discordantes e impressões em técnicas diferentes, tipos de papel e formatos aleatórios, nos quais convivem a argúcia da sua análise e o afável sarcasmo crítico a que nos tem habituado. Esta publicação é de facto uma exposição portátil, derivada genealogicamente da Boîte-en-valise de Duchamp e com afinidades com a noção de livro de artista como dispositivo expositivo.

Se a produtividade de que nos dá conta Ramiro Guerreiro for entendida como um meio para gerar ‘produtos’ através da eficácia do trabalho, produtos artísticos da actividade exercida dentro do atelier; e se nos elementos que constituem os objectos resultantes nunca nos é dada uma legibilidade concreta, que nos oriente em direção a esse ‘produto’, podemos mesmo conceber que toda esta atividade não é mais que uma exegese acerca do grau de improdutividade que coordena uma boa parte da atividade artística.

O artista põe em prática uma ética de trabalho contra-produtiva que nos faz questionar a verdadeira natureza do fazer artístico no momento histórico que atravessamos: será que, por ser uma espelho da natureza e do pensamento, a prática artística não é somente um meio sem fins?

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Ramiro Guerreiro

Ghost Editions 

 

Tatiana Macedo – Orientalism and Reverse

Uma publicação especial de Tatiana Macedo, um original livro de artista, que é coproduzido pela Ghost Editions e pela Kunstraum Botschaft, lançada em simultâneo a outro volume da artista, a saber, o catálogo What is Unspoken, publicado por ocasião da sua residência na Künstlerhaus Bethanien e com variados textos críticos sobre a sua obra.

O presente livro, oferece dentro de uma capa, um conjunto de 16 imagens fotográficas que a artista registou em Xangai. Estas imagens, captadas num parque de estacionamento de autocarros turísticos algures numa zona periférica da cidade, são um ponto de partida para uma reflexão acerca da natureza dúplice da imagem e das formas de dúvida que esta nos pode propor.

Tatiana Macedo fotografa a partir do exterior dos autocarros, as janelas laterais, as cortinas que as cobrem parcialmente por dentro, e pormenores dos assentos e outras pequenas peculiaridades com que se relacionou durante esta recolha furtiva. O resultado surpreende pela simplicidade do objeto de estudo; as fotografias são de uma familiaridade enganadora, que nos dá a ver desigualmente esse espaço interior semi-privado através do filtro espelhado dos vidros laterais do autocarro que denunciam a envolvente: um edifício anónimo, uma fachada genérica, um reflexo enigmático, um céu nublado, por vezes um vislumbre da paisagem urbana que está do outro lado do veículo.

É uma especulação na qual, na esteira de Dan Graham ou Hannah Starkey, Tatiana Macedo dá continuidade ao questionamento da visualidade moderna ocidentalizada, da sua assimilação transcultural, e de uma multiplicidade de questões culturais que têm um avesso. O Orientalismo do título aponta precisamente para esse reverso - quem é o “outro” senão o próprio representado através de um sistema de codificações assimilado, mas raras vezes questionado? É precisamente esse questionamento que dá legitimidade à forma como se organizam as imagens neste folio e o tornam um objeto tão pertinente. As imagens impressas em página dupla, frente e verso, ao serem folheadas, tornam-se metades de imagem que, conjugada com a meia imagem seguinte, constrói uma nova imagem, uma sequência de duplas páginas fortuitas, uma imagem compósita cujo segredo é multiplicado. Essa imagem é em ultima instância da responsabilidade do leitor/utilizador do livro que pode, se assim entender, refazer a sequência de folhas soltas e imagens que o compõem, alterando os conjuntos de imagens e propondo uma recombinação de questões.

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Tatiana Macedo

Ghost Editions

 

Tomás Maia – O Olho divino - Beckett e o cinema

Artista, ensaísta, professor. Tomás Maia é uma voz ímpar em qualquer panorama artístico. O seu pensamento, estruturado a partir da tradição filosófica francesa, embora com recurso a metodologias, ideias e referências muito próprias, apresenta-se pela sua escrita com uma cadência que revela a complexidade com que o autor perfila noções e encadeamentos teóricos que têm origens tanto nas idades mitológicas, na Grécia pré-socrática ou no Médio Egito até à Provença do século XIX.

Publicado pela Documenta, editora que tem lançado o trabalho escrito de Tomás Maia, este livro, O Olho Divino – Beckett e o cinema, último livro do autor, continua a sua jornada por temas do visual, da visualidade, e da representação, já várias vezes visitados por si.

Este livro tem como ponto de partida uma análise da noção de visualidade, tendo como dínamo dessa análise o polémico filme Filme (1965) de Samuel Beckett e Alan Schneider. Tomás Maia aventura-se no desafio de discorrer acerca de “O”, o mítico personagem interpretado por Buster Keaton, e de, ao tentar examinar esta criatura e a sua insólita foronomia, analisando também “E” (o olho ominpresente da câmara de filmar), formular uma teoria da visualidade enquanto atributo predador, em simultâneo animal e humano. É pois, partindo de uma demarcação entre humano e animal, entre caçador e caçado, que Maia refaz um trajeto prático do humano como simultaneamente animal e homem, através da sua dupla e eterna (e interna) condição de caçador e caçado.

Se este Filme tem como mote Esse est percipi, que Beckett referencia no guião (traduzido por Tomás Maia e André Maranha na secção final do livro) e que de resto é o mote, plasticamente glosado durante toda a obra, ao ponto de muitas vezes podermos rebater acerca da sua contradição, inconsequência ou desadequação, a realidade é que, neste ensaio, Tomás Maia aponta-nos uma direção especulativa que refaz toda a noção de visualidade ocidental e da propriedade de uma “arte visual”. Quando nos faz notar que “Beckett suspende a acção no confronto final – sem que ninguém desfira o golpe mortal: Filme termina quando o baloiçar da cadeira se extingue. Com esta suspensão, Beckett mostra-nos o homem abandonado a si mesmo, convidando-o a renunciar à sua imemorial vontade predadora. Beckett mostra-nos que o destino moderno alterou definitivamente a posição do homem face ao sentido (ou à ausência de sentido) da sua própria vida, obrigando-o a abandonar a sua condição de «caçador de Deus» para assumir a de «presa» (de si mesmo).”Maia está precisamente a caracterizar uma potencial configuração da “arte visual”enquanto uma prática de capitulação perante as impossibilidades de representação, que fazem do homem um caçador rendido, capaz de “Deixar de ser servil sem ter a ilusão de se assenhorear da morte, ou ser o Senhor da morte avassalando o comum dos mortais?

Pelo alcance da curta obra de Beckett em cinema, e pelo que esta tem proposto ao mundo das artes visuais, este é um texto essencial, que nos obriga a reconsiderar a relação dos modelos de visualidade do ocidente com as funções originais da prática artística enquanto trabalho primordialmente animal.

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Tomás Maia

Sistema Solar - Documenta

 

André Guedes – Ensaios para uma Antológica

Engenhosamente estruturado e desenhado por Pedro Nora, editado por João Mourão e Luís Silva, e copublicado pela Kunsthalle Lissabon e pela CURA.BOOKS, este livro compila e trabalha, de forma articulada e dialogante, a obra artística de André Guedes entre 1999 e 2014. Apresentado como Ensaios para uma Antológica, este volume pretende coligir criticamente a variada obra artística do autor, tentando para isso forjar um modelo (ou modelos?) de compilação seletivo, para o qual o grupo de autores/escritores convidados fornecem separadamente a sua versão. No início do volume, num caderno de papel de cor creme, são apresentadas as escolhas das obras que cada um desses autores fez para abordar o trabalho do artista. Funciona como índice e guia para a entrevista e para os textos que ponderam esta fração temporalmente delimitada da obra de André Guedes.

Na entrevista conduzida por João Mourão e Luís Silva a André Guedes (Ainda continuaríamos a conversar – A antológica como diálogo), discute-se e explora-se a possibilidade da categorização de uma obra a partir de unidades conceptuais independentes e a viabilidade destas, no caso da obra do autor, poderem servir como fundações a uma unidade projetual unívoca, ou, como esclarecem os curadores na sua nota introdutória enquanto editores deste livro/ensaio, como uma formação discursiva, apropriada a problematizar a prática artística do autor.

Pedro Neves Marques descreve o seu périplo pela obra de André Guedes com a familiaridade de quem partilha tematicamente muitas das Histórias que ocultamente habitam a obra do autor. Narrativas partidas que nos fazem saltar entre objetos e ideias, personagens individuais e coletivas, histórias oficiais e micro-narrativas. A linguagem empregue, narra-nos num presente histórico acontecimentos que tiveram lugar entre o século XVI e 2015, conta-nos sobre um futuro que foi utópico (mas não sempre) e um presente que não é perfeito. Será que a seleção de obras que Pedro Neves Marques elege no seu texto (Uma vida comum) para dar corpo à sua antologia, começa mesmo em 2001?

Liliana Coutinho oferece-nos, não uma mas duas formas de reconhecer O delicado fio do comum na obra de André Guedes. Numa primeira secção apresenta-nos fragmentos de diálogos de obras performativas do artista, nas quais personagens - singulares e coletivas, femininas e masculinas e até mesmo objetos personificados, explicitam modelos de convivência e de afinidade, desencontro e pertença, saídos dos ambientes sócio-culturais dessas encenações. Como separadores desses fragmentos, algumas imagens que acompanham morfologicamente o cariz relacional e convivial das peças que compõem essas narrativas.

Num segundo momento da sua secção, mais precisamente no seu texto, Liliana Coutinho explicita que as razões da sua escolha antológica tenham recaído nas obras de cariz performativo pela plena concordância que estas têm com a direção discursiva da obra plástica do artista. Também nesta André Guedes nutre os objectos e imagens de qualidades e condições que reiteram a sua pertença ao universo comum – de empresas, grupos, comunidades imaginadas ou autênticas, coletivos ou existências singulares. Na única peça escultórica que Liliana Coutinho seleciona para integrar o seu ensaio, Escolha de 2007, composta por duas cadeiras, pertença de uma companhia de seguros portuguesa, que em duas fases diferentes da sua história operou duas formas distintas e ideologicamente comprometidas de representar a organização através das cores escolhidas para o prosaico objecto; Coutinho avança aquela que é notoriamente a sua forma de consorciar a obra de André Guedes. É no detalhe têxtil dessas cadeiras que entende estar o axioma que perpassa toda a obra do artista. O tecido enquanto material simbólico do entendimento entre todos os elementos que se vêm obrigados a conjugar na sociedade e nas organizações de que nos dá conta.

Num último esforço de agregar curatorialmente a obra de André Guedes, Chris Sharp propõe-nos uma incursão por um conjunto de obras que exprimem a humanidade existencial presente na obra de Guedes. Todas as peças selecionadas por Sharp formulam encontros e desencontros, verídicos ou encenados, nos quais o artista promove momentos de suspensão de experiência individual e incursões várias pequenas situações nas quais existe o potencial de um qualquer limiar narrativo no qual o espetador é enredado sem saber.

Mais do que nos dar conta dos vários aspetos que compreende a obra de André Guedes, e também por esta razão um livro essencial, o volume apresenta, como é de resto a vontade expressa pelos editores, uma contribuição para uma reforma das “próprias fundações, e funções, da exposição antológica e o seu lugar incontestado enquanto ferramenta curatorial, método de investigação e forma de mediação artística”.

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André Guedes

Kunsthalle Lissabon

Cura.Books

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