10 / 20

Edgar Pires: Claim the diamonds in your eyes

Edgar Pires-3.jpg
Cristina Sanchez-Kozyreva

A exposição individual de Edgar Pires (Oeiras, 1982) Claim the diamonds in your eyes, na galeria Monitor em Lisboa, reúne uma série de objectos geométricos de aspecto enferrujado sobre o chão de azulejos cerâmicos bicolores, exibidos em conjunto com vários painéis de vidro com ferrugem dispostos em prateleiras na cave da galeria. À entrada, um vídeo e duas grandes placas de vidro cobertas a cinzento recebem os visitantes. O vídeo, que passa num monitor antigo colocado no chão, mostra um contínuo de faíscas, que resultam do trabalho em ferro, sobre um fundo escuro. Os dois painéis, tal como portões fechados que não oferecem mais do que uma superfície opaca e chamuscada, foram feitos com projecções de ferro quente que cobrem toda a superfície. Mesmo depois de um olhar mais atento eles não revelam muito mais, de certa forma imóveis e silenciosos, parecem absorver as luzes e os sons da galeria que os rodeiam. Opondo-se ao movimento dinâmico da faísca no vídeo, os painéis oferecem uma abordagem mais sofisticada  e elegante das projecções faiscantes, mais actualizada, especialmente quando comparada com o monitor no chão. Talvez o artista queira aqui destacar uma espécie de evolução.

O título da exposição é sugestivo de um processo alquímico, uma transformação quase mágica da matéria com que o artista trabalha. Pires leva meses a criar as formas que podemos ver ao fundo das escadas da galeria. Utiliza projecções de ferro quente para criar estas peças, projectando-as sobre vidro ou moldando-as em formas clássicas. Aqui vemos um longo cilindro deitado no chão da galeria, ali uma esfera. Uma espécie de almofada oferece uma versão de um prisma rectangular com cantos mais suaves, e vemos um cubo ligeiramente desgastado mas, ao contrário do paralelepípedo em forma de almofada, este conserva todos os seus cantos aguçados. De início, estes objectos parecem vestígios corroídos que podiam ter sido encontrados num qualquer navio abandonado e enferrujado. Uma espécie de destroços industriais, talvez partes de uma máquina maior que avariou há algum tempo e foi abandonada quando já não servia para nada. De aspecto pesado e sobretudo com superfícies irregulares, estas esculturas são, no entanto, isso mesmo: esculturas. Criadas ao marinar limalhas de ferro numa mistura de sal kosher e vinagre dentro de formas, Pires criou estes objectos a partir do zero. Levou bastante tempo até estes “se formarem”, mas são de qualquer modo objectos de estúdio, não o produto de uma experiência de land art. Pires cria meticulosamente estas peças no seu estúdio, fabricando a corrosão que produz as superfícies abrasivas. Trabalha alguns pontos mais brilhantes numa intersecção entre ciência e design (aparentemente demora mais tempo para obter esse resultado), e molda-as como quer.

Pires diz que as formas vêm da sua imaginação. Faz muitas vezes referência à percepção, talvez porque os efeitos das suas investigações, reminescentes de um laboratório industrial na busca de novos compósitos, o surpreendem e fascinam. Aqui o processo revela um jovem artista que explora o material de forma plena. Estas formas temporais traduzem a compulsão do seu criador em objectos que testemunham o poder do artista sobre a matéria. O resultado é lúdico e projectual, sem garantias no início do processo, mas coleccionando cada vez mais conhecimento sobre o material à medida que o trabalho avança, como um artesão que aprende o seu ofício. Fogo, pó, vídeo e vidro tornam-se todos participantes no processo de decisão de Pires, enquanto este ajusta algumas variáveis, como o tempo e a exposição ou as proporções de sal e vinagre.

Marcas e vestígios fazem parte de uma já longa tradição artística. Manchar, marcar, apagar para realçar, são todos aqueles pequenos gestos físicos através dos quais o artista se relaciona com a matéria. Pires também recicla. Aqui são mostrados fragmentos de vidro que eram utilizados para suportar os moldes. Estes são exibidos nas paredes sobre as esculturas de chão, o vidro com as marcas do seu processo. Uma comunicação do modo de fazer, Pires apresenta nesta exposição o resultado, de certo modo controlado, das interacções que acontecem no seu estúdio.

Talvez um pouco fechado sobre si mesmo, não que um escultor não o devesse ser, a pesquisa de Pires não parece atingir um ponto de vista novo ou revolucionário. As formas são geométricas, o tom do ferro mais ou menos constante. Os vestígios são a prova da vida que vem do trabalho artístico, mas são também fortemente reminescentes de ocorrências naturais. Pires segue uma abordagem específica do acto escultórico para a levar de regresso às suas origens, tendo o mérito de a revisitar cuidadosamente, relacionando-se com o material através da exploração de nuances pessoais. Tem êxito ao criar superfícies onde o brilho e o áspero formam padrões tão únicos como impressões digitais, mas não consegue transmitir plenamente a força da sua paixão.

Esta exposição serve, assim se espera, como um óptimo ponto de partida para uma prática dinâmica que percorre um caminho entre o design e a produção de arte. Resultando de um trabalho intenso, executado por uma mão hábil, está impregnada de algo que pode estar a florescer. Como um escultor que faz de alquimista, as diferentes formas ainda ecoam um tempo passado, uma estética de ruína e abandono, mas têm o potencial para transcender a técnica e talvez tornarem-se elas mesmas, através da sofisticação extrema e do controlo, ou através do impulso primitivo criativo, ou de alguma outra coisa que poderá ser aquele diamante mencionado no título da exposição.

Galeria Monitor

Cristina Sanchez-Kozyreva é uma autora com experiência em relações internacionais e estratégia. Viveu na Ásia durante 15 anos. Actualmente trabalha e vive entre Lisboa e Hong Kong. É co-fundadora e editora-chefe da revista de arte Pipeline, com sede em Hong Kong (impressão 2011-2016). Contribui, regularmente, para várias publicações na Ásia, Europa e EUA, como Artforum, Frieze e Hyperallergic.

 

Traduzido do inglês por Gonçalo Gama Pinto.

 

Scroll down for the English version.

Edgar Pires-17
Edgar Pires-16
Edgar Pires-15
Edgar Pires-11
Edgar Pires-6
Edgar Pires-9
Edgar Pires-12
Edgar Pires-10
Edgar Pires-8
Edgar Pires-7
Edgar Pires-5
Edgar Pires-4
Edgar Pires-14
Edgar Pires-13
Edgar Pires-2
Edgar Pires-1

 

The solo exhibition by Edgar Pires (born in Oeiras in 1982) at Monitor gallery in Lisbon, Claim the diamonds in your eyes, rassembles a collection of rusty-looking geometrical objects on the gallery bi-coloured ceramic tiled floor, showed along several rust-tinted glass panels exhibited on shelves, in the basement. In the gallery entrance, a video and two large grey-covered glass boards greet the visitors. The video, shown on an old-fashioned TV monitor sitting on the floor, features continuous iron work sparks set against a dark background. The two panels, like closed gates that offer nothing but an opaque charred surface, were made of iron fillings projections covering their entire surfaces. Even upon closer inspection they do not reveal much, immobile and silenced somehow, they seem to be absorbing the gallery lights and the sounds surrounding them. Opposing the lively motion of the spark in the video, the panels offer a more sophisticated take on the fiery projections, a more updated, especially compared to the monitor on the floor, and sleek appearance. Perhaps here the artist underlines a sort of evolution.

The title of the show hints at the alchemical process, a nearly magical transformation of matter that the artist is playing with. It takes months for Pires to create the shapes that we can see downstairs. He uses hot iron fillings to create these works, projecting them on glass or casting them into classical shapes. Here a long cylinder lays on the gallery floor, there a sphere. A kind of pillow offers a soft edged version of a rectangular prism, and a cube stands, slightly eroded, but in contrast to the pillow-like cuboid, retaining all of its sharp edges. At first, these objects look like corroded remnants that could be found on a rusty abandoned ship. The kind of industrial leftovers, perhaps part of a bigger machinery that broke down a while ago, and were left behind, once the bigger machine wasn’t of use anymore. Heavy looking and mostly irregular on their surfaces, these sculptures are however indeed that: sculptures. Created by soaking iron filling casts into shapes in a mix of kosher salt and vinegar, Pires created these objects from scratch. It took a long time for these objects to “take”, but they are studio objects nevertheless, not the product of some land art experiment. Pires manufactures these pieces painstakingly in his studio, fabricating the corrosion that produces the abrasive surfaces. He works on some glossier spots at the crossroad of science and design (it takes longer for that result apparently), and shapes them to his will.

Pires says that the forms come from his imagination. He references perception often, probably because the effects of his investigations, reminiscent of an industrial laboratory seeking for new composites, surprise and marvel him. The process here reveals the playground of a young artist who is experimenting fully with his material. These time-based shapes and forms translate the compulsion of their maker into creations that witness the artist’s power over matter. It is playful and design-oriented in its result, without guaranties at the beginning of the process, but building up knowledge of the material the longer the works goes on, like an artisan learning his craft. Fire, dust, video, and glass, thus all become subjects to Pires’s decision making as he adjusts variables such as time and exposure, salt and vinegar proportions.

Marks and traces are part of a long-standing art-making tradition. Staining, marking, erasing, then enhancing, are all of those small physical gestures the artist can engage with to relate to matter. Pires also recycles. Here are shown fragments of glass that were used to hold the casts. These are exhibited on the walls above the floor sculptures, the glass bear the marks of his process. A communication of labour, Pires presents in this show a somehow controlled result from his studio interactions. 

A little self-involved perhaps, not that a sculptor should not be, his research doesn’t seem to quite reach a novel point of view or breakthrough. The shapes are geometrical, the iron hue more or less constant. The traces are the proof of life that comes from the artist labour, but they are also strongly reminiscent of natural occurrences. Pires takes a particular line of the sculptural act back to its basics, and he has the merit to revisit it diligently, engaging with the material through the exploration of personal nuances. He does succeed in creating surfaces where gloss and rough form patterns as unique as a fingerprints, but the strength of his passion fails to yet come through fully.

This show hopefully serves as a great departure for a dynamic practice that walks a path between design and art making. As the result of an intense labour servicing a skilled hand, it is full with something that could be coming out of gestation. As a sculptor who plays alchemist the different forms still echo a time bygone, an aesthetic of the ruin and the derelict, but they have the potential to transcend the technique and perhaps come to their own, perhaps though extreme sophistication and control, or through primal creative impulse, or something else yet that could be that diamond mentioned in the title of the show.

 

Imagens / images: Edgar Pires: Claim the diamonds in your eyes. Vistas gerais da exposição / Exhibition views. Fotos / Photos: Bruno Lopes. Cortesia / Courtesy the artist and Monitor / artista e Galeria Monitor.

Voltar ao topo