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LOOPS LISBOA

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Isabel Nogueira

O LOOPS LISBOA apresenta-se novamente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado. Trata-se de um dos poucos eventos exclusivamente dedicados à exploração do dispositivo visual do ‘loop’, tal como a denominação faz antever, e estabelece uma parte integrante do Festival Temps d’Images Lisboa, sendo o júri desta edição constiuído por Emília Tavares, Jesse James e Jorge La Ferla. Quanto aos trabalhos a concurso, estes são da autoria dos artistas Nuno Cera, Ricardo Pinto de Magalhães e Tomaz Hipólito.

Comecemos por enquadrar brevemente o evento em causa. O Temps d’Images é um festival que se fundamenta e que se afirma em torno da criação artística contemporânea, nomeadamente, no que se refere às artes visuais e às artes de palco, e, não raras vezes, ao cruzamento entre ambas, na busca de linguagens inovadoras e implicativas de experimentação e de interrogação. E naturalmente que a interrogação é sempre um ponto de partida importante na procura de possibilidades operativas ou, eventualmente, de novas interrogações. E assim sucessivamente, como num movimento em ‘loop’. Ou seja, o próprio evento promotor afirma-se como um fluxo de pesquisa, de abertura ao novo, de impulso para novas concretizações artísticas e visuais, desejavelmente portadoras de alguma frescura e de olhares renovados. Por outro lado, o Temps d’Images tem-se afirmado e constituído também como plataforma relevante para a produção artística nacional.

E centremo-nos especificamente no LOOPS LISBOA. De facto, a idea de ‘loop’ reporta-nos a uma espécie de eterno retorno filosófico e conceptual. Friedrich Nietzsche, nas obras A gaia ciência (1882) ou Assim falava Zaratustra: livro para todos e para ninguém (1885), debruça-se sobre esta ideia (Ewige Wiederkunft) como um ciclo repetitivo, nomeadamente da vida individual ou, em sentido mais lato, da própria humanidade. As guerras, as epidemias, as crises seriam repetitivas. Aliás, é comum falar-se da repetição das conjunturas históricas. Contudo, o filósofo alemão chama ainda a atenção para a unicidade da vida e dos diversos fenómenos, aparentemente inconciliáveis, mas que, afinal, fariam parte integrante de um todo mais amplo e mais denso.

Por outras palavras, o eterno retorno, manifestar-se-ia no seu movimento contínuo de ‘loop’, sintetizando os opostos – dia/noite; prazer/dor; bem/mal; belo/feio; etc. –, de modo repetitivo e cadenciado. Efectivamente, já em O nascimento da tragédia (1872), a primeira obra filosófica de Nietzsche, fortemente inspirada em Schopenhauer, o autor remeteu-nos justamente para a existência de duas origens da arte: o princípio apolíneo — ordenador, sereno, apaziguador — e o princípio dionisíaco — energia vital, que conduzia ao êxtase. O eterno retorno liga-se ainda, neste sentido, e por exemplo, à ideia de amor fati, ou seja, à aceitação da complexidade do TODO, ou do destino (fati), nas suas polaridades infinitas. E, claro, repetitivas. E voltamos ao ‘loop’.

No Museu do Chiado o espectador poderá deparar-se com três propostas artísticas bastante diferentes entre si, conectadas pelo formalismo do ‘loop’, mas que, claro, incorrem em questões e problemáticas mais densas e evocativas. Nuno Cera apresenta The Falls, uma bela cascata poética e hipnótica, que convida o visitante a nela se deixar levar, eventualmente perder, como proposta de também nessa viagem se poder encontrar. E tudo pode recomeçar, ou não estivéssemos num movimento de ‘loop’, de nascimento e queda sucessivos; de encontro e perda; de nascimento e de fim; de fluxo repetitivo.

Delphine aprisionada, de Ricardo Pinto de Magalhães, mostra-nos a simultaneidade de pequenas sequências cinematográficas retiradas, entre outros filmes, de L'année dernière à Marienbad (1961), de Alain Resnais, muitas vezes utilizando um movimento de aparente raccord na montagem dos vários quadros visuais. O espectador é convidado a distribuir o olhar pela simultaneidade dos quadros propostos. E os quadros de vida das personagens repetem-se uma vez mais. E novamente.

Tomaz Hipólito traz-nos 2017 personalloop 01, um trabalho no qual o artista é também performer, ensaiando posições e movimentos de relação com o espaço, neste caso concreto, com o espaço interior do Museu Nacional de História e da Ciência. O movimento que se repete, o corpo que se posiciona, que se equilibra, que se experimenta no e com o espaço e a sua arquitectura. E o corpo volta ao início, à tentativa de exploração e de revisitação da experiência. No conjunto, estamos perante trabalhos visualmente sofisticados, que incorporam universos díspares assim como diferentes problemáticas e possibilidades do discurso imagético. O LOOPS LISBOA, uma vez mais, é assumidamente um espaço de experimentação e de reflexão em torno da imagem e do olhar. Uma experimentação válida e que vem sendo conseguida ao logo das suas várias edições.

Isabel Nogueira

(n. 1974). Historiadora de arte contemporânea, professora universitária e ensaísta. Doutorada em Belas-Artes/Ciências da Arte (Universidade de Lisboa) e pós-doutorada em História da Arte Contemporânea e Teoria da Imagem (Universidade de Coimbra e Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne). Livros mais recentes: "Teoria da arte no século XX: modernismo, vanguarda, neovanguarda, pós-modernismo” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012; 2.ª ed. 2014); "Artes plásticas e crítica em Portugal nos anos 70 e 80: vanguarda e pós-modernismo" (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013; 2.ª ed. 2015); "Théorie de l’art au XXe siècle" (Éditions L’Harmattan, 2013); "Modernidade avulso: escritos sobre arte” (Edições a Ronda da Noite, 2014). É membro da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte).

 

LOOPS Lisboa

Mnac - Museu do Chiado

 

Ricardo Pinto de Magalhães foi o vencedor desta edição do LOOPS Lisboa.

 

The Falls 2
The Falls 1
The Falls 5
The Falls 4
The Falls 3
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Imagem de capa: Ricardo Pinto de Magalhães, Delphine Aprisionada (still).

1º bloco de imagens: Nuno Cera, The Falls (stills).

3º imagem: Tomaz Hipólito, 2017 personaloop_01 (still)

2º bloco de imagens: Vistas da exposição Loop Lisboa, 2017. Mnac-Museu do Chiado. Fotos: © Alípio Padilha

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