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Luís Paulo Costa: Eco | Echo  Based on a True Story 

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Isabel Nogueira

O título da exposição é evocativo:  Eco | Echo  Based on a True Story. Com curadoria da dupla Nicola Oxley e Nicolas de Oliveira, Luís Paulo Costa apresenta uma exposição que reúne pintura, fotografia, instalação, não obstante, e como o próprio artista afirma, a sua essência ser a de um pintor, tanto no tempo como na quase obsessão com a problemática da imagem e na sua configuração nos vários dispositivos e corporalidades.

O eco manifesta-se, simbolicamente, no silêncio da montanha branca, ou no próprio eco da contemplação que perpassa os objectos pintados, fotografados ou dispostos no espaço.

As camadas — conceptuais e efectivas — vão-se manifestando e densificando. O reino é o do olhar. Mas um olhar sempre com uma localização historicista, isto é, referencial, ele próprio eco, por exemplo, das representações tradicionais da pintura; natureza morta, paisagem e retrato, quase num classicismo subversivo. Mas também, inclusivamente, da ausência objectual, da evocação. Pensemos nas obras Composition (table), 2018, Espargos brancos, 2018, ou Interior (jarra), 2010. A atmosfera, mesmo quando não o é de facto, é hipoteticamente noctívaga, atenta e focada.

A mostra vai acontecendo, vai-se revelando. Os pormenores sucedem-se uns aos outros. Por vezes, são vistos pela primeira vez. E assim sucessivamente. Há um certo silêncio que convida à observação, até a uma certa intimidade. A aparente banalidade do quotidiano vai-se revelando, num imaginário da ordem do fora de campo cinematográfico, quer dizer, como se esta tranquilidade fizesse, afinal, parte de uma história que desconhecemos, de uma narrativa que somos convidados a adivinhar, real ou imaginária. Não é importante. E o mistério é sempre convidativo e até desafiador. A exposição acontece perante um olhar compassado e disponível. O tempo é o do passo e do olhar.

Isabel Nogueira (IN): Porque se apresenta a tua exposição — no texto curatorial —como um ensaio artístico?

Luís Paulo Costa (LPC): Apresenta-se como um ensaio artístico, porque uma exposição é a soma de várias partes, inevitavelmente. Contudo, às vezes é mais do que isso. Esta exposição é encarada como um corpo, como um todo coeso. Isso implica, necessariamente, que as particularidades físicas do espaço sejam também tidas em consideração na montagem, não apenas reagindo a isso, mas considerando que as peças já feitas têm de se enquadrar no espaço e, assim, procuram ser mais do que expostas; procuram ser verdadeiramente instaladas. Há obras que são apresentadas pela primeira vez, mas que são também uma soma de partes, tais como a obra Composition (carpet), por exemplo. Esta exposição mostra o trabalho mais recente mas não faz um corte com trabalhos mais recuados no tempo.

IN: Mas — e detenhamo-nos na palavra “ensaio” — vês esta exposição como um work in progress, como algo de potencialmente aberto?

LPC: Sim, absolutamente. A questão é que poderá haver uma aparência na exposição hipoteticamente diferente de outras que eu tenha feito, mas vejo isto como um contínuo, tanto nas dúvidas como nas certeza que fui tendo ao longo do tempo. Na verdade não é um fecho. Podemos encarar a palavra ensaio como algo não tão determinante.

IN: Como uma proposta?

LPC: Isso, exactamente, como uma proposta. O próprio título da exposição remete para uma proposta: Eco | Echo  Based on a True Story, mas eu não tenho nenhuma história verdadeira para contar.

IN: Mesmo que tivesses nós nunca iríamos saber…

LPC: Pois, exactamente. Os trabalhos não são escrutinados para uma espécie de história que eu pretenda contar. A ideia que está subjacente é, sobretudo, a de potenciar uma história para quem vê a exposição. Como uma possibilidade, tal como o ensaio, sim.

IN: Podes falar um pouco do modo como encaras a curadoria e de como foi por ti vivida esta experiência curatorial?

LPC: Sim. Esta experiência com este dois curadores foi um convite que aceitei de forma imediata. Não foi uma ideia que originalmente tenha partido de mim. Já tínhamos trabalhado antes numa parte específica da minha obra, a propósito de uma exposição na Fundação Leal Rios. No momento em que eles [Nicola Oxley e Nicolas de Oliveira] passaram a ser os curadores desta exposição, sem qualquer tipo de obstáculo, dei-lhes conta do meu trabalho e das peças que considerava mais interessantes para a exposição, mostrei-lhas, não sendo, contudo, uma proposta fechada. Os curadores viram tudo e a exposição começou a construir-se de forma fluída. Recordo-me de lhes ter apresentado como intenção a peça que está exposta na sala de baixo (Sete igual a um) e, sem reservas, o trabalho desenvolveu-se por aí. Posteriormente, de uma forma orgânica, fomos ocupando os espaços da galeria [Cristina Guerra Contemporary Art].

 

 

IN: Entendes que a curadoria também é uma forma de fazer arte?

LPC: Decididamente é uma forma de lançar um olhar externo, concretamente e aqui, sobre o meu trabalho. A construção do ver pode ser encarada dentro desse âmbito criativo. Eu tenho dificuldade em criar classificações muito estáveis no que toca ao território da arte. Não sou renitente em encontrar um espaço de criatividade para o olhar do curador sobre determinado trabalho. Nós temos experiências fantásticas de exposições que nos obrigam a olhar de uma forma nova para algo que já conhecíamos, a partir justamente dessa acção do curador, do olhar do outro. Um olhar assertivo, informado e original. Às vezes há situações desastrosas, ostensivas.

IN: Ou nulas.

LPC: Exactamente, ou nulas.    

IN: É difícil esse equilíbrio?

LPC: Sim, acho que é. O que isto me trouxe de francamente positivo — a acção curatorial como experiência — foi o facto de sentir um olhar absolutamente externo sobre o meu trabalho, permitindo-me olhar também para algumas coisas sob uma perspectiva que não tinha pensado. De um modo novo.

IN: Vou-te perguntar se és sobretudo um pintor, mas, na verdade, o que gostava de saber é a tua relação com o tempo da imagem.

LPC: Sou um pintor. Toda a aproximação que eu faço à imagem é sempre com o interesse da pintura.

IN: É com um interesse mais pausado?

LPC: Sim, muito mais lento. E muito mais lento, porque, na verdade, uso a fotografia não como um fim em si, mas como uma ferramenta, como um meio. E isso implica que as fotografias que eu faço — e ultimamente tenho recorrido ao iphone — nunca as encaro como um objecto final. Quando faço uma fotografia o interesse que está na sua realização é o interesse potenciador de um devir que é pictórico. A ideia presente é a de que esta imagem que estou a construir me levanta questões no campo da pintura. Para mim há um clara distinção entre uma imagem fotográfica e uma imagem pictórica. Por outro lado, todas as imagens que utilizo passam pelo mesmo processo, submetem-se a ele. Depois de obter uma imagem faço uma impressão em papel e nessa impressão volto a fotografar apenas uma parte da imagem, um pormenor, aqui já há preocupações associadas à linguagem da pintura. Por exemplo, e nomeadamente, preocupações mais ligadas ao princípio da composição e menos ao princípio do enquadramento. A questão da velocidade, no momento de fazer uma imagem, vai-se diluindo nestes processos e fico sempre com a sensação que quando começo a pintar uma imagem ela está parada há muito tempo. Não há surpresa, já ali estava.

IN: Esta exposição podia ser um filme, uma vez que há raccord e até mise en abyme, por exemplo?

LCP: Poderia. Há efectivamente. E existem campo e contra campo. Há um conjunto de valores tonais que utilizo e, de facto, poderia ser um filme. Contudo, nunca um filme que se completasse pela soma das partes nem sequer por uma hipotética ordem cronológica que nos permitisse construir uma narrativa com segurança. Seria mais um filme onde entraríamos a meio. Estaríamos lá algum tempo, depois sairíamos. Mas sim.

IN: Faço esta pergunta, porque tem que ver com a ideia de tempo. Do tempo da contemplação também.

LPC: Absolutamente. Mas seria um filme bastante lento. Esta exposição, não sendo uma instalação que ocupa a totalidade do espaço, é um corpo que se apresenta como a soma das partes e é possível olhar para ela como um todo, assim como também faz sentido ficarmos ligados apenas a uma determinada parte desse todo.

IN: Tens alguma relação com os chamados gabinetes de curiosidades? Ou seja, há aqui uma questão objectual, até minuciosa, focada, de exposição e apresentação.

LPC: Sim. Há uma relação com a disposição desses objectos. Os objectos são expostos do chão para uma mesa e, depois, o chão, ele próprio, assume-se como suporte. Em relação aos objectos, o interesse é mais próximo da sua colocação num plano bidimensional, quer dizer, levantam-me questões da ordem da composição, do equilíbrio, das tensões. Na verdade, são questões que não estão longe da linguagem interna da pintura, mesmo que esteja a relacionar-me com o espaço tridimensional. São efectivamente objectos que estão dispostos, segundo determinada ordem, no chão. Mas tenho interesse pela escolha de objectos sempre destituídos de algo extraordinário, porque me interessa uma certa carga de normalização e de quotidiano, isto é, que os objectos não nos surpreendem pela presença. O meu objectivo prende-se com a sua potencial transformação em pintura, em bidimensionalidade, em imagem.

IN: Além desta questão da imagem, dos objectos e de uma dimensão claramente poética e contemplativa que o teu trabalho possui, és um artista politizado?      

LPC: Não. Mas é um “não” com reticências, na medida em que, no limite, toda a arte é política em potencial. Nunca procurei utilizar o meu trabalho de forma reactiva. Quando estou a trabalhar pouco mais me interessa do que aquela relação de muita proximidade e muito física com o acto de fazer e de pensar a pintura. De alguma forma, acabo por estar num espaço que, no limite, não existe. Não sinto que algumas questões me afectem de forma determinante, no sentido de usar o meu trabalho como um elemento reactivo ou estatutário e de ficar colado a uma tomada de partido em relação a um princípio de qualquer ordem. Há, contudo, coisas que nunca vou fazer. E isso implica uma politização sobretudo com a relação que se estabelece com o meio.    

 

IN: Tens alguma relação particular com a música? No texto que apresenta a exposição são referidos os “nocturnos” de John Field ou de Frédéric Chopin. É a evocação de uma atmosfera?

LPC: Por vezes a minha relação com a música é pela ausência da mesma. Trabalho sem música. Em algumas pinturas existe de facto um elemento tonal, associado a uma cor, que nos pode orientar para a experiência do nocturno, mas não usei a música como um elemento aditivo. E este elemento acabou por ser expressivo em alguns momentos da exposição. Mas creio que a minha pintura é muito mais silenciosa. Eu diria que há pouco ruído e até pouco som. 

IN: Existe para ti uma peça favorita, ou que possas inclusivamente considerar o centro desta exposição?

LPC: Não consigo fazer esse exercício com clareza. Uma exposição é importante para qualquer artista. Para mim é muito importante e permite-me confrontar com o meu trabalho como se, afinal, não o conhecesse. A exposição das obras em museus ou galerias é algo afastado do estúdio, do particular. E isso pode ser surpreendente. Trata-se de um olhar limpo e com mais distância do que aquele que se tem no momento e no processo de realização da obra. Isso pode ser revelador e importante como experiência. E interessa-me. Se, por um lado, uma exposição tem este grau de correspondência; por outro, levanta-me outra questão, que é a do tempo e do modo como eu me ligo, naquele momento, às coisas que estão expostas. Estou sempre a trabalhar e, nesse momento da exposição, no estúdio, já estou a trabalhar noutras coisas. Não consigo de facto eleger uma peça.

IN: O teu tempo de produção é um tempo lento?

LPC: É muito lento. A minha pintura é, de facto, lenta, no sentido físico, é demorada. Mas mesmo antes de começar a pintar, e como pinto coisas, objectos, que já existem, inclusivamente quando a tela é branca e faço uma ampliação dessa superfície branca — o que até nos remete para um certo absurdo —, essa tela branca foi pintada de branco e, depois de secar, foi novamente pintada de branco. Em rigor, a pintura funciona sempre como uma pele, como algo que apaga qualquer coisa que já existe antes. É uma referência que serve o momento suficiente para apagar e revelar uma coisa nova, mas absolutamente devedora ao original que lá estava. Por isso falo do eco, que é paradoxalmente autónomo mas, simultaneamente, devedor de outro devir, já existente. É, portanto, um processo de trabalho demorado. Até eu ter a certeza de que a imagem imprensa na tela é aquela as etapas são variáveis, e implica até a alteração de graus de certeza em relação a uma imagem que me faz pensar no modo como vou pintar determinada coisa. É um tempo lento que em termos de conceito quer em termos práticos, físicos, materiais.

IN: Há algum projecto futuro que queiras mencionar?

LPC: Estou a trabalhar sempre. Trabalho todos os dias. Quando sou solicitado a mostrar as obras, faço uma pausa, organizo e mostro. Mas não reajo à coisas, ou seja, não trabalho em função de uma resposta que vou ter de dar a qualquer coisa que vai aparecer. Tenho, desde há uns tempos, um projecto com outro artista, um trabalho que estamos a construir, no qual comunicamos entre nós através de imagens. É um diálogo que estabelecemos, não com palavras, mas com imagens que ambos captamos e enviamos um ao outro. É uma das coisas em que me encontro a trabalhar neste momento.

IN: Obrigada.

 

 

Luís Paulo Costa

Cristina Guerrra Contemporary Art

Isabel Nogueira (n. 1974). Historiadora de arte contemporânea, professora universitária e ensaísta. Doutorada em Belas-Artes/Ciências da Arte (Universidade de Lisboa) e pós-doutorada em História da Arte Contemporânea e Teoria da Imagem (Universidade de Coimbra e Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne). Livros mais recentes: "Teoria da arte no século XX: modernismo, vanguarda, neovanguarda, pós-modernismo” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012; 2.ª ed. 2014); "Artes plásticas e crítica em Portugal nos anos 70 e 80: vanguarda e pós-modernismo" (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013; 2.ª ed. 2015); "Théorie de l’art au XXe siècle" (Éditions L’Harmattan, 2013); "Modernidade avulso: escritos sobre arte” (Edições a Ronda da Noite, 2014). É membro da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte).

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Luís Paulo Costa. Eco | Echo  Based on a True Story. Vistas da exposição Cristina Guerra Contemporary Art. Fotos: Bruno Lopes. Cortesia do artista e Cristina Guerra Contemporary Art.

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