Aprisionados na implacável seta do tempo; por mistério ou por uma “persistente e teimosa ilusão” coletiva, sabemos, por instinto, que andamos de trás para a frente. Nem as mais profundas teorias da física ou da termodinâmica, conseguiram encontrar uma explicação cristalina para este enguiço ubíquo.
A arte também não escapa a esta força motriz e mesmo nas suas manifestações mais transgressoras, espirituais, existencialistas ou políticas, comporta sempre contornos de inocência. Essa constante perseguição de uma miragem, na convicção que uma ordem ou desordem virá depois preencher um vazio que sentimos agora; sobretudo se pensarmos que existimos num planeta esférico, em constante rotação, que descreve continuamente uma orbita elíptica, num sistema solar que roda em torno do centro de uma galáxia espiral. Voltas infindáveis dentro de outras voltas... “a arte não avança, move-se”; apenas persiste numa constante reciclagem do seu próprio Mito de Sísifo.
No auge de um vórtice historicista (o modernismo do século XX), as artes tentaram definir e circunscrever cada uma das suas disciplinas dentro da sua (suposta) “pureza” — um “projeto” ambicioso que conduziu naturalmente a vários becos sem saída e ao derradeiro dos paradoxos: a autonomia do medium. Pois, a natureza de um medium deve fundamentar-se justamente nos antípodas da autonomia; o medium é o que deixa de ser visto, precisamente para nos dar a ver (sentir) outra coisa (a obra, a ideia); como a luz, que não se perceciona, mas que nos permite “ver” as coisas ao iluminá-las... “o medium é a memória”.
Nas suas anteriores edições impressas, a Revista Contemporânea abordou diversos media enquanto tema (ou mote) de cada um dos números, tentando mapear e debater de uma forma eclética, e dentro do contexto atual (com especial incidência em Portugal), os territórios da escultura, da imagem em movimento, da pintura, do desenho, da fotografia e do som (sendo esta edição em formato de disco em vinil). A presente edição, o número 9 da Revista Contemporânea, pretende fechar este ciclo, justamente negando qualquer balizamento temático, tanto ao nível das motivações como dos meios utilizados por cada um dos dezassete artistas convidados. Estamos perante um objeto impresso em papel que podemos qualificar como uma exposição coletiva, cujo único ponto em comum é um simples encontro, a sua simultaneidade no espaço-tempo desta publicação.
The medium is the Memory
Trapped on the implacable arrow of time, whether on account of a mystery or by means of a "persistent, stubborn" collective illusion, we instinctively conceptualise our existence as one of moving forward. Not even the most sophisticated theories of physics or thermodynamics have been able to offer a clear explanation for this ubiquitous curse.
Art cannot evade this motive power either. Even at its most transgressive, spiritual, existential, or political, art invariably assumes the contours of innocence—the constant pursuit of a mirage, with the conviction that some order or disorder will eventually fill in the emptiness we are feeling now; especially if we consider our existence on an ever-rotating, spherical planet which follows an elliptical orbit in a solar system that itself spins around the centre of a spiral galaxy. Endless wheels within wheels… "art does not advance, it moves"; it persists only in a constant recycling of its own Myth of Sisyphus.
In the heyday of a historicist vortex (20th-century modernism), the arts attempted to define and confine each of their disciplines within a (supposed) condition of "purity"—an ambitious "project" that naturally led to some dead ends and to the ultimate paradox: the autonomy of the medium. For the nature of a medium ought precisely to be founded as the exact antithesis of autonomy: the medium vanishes in order to make us see (feel) another thing (the work, the idea); just like light, which is not perceived, allows us to "see" things as it illuminates them. "The medium is the memory."
In its previous print editions, Contemporânea approached different media as the subject (or theme) of each issue, in an attempt to map out and debate, in an eclectic fashion, within the current context (with a special focus on Portugal), the territories of sculpture, the moving image, painting, drawing, photography, and sound (the latter with an issue in vinyl format). Now, in issue #9, Contemporânea seeks to conclude the cycle by doing away with all thematic delimitation as to the motivations and means of each of the seventeen artists invited. This is a printed object which can be thought of as a group exhibition, whose only common ground is a simple encounter, its simultaneity within the spacetime of this publication.
Artistas | Artists:
Alexandre Estrela; Ana Santos; André Guedes; André Sousa; Belén Uriel; Carla Filipe; Gisela Casimiro; Isabel Carvalho; Joana Escoval; Oficina Arara; Pedro Alves Sousa; Pedro Henriques; Ramiro Guerreiro; Rodrigo Hernández; Sara Graça; Sofia Montanha; Sónia Almeida.
fundadora e diretora editorial | founder and editorial director: Celina Brás
editor convidado | guest editor: João Marçal
assistente editorial | editorial assistant: Elisa Azevedo
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