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Pedro Barateiro: Saga

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Antonia Gaeta

Entrevista a Pedro Barateiro, a propósito da sua última exposição Saga, patente, na Galeria Filomena Soares, até ao próximo dia 6 de janeiro de 2018.

 ... somos cúmplices de um sistema capitalista que não tem uma resolução a não ser a ideia ainda modernista de progresso, que não sabemos bem o que significa, mas é uma direcção que questiono muito e questiono, principalmente, porque em arte acontece o mesmo que na ciência, mas de forma totalmente diferente ...

Antonia Gaeta (AG): Comecemos pelo título: Saga.

Pedro Barateiro (PB): O título é uma referência à ideia de discurso épico. Quando fiz a exposição Live from the West na REDCAT, em Los Angeles, em 2016 — em colaboração com a poeta americana Quinn Latimer — tentei revelar uma pesquisa que partia da ideia de pensar as narrativas do ocidente, que viajam desde a Europa, desde Roma, Grécia (e ainda antes da Grécia) até aos EUA. As narrativas e as mitologias ocidentais que foram viajando até os Estados Unidos,  terminam ou encontram um beco sem saída, em Los Angeles, e na sociedade do espectáculo levada ao extremo, onde todas as narrativas ficcionais são possíveis, onde se multiplicam histórias que, inclusivamente, influenciam a política e a sociedade. Um dos exemplos é a personangem principal da série House of Cards, Frank Underwood, uma figura muito perversa, impiediosa, sem ética e sem escrúpulos. Nunca um presidente dos EUA tinha sido retratado desta forma. Penso que isso influenciou e programou alguns americanos a aceitar alguém como Trump, e isso reflectiu-se na forma como votaram.

O que me leva a pensar que a ficção está de tal forma infiltrada nas nossas vidas que acaba por se manifestar em campos tão evidentes como a política. O título da exposição é um pouco sobre isso, saga é uma espécie de narrativa mitológica que relacionei com as obras na exposição porque quase todas lidam com a ideia de narrativa na cultura ocidental, e da maneira como estas se desenvolvem.

AG: Mas saga pode ser também algo por capítulos ou seja a continuação de um conto que já começou e que depois virá a ter vários momentos, narrações e contos de aventura ou vicissitudes familiares. Neste caso específico Saga é a continuação natural de uma ideia narrativa começada nos Estados Unidos?

PB: Sim, de alguma maneira sim. O que mantém o sistema, hoje em dia, é uma ideia de narrativa que, apesar do que possa acontecer, é de continuação (de que é necessário haver uma continuação) e, ao mesmo tempo só se fala no fim do mundo e no colapso ecológico. Isso é visível na forma como antes se via cinema e como agora as séries esticam esta ideia de narrativa, criando uma espécie de dependência que ocupa mais espaço de ti e da tua imaginação. Interessa-me, de facto, ver como a nossa imaginação é colonizada por esses mitos, pela linguagem.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue (poster), 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

AG: E não achas que também pode ser uma espécie de fidelização, ou seja, algo que nos é mostrado, que nos seduz e que nos faz reféns?

PB: Sim, somos cúmplices de um sistema capitalista que não tem uma resolução a não ser a ideia ainda modernista de progresso, que não sabemos bem o que significa, mas é uma direcção que questiono muito e questiono, principalmente, porque em arte acontece o mesmo que na ciência, mas de forma totalmente diferente. O pensamento científico foi e é hoje muito aplicado à arte para neutralizar e estabelecer formas de controlo dentro de um espaço. Já tinha pensado nisso quando fiz The Current Situation (2015), o vídeo já falava sobre do significado da palavra cultura: crescer num ambiente controlado do ponto de vista biológico. O trabalho feito em laboratório, a investigação científica e os  seus desenvolvimentos manifestam-se em todos as áreas da nossa vida. Na minha opinião, o papel dos artistas deve ser o de questionar as estruturas onde se eles próprios e o seu trabalho existe: tenho uma exposição aqui na galeria o que não significa que ao mostrar o meu trabalho para este espaço não precise de ter consciência que o mesmo não só entra num sistema de mercado, mas tem, ao mesmo tempo outra função, a de mostrar uma perspectiva diferente que não seja apenas repetir as mesmas narrativas.

AG: O que estás a querer dizer tem que ver com uma ideia precisa de arte/vida ou de arte representação?

PB: Ambas, porque a arte é uma das formas mais directas de representar a vida. Em geral, ou pelo menos no mundo ocidental, outras culturas terão certamente outras formas de pensar. Dentro do sistema capitalista em que vivemos, os sistemas de representação estão de tal forma interligados que é impossível não sermos cúmplices e não fazer parte do sistema. Os telemóveis, todas as plataformas digitais que usamos, o registo constante de dados são mais do que uma ferramenta. E cada vez mais somos responsabilizados. É por isso que surge a ideia de accountability. Por exemplo, Mark Zuckerberg do Facebook, quando abriu a empresa para o mercado, escreveu um manifesto chamado The Hacker Way (uma forma de ser hacker) onde brinca com a ideia que todas as pessoas que usam a internet são hackers. Essa figura, não há muito tempo atrás, tida como marginal ou marginalizada em relação ao oficial, passa a ser integrada no sistema, uma vez que todos nós o podemos ser - todos nós vamos aprender programação de computadores, a funcionar com os nossos telefones; a perceber como é que essas coisas funcionam.

O vídeo da exposição, The Opening Monologue (2017), começa com a imagem de um rapaz a entrar dentro de um servidor. Esse rapaz é o Aaron Swartz, programador informático, que contribuiu para a criação do Reddit ou do RSS ou de outros arquivos online. A imagem que mostro é retirada do canal de televisão RT, porque o MIT onde Aaron Swartz trabalhava, percebeu que ele andava a roubar documentos do JSTOR e, a partir desse momento, montaram uma câmara de vídeo-vigilância nos servidores para o apanhar. Conseguiram, foi preso, acusado e condenado a trinta e cinco anos de prisão. Durante o processo, e antes da condenação, Swartz suicidou-se. 

O objectivo de Aaron Swartz, enquanto activista, era libertar informação. O JSTOR e apenas algumas empresas controlam a informação a que temos acesso. Os activistas da internet como Swartz acham que essa informação deve ser de livre acesso. Esta é uma visão completamente utópica que partilho. Acho interessante a luta pelos direitos na internet, pela liberdade de acesso porque na verdade a internet não é um espaço livre. A ideia de ser um espaço livre é uma ficção; é opaco, altamente vigiado e controlado, todas as nossas interacções são medidas, quantificadas, separadas em big data, por cores. Isto muda muito a nossa maneira de nos relacionarmos com o mundo e com os outros. É por esta razão que, para mim, é importante reflectir sobre estas questões: este nível de abstracção acaba por se impregnar na nossa maneira de pensar e muda realmente a relação com tudo - com o mundo, com a natureza e sobretudo a relação entre agentes humanos e não-humanos.

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Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Cabaça, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Dancing in the Studio (Protest), 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Odd Couple, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Double A, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

AG: Este factor que congregas  — o “estar todos juntos”; conectados — leva-me a um trabalho prévio, The Sad Savages (2012) que mostraste no espaço Parkour. Aí apresentaste uma série de desenhos, uma instalação e um livro, onde, além de textos teus e de outros autores, começaste a trazer imagens apropriadas da internet. A congregação deste mundo todo junto! Como aplicas isso ao teu trabalho?

PB: No meu trabalho, sempre usei imagens de outras fontes, ainda que seja um uso criterioso. A utilização é feita a partir de imagens já existentes, imagens de propaganda fascistas, por exemplo. Na exposição Domingo (2008), onde uso uma imagem de paisagens de Cabo Verde, retirada de uma revista de propaganda, ou a sequência de fotografias em torno dos Cahiers de cinéma (2007), onde tentei pensar a ideia de autor, já que o cinema foi, durante todo o século XX, tão importante para nos manter ligados à ideia de discurso e narrativa moderna. No princípio do século XX, dá-se o aparecimento de uma tecnologia muito mais violenta, com a primeira guerra mundial, e acontece uma espécie de descrédito na religião e uma substituição desta por outras crenças.

O papel que a tecnologia e a arte têm na vida das pessoas substitui o que era, até à altura, o papel da religião. Susan Sontag escreveu que a arte, de alguma maneira, veio dar ao século XX uma espiritualidade que faltava.

Ela encontrava isso nos minimalistas por haver uma espécie de ausência de significado, e a ausência de significado seria este reflexo e projecção que as pessoas colocariam na obra dos artistas minimais.

E esta falta de crença... vejo que a arte, e a maneira como esta se manifesta na vida das pessoas, passa a estar muito mais próxima de todos (até à altura só se manifestava nas elites). Os regimes fascistas e comunistas disseminaram-se também porque tinham um programa bastante concreto e definido de uso da arte como propaganda, como sabemos. A experiência estética passou a fazer parte do dia a dia; os objectos de design o aparecimento da cor, os objectos industriais, do início do século XX, tudo isso fez com que se moldassem estilos e formas distintas na nossa relação com os objectos e, consecutivamente, com o mundo e com as pessoas. A grande mudança nos comportamentos vem da crescente industrialização e do afastamento dos espaços da natureza.

Nesta exposição, uso imagens minhas que decidi não identificar. No filme fiz uma selecção muito criteriosa de GIFs - que são animações que usamos para transmitir mensagens breves e que apresentam acções bastante curtas. Interessa-me também a relação entre o GIF e uma certa “pobreza” da qualidade da imagem, muito pixelada. E isso para mim é interessante porque, por um lado, remete para o princípio do cinema, uma ideia inaugural de cinema; quando as imagens eram feitas como animações e, por outro lado, retoma um pouco o que Boris Groys afirma relativamente ao regime estético contemporâneo estar associado à qualidade da imagem. Tem de haver mais definição, quantos mais dpi, mais pixeis, a imagem da televisão.... de alguma maneira apetecia-me desconstruir um pouco isso (ou destruir completamente) e pegar em imagens com pouca qualidade. Cada um desses GIFs pesa uns 100k, 50k, é uma coisa mínima comparado com os filmes e com a quantidade de computadores que é preciso ter para conseguir gerir toda a informação das máquinas fotográficas, etc. No meu trabalho não me interessa necessariamente este cruzamento entre o digital e o analógico, mas interessa-me o que isto significa conceptualmente.

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Pedro Barateiro, Car Seat, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Broken Hand, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Western Landscape, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

AG: Porquê a escolha deste conjunto? Como relacionas desenho, pintura, objectos, registos fotográficos?

PB: A escolha é sempre o processo mais difícil. É um processo bastante doloroso porque sou bastante específico no processo. Consigo acumular muita coisa, vou fazendo muitos desenhos para depois escolher; vou testando os vídeos....

AG: Vais por tentativa e exclusão?

PB: Sim. É o que resiste ao embate, ou seja, o que fica ao fim de um determinado tempo. Às vezes pode demorar anos a acontecer. Tem que ver com esta resistência delas próprias em relação a mim. Se esses objectos continuarem ali é porque faz sentido que continuem a existir, senão.... Por exemplo, esta fotografia é a do banco de um carro que estava estacionado perto da Assembleia da República; passava imensas vezes ali e encontrava este carro estacionado quase sempre no mesmo sítio. Tenho várias fotografias dele em diferentes dias. Esta fotografia foi tirada à noite, sem flash, é por isso que tem estas sombras. Havia alguma coisa nele a desfazer-se, era uma espécie de animal - a marca de uma pessoa - com uma vivência bastante massacrada. No fundo é um vestígio como o Dancing in the Studio (Protest) (2016) ou os desenhos que decidi ampliar; uma espécie de filtro do que fica ou que vai ficando, de pormenores do que vejo todos os dias.

Dancing in the Studio (Protest) (2016) faz parte de um grupo de sete fotografias que mostrei no REDCAT em Los Angeles. Fi-las, em 2013, com o telemóvel e é um registo de uma pintura sobre um linóleo que tinha no estúdio e que pintei de branco titânio, de repente apeteceu-me dançar em cima dele, por isso, é visível a marca dos ténis! Depois disso apercebi-me que estas imagens foram feitas na altura em que tive de sair do meu atelier na Avenida da Liberdade, devido às medidas de austeridade que começaram a fazer-se sentir a todos os níveis. Nessa altura, haviam muitas manifestações a passsar pela avenida. Acho que, de alguma forma, estas peças têm que ver com o que se passava na rua; são um reflexo e um vestígio do que acontecia fora do meu atelier. Esta presença do corpo do espectador ou do autor interessa-me bastante no trabalho, apesar de não ser muito óbvio, principalmente porque sempre tive bastantes dificuldades em tratar ou em representar corpos. No início, não era consciente mas conforme o trabalho foi avançando, comecei a aperceber-me que não havia muitos casos onde representasse figuras humanas, ou seja havia uma rejeição à representação da figura humana. Ela acontecia nas performances ou havia uma espécie de vestígio que pressupunha a existência de uma presença, também, por isso, apresento os desenhos pela facilidade de reconhecimento, mesmo que seja remoto e pouco óbvio, é um traço feito por alguém, não é completamente industrializado e, como tal, vestígio de uma presença humana.

AG: E no conjunto da exposição, como associas todos estes elementos? As letras que são meio moles e fantasmagóricas, uma esponja com uma máscara, uma cabaça?

PB: No que diz respeito às esculturas, funcionam um pouco como casais, como corpos que precisam do outro, de algo ao lado para funcionar. Podem funcionar de forma independente, mas, por haver esta necessidade de encontro, acontece desta maneira. As esculturas mais pequenas, que de alguma forma pontuam a exposição, são trabalhos de estúdio, são peças de atelier, e vão surgindo do tal desgaste físico e emocional antes de existirem para os demais. Precisam de ter uma espécie de vida. A exposição seria muito mais dura, na relação com o espectador, se na sala só estivessem expostas as cinco fotografias, estas esculturas acabam por torná-la um pouco mais dócil. Decidi trazê-las para exposição também por questões de escala e pelo facto de serem objectos facilmente identificáveis e de uso diário - uma proximidade que me interessa e que pressupõe a presença do corpo; as esculturas funcionam como habitantes da exposição.

AG: Por norma, nos teus projectos, tens sempre acompanhado o lado escultórico, fotográfico, pictórico ou de vídeo com a reflexão escrita. O pensamento da escrita surge para comunicar o teu trabalho, para pensar e organizar os elementos do quotidiano ou os acontecimentos da actualidade que te interessam e que relacionas a seguir com as tuas obras. Para esta exposição não editaste um livro, embora tenhas acabado de editar uma monografia, How to Make a Mask (2017) que apresenta parte do teu trabalho e dos projectos desenvolvidos a partir de 2008. Queres falar desta tua última edição?

PB: Foi um trabalho intenso! É verdade que ao longo dos projectos tenho feito bastantes edições. A escrita sempre fez parte do meu trabalho e interessa-me a dimensão que a escrita tem e de como ela pode ser repensada como produção artística – do momento que nós, os artistas, trabalhamos principalmente com objectos, imagens – e de como passou a fazer parte de uma maneira de trabalhar que não é contra a ideia de objecto, mas que representa uma espécie de ponto de fuga. Ou seja, no momento em que o meio artístico se tende a multiplicar; mais discursos, mais manifestações artísticas, mais bienais, o papel que as obras de arte começam a ter em relação à vida e ao mundo é posto ainda mais em questão.

A escrita acaba por ser uma tentativa de fuga e de espaço de pensamento, de respeito pela obra de arte, que se tornou tão objectificável, tão quantificável, tão mercantil e tão objecto de mercado. Esta tentativa de fuga não é propositada, interessam-me muito os objectos, portanto não me vejo a desmaterializar o meu trabalho só em escrita. Tenho-a incluído no meu trabalho porque, no meu ponto de vista, ela está ligada à performance, (a um lado mais performativo da minha prática). E porque foge, ou é uma boa maneira de fugir, a estas ideias um pouco mais restritivas do que é uma obra de arte. 

Há muita gente a dizer o que é a obra de arte. Dizer o que não é poderia clarificar as coisas.

Relativamente ao livro que acabei de lançar com a Kunsthalle Lissabon, publicado através da Sternberg Press, ele reúne uma parte do trabalho, desde 2008 até agora, e começa com a escultura Plateia (2008) e a exposição Domingo (2008) apresentada no Pavilhão Branco, passa por Serralves com Teoria da Fala (2009); Basel e Theatre of Hunters (2010); percorre outras exposições e projectos até a Live from the West (2016), no ano passado, que é o último projecto incluído no livro. A publicação tem bastantes textos meus, quase todos os projectos que tenho feito nos últimos quatro ou cinco anos têm um texto associado ou para filme ou para performance. How to Make a Mask foi escrito, em 2011, numa altura em que começaram as primeiras grandes manifestações durante a crise financeira. É um ano super intenso e algo caótico, tanto a nível pessoal quanto a nível histórico, um ano de grandes mudanças; um ano super importante porque foi quando os protestos começaram no mundo inteiro e How to Make a Mask reflecte também isso. O facto de a revista Time ter dedicado a capa do ano ao Protester, denota a escala dos acontecimentos. Foi o ano das grandes manifestações em parte ajudadadas pelos social media. Desde a primavera árabe, às manifestações em Portugal, até ao Occupy Wall Street, segui sempre atentamente todos estes acontecimentos, e estes, mesmo que de forma inconsciente, acabaram por entrar em How to Make a Mask. Juntei ao título, que poderia ser uma espécie de tutorial de make-up (na altura, no youtube, passaram a ter imensos) testes de personalidade, referências que vão do teatro a Carl Jung, imagens de cultura pop entre outras.

How to Make a Mask é uma performance, que aconteceu em 2012, e o livro divide-se nessa performance que é um trabalho charneira do que fiz antes e depois. How to Make a Mask começa no Old School #3 com a Susana Pomba, no Teatro Praga, mas já mostrei esta performance muitíssimas vezes. É um dos trabalhos com o qual tenho circulado mais. É um texto que reflecte muito a maneira como penso aquilo que "eu sou". O meu corpo aparece pela primeira vez no How to Make a Mask... anteriormente tinha sempre usado ou a voz ou o corpo de outras pessoas, por exemplo, o Ramiro Guerreiro aparece imensas vezes nos meus trabalhos e nas imagens no livro, porque identifico-me com ele fisicamente. Nos meus filmes usei sempre vozes femininas (a Lula Pena, a Ana Moreira) por me interessar este lado dúbio que as pessoas sempre tiveram em relação a mim e à minha sexualidade. De alguma maneira How to Make a Mask, embora tenha muitas poucas referências autobiográficas, tem que ver com a ideia de que somos actores e que vamo-nos desconstruindo, mitificando e identificando, ou não, com algumas características específicas. Mas como não acredito em estruturas muito firmes e fixas, a necessidade de procurar uma alteridade, vozes femininas, ou outras figuras, para me representar, era propositado. Podia ser mais ou menos inconsciente no início, mas com o tempo dei conta que era propositado; era uma maneira de deixar algum espaço para encontrar a minha voz.

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Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Head, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Masks, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, Paisagem, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, The Universe in a Cup, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

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Pedro Barateiro, The Universe in a Cup, 2017. Vista da exposição Saga, Galeria Filomena Soares, 2017 Foto: Francisco Ferreira/ Galeria Filomena Soares.

AG: Mas no vídeo The Opening Monologue abdicas dessa alteridade que referes. A voz é a tua, embora seja distorcida. O texto também?

PB: O texto do vídeo foi terminado em Los Angeles, era para sair na publicação que acompanhava a exposição mas acabou por não acontecer. Foi escrito nos dois anos que antecederam a exposição, ou seja entre 2015 e 2016, e a versão que está no filme é uma versão já bastante editada, com cerca de metade do texto original. Sou sempre bastante específico com os títulos porque acabam por enunciar alguma coisa e The Opening Monologue refere-se ao monólogo de abertura de um talk show, onde há sempre aquele momento inicial no qual entra uma voz mais ou menos autoritária. Procurei, de alguma forma, pensar esse formato de discurso autoritário, em forma de statement, e de como se enunciam os factos, se escolhem as piadas que ajudam a suavizar o que está a ser dito.

O meu vídeo anterior The Acceptance Speech (2017) tinha que ver com os discursos de agradecimento. Desde a Teoria da Fala (2009), ou de outras obras anteriores, que tenho estado bastante focado na performatividade do texto - escrevo os meus textos para serem ditos, não apenas para serem lidos. E mesmo que não sejam ditos é implícita esta relação com o espectador, quando este está a lê-los. The Opening Monologue prevê um público, dirigo-me a uma plateia, a alguém que vejo. Estou num momento de questionamento em relação a uma série de coisas: o porquê da ciência e a ideia de progresso na ciência, que já evoluiu tanto mas continuamos numa situação em que esses desenvolvimentos científicos nada podem fazer em relação à crise ecológica que se abate sobre nós. Há uma angústia, já presente no The Current Situation (2015), em perceber que maltratamos o sítio onde vivemos, a forma como olhamos para o mundo, para as outras pessoas. E este vídeo é sobre isso; decidi usar imagens que já tinham sido vistas muitas vezes, onde existe já alguma proximidade, mesmo que muitos não as tenham visto, sabem que são familiares, por se perceber que são produzidas para circular facilmente. No vídeo há também momentos violentos, que confesso tive muitas dúvidas em colocar, como é o caso das imagens de jogos de guerra; o espectador fica colocado numa posição desconfortável. Uso os GIFs, que caem numa espécie de falha jurídica, na relação com os direitos de autor, com imagens minhas, filmagens de fotografias minhas e de uma parede de uma rua em Lisboa (a imagem com a qual o vídeo acaba). Coloquei, pela primeira vez, a minha voz num vídeo, mesmo que distorcida, porque interessava-me ter uma voz que lembrasse a de um narrador de filmes motivacionais de auto-ajuda, para destruir esse formato, deixando o espectador num lugar desconfortável e de questionamento.

Antonia Gaeta

(Itália, 1978) é Licenciada em Conservação dos Bens Culturais pela Universidade de Bolonha, Mestre em Estudos Curatoriais pela FBAUL e Doutorada em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da UC. Desenvolveu projectos de investigação e exposição com diversas instituições artísticas em Portugal e no estrangeiro e tem textos publicados em catálogos de arte e programas de exposições. Foi coordenadora executiva das representações oficiais portuguesas nas Bienais de Arte de Veneza (edições 2009 e 2011) e de São Paulo (edições 2008 e 2010) para a Direcção-Geral das Artes. Em 2015, foi curadora adjunta do Pavilhão de Angola na 56ª Bienal de Veneza. Desde 2015 desenvolve projectos curatoriais para a colecção de arte bruta Treger/ Saint Silvestre.

 

Pedro Barateiro

Galeria Filomena Soares

 

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

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Pedro Barateiro, The Opening Monologue, 2017. Video still.

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