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Carlos Nogueira e as casas do olhar

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Sérgio Fazenda Rodrigues

Carlos Nogueira apresenta a exposição mais desenhos de casas com luz. e escuridão, na Galeria 3+1, em Lisboa, onde ocupa a totalidade dos seus dois pisos. No piso superior exibe objectos de parede que geram reflexos, criam imagens e expandem o nosso modo de ver. No piso inferior expõe mais objectos, também de parede que, com volumes densos, negros e opacos, retraem o nosso campo de visão.

Na sequência do seu anterior trabalho, onde existe uma pesquisa em torno da ideia de casa, de imagem e dos mecanismos que as engendram, Carlos Nogueira continua envolto na construção de elementos que reclamam a atenção do observador. Trabalhando o reflexo e a mudez, a transparência e a opacidade, a superfície e a volumetria, a luz e a escuridão, as obras que nos apresenta convocam uma ideia de interioridade, e reportam-se a um espaço potencialmente doméstico. São objectos escultóricos, fixos à altura da cabeça, que mostram uma existência no seu âmago, que ora nos convida, ora nos afasta. Uma existência sensível e delicada, que age como um murmúrio no piso de cima, e como um silêncio no piso de baixo.

Mais do que uma referência ao imaginário da casa, potenciada pelo uso de elementos que lhes são próprios, estas obras propõem uma ideia de casa. Nas suas múltiplas variações, são contentores de algo que indaga a própria noção de presença.

Compostas por vidros, espelhos, blocos de madeira, portadas e gavetas, no fundo, são explorações de como algo se resguarda e dá a ver, problematizando uma expressão própria, informada por um rigor construtivo e uma efabulação poética.

O rigor construtivo advém da manipulação pragmática dos materiais, da clareza do seu encontro e da precisão do diálogo estabelecido. As ligações são assumidas e as partes articulam-se por camadas, respeitando a natureza de cada componente. Assim, um espelho é um espelho, um vidro é um vidro, uma gaveta é uma gaveta, ou uma portada é uma portada. Mas, se há uma evidência naquilo que cada elemento é, há também um lado especulativo, que estabelece a ligação das partes, forma um todo e constrói novos sentidos.

A efabulação poética advém dessa leitura e a construção de cada obra, ou a construção das relações que os seus vários componentes ensaiam, depende, entre outros, da luz, do posicionamento, e da proximidade do observador. Quando, por exemplo, se sobrepõe um vidro fosco a um espelho, ensaia-se uma névoa que muda a percepção do objecto. Curiosamente, essa percepção não é apenas do domínio visual; é, igualmente, do domínio táctil. A imagem que se insinua no interior de cada gaveta, resulta do reflexo mas, também, do limite que o enquadra, ou da proporção e da expressão material do bordo da gaveta. O mesmo se passa quando, no piso inferior, a textura da portada se esconde atrás do plano liso da vidraça e a distância entre elas permite ver a diferença entre as duas camadas.

A obra que inicia a exposição (desenho de casa aberta para cima 2010-2018) traça as linhas de um volume aberto, formado por um conjunto de perfis metálicos, de cor negra. A sua posição é de excepção, uma vez que é o único elemento colocado acima da linha do horizonte. A figura está como que em mutação e a forma da base difere da forma do topo. O modo como dela nos acercamos, induz ora uma planimetria, ora uma tridimensionalidade de carácter esquemático. Na verdade, este objecto reúne e complementa a abordagem dos demais.

 

No piso superior, as restantes obras são compostas por uma junção de gavetas, em grupos de duas e seis unidades. O fundo de cada uma funciona como um ecrã, onde se arquiva a hipótese de uma imagem. Esta imagem, que ganha expressão quando o observador se aproxima, é o reflexo turvo de quem vê. Ao aumentar o número de gavetas, a dimensão da imagem torna-se maior que a base individual que a enquadra. Assim, há como que uma vontade de estabelecer uma métrica, dada pela unidade, que a imagem se apressa a ultrapassar. E, tal como na primeira obra, a forma da base, difere da forma do topo, ou a forma do fundo difere da forma da superfície.

De modo contrário, as obras apresentadas no piso inferior surgem sempre individualizadas. Aqui, cada peça confina-se à unidade donde provém e o ecrã retrai-se, ou desaparece, negando a hipótese de uma outra imagem que habite o objecto. Os blocos compactos, de madeira, encerram-se no seu mutismo e a única obra que apresenta um vidro (desenho de casa grande de esquina 2017) nega o reflexo e a transparência que lhe poderiam pertencer.

No primeiro caso, temos um grupo de obras que procuram expandir a imagem para lá do objecto. No segundo caso, temos um conjunto de obras que se fecham sobre si mesmas e anulam o contacto com o exterior.

Entre o abrir e o fechar, ou entre a luz do reflexo e a escuridão da clausura, todas as obras indagam uma presença que albergam. Como no desenho, na sua verdadeira natureza, todas as obras ensaiam hipóteses de existência e de expressão.

A exposição de Carlos Nogueira possibilita-nos acompanhar o trabalho consistente e maduro, de um artista que não tem receio de se reinventar. Com um rigor ímpar e um gesto cuidado, as suas obras pedem a cumplicidade de quem se aproxima, oferecendo um presença que é serena e delicada.

Carlos Nogueira

3+1 Arte Contemporânea

Sérgio Fazenda Rodrigues Arquitecto e Mestre em Arquitectura (Construção), foi doutorando em Belas Artes e é doutorando em Arquitectura, onde investiga as relações espaciais entre Arquitectura e Museologia. Faz curadoria de arquitectura e artes visuais e integrou a direcção da secção portuguesa A.I.C.A. Desenvolveu com João Silvério e Nuno Sousa Vieira, o projecto editorial Palenque. Foi consultor cultural do Governo Regional dos Açores, tendo a seu cargo, nesse período, a construção da coleção de arte contemporânea do Arquipélago – C.A.C.

 

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Imagens: Carlos Nogueira, vistas da exposição mais desenhos de casa com luz. e escuridão. Cortesia do artista e 3+1 Arte Contemporânea, Lisboa. Fotos: António Jorge Silva. 

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