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O Arco que abriu a forma de Lisboa

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Wilson Ledo

E, à terceira edição, a ARCOlisboa assistiu à abertura de duas feiras satélites: a JustLx e a Studio. Em outubro, junta-se uma terceira, dedicada ao desenho; a Drawing Room.

Neste artigo traça-se o retrato de uma cidade que se estreia nestas andanças e quer assumir uma posição no panorama internacional.

O silêncio que acompanha o caminho até ao Museu da Carris deixa margem para dúvidas. Haverá público nesta nova feira de arte de Lisboa, a JustLx? Afinal, esta é a primeira vez que a iniciativa, de origem madrilena, está por estas paragens.

Basta virar a esquina e vislumbrar os foodtrucks (e as respetivas mesas cheias) para perceber que o clima é de festa. O sotaque espanhol, na sua maioria, espalha-se depois pelos corredores onde se instalam 42 galerias, 15 delas portuguesas. “Este ano foi por convite. A qualidade foi tão surpreendentemente boa, que deverá continuar a ser assim. Talvez os critérios de outras feiras não façam sentido aqui”, resume Lourenço Egreja, diretor e comissário da mostra.

À entrada, estrategicamente colocado no espaço da galeria Gema Llamazares, o tríptico Mala Hierba de Estefanía Martín Sáenz. Honras de destaque ainda antes da certeza de que integraria a coleção da Fundação Millennium bcp, ao assegurar o prémio de artista emergente. Três quadros, tons azuis, ramagens, pássaros e uns olhos que espreitam do lado direito.

A poucos passos de distância, Esponja/Mil Folhas, da portuguesa Sofia Mascate que integra a mostra da galeria Monumental, desperta olhares de curiosidade perante o realismo das duas pequenas esculturas (óleo sobre porcelana). É esta, aliás, uma das tendências desta JustLx: obras de reduzida dimensão, sejam pinturas ou esculturas, como as de Carlos No. Exceção feita para as propostas de Bordallo II, construídas a partir de resíduos, que, apesar do imponente tamanho, se encontravam praticamente todas reservadas ou vendidas logo na primeira noite de feira.

“A palavra-chave desta feira é acessibilidade. É uma questão que está também presente no preço das obras, entre os 500 e os 10 mil euros”, assegura Lourenço Egreja. Numa cidade em “expansão”, a Art Fair — empresa com longa tradição na realização de feiras — traz para Lisboa uma nova realidade: a das feiras de arte satélite.

Destinada a artistas e galerias emergentes, como a Primner e a Ibirapi, acabadas de se instalar em Lisboa, a JustLx chega acompanhada de um grupo de colecionadores vindos da feira irmã em Madrid. “Depois há o público local. Um dos objetivos da feira é ser inclusiva. Como é o ano zero, vamos ver o que dizem os números”, acrescenta. Como esta não é uma feira tradicional organizada em pavilhões, o desafio da adaptação ao espaço do Museu da Carris é adicional para as galerias que nunca tinham participado num evento deste género, como a Galeria das Salgadeiras.

À saída do Museu da Carris, a galeria Bessa Pereira, apresenta trabalhos de Sara Bichão, Marta Soares ou Miguel Ângelo Rocha. Já uma das propostas mais sólidas desta JustLx está na Galeria 127, vinda de Marraquexe. As fotografias do francês Denis Dailleux, com a série Mère et Fils, prendem o olhar. Mulheres de hijab fazem-se acompanhar dos seus filhos, de troncos nus e musculados. Um contraste que leva a questionar o papel da mulher nas sociedades muçulmanas, em confronto com a exibição do corpo masculino a que elas próprias deram vida.

A próxima paragem é a cerca de 15 minutos a pé. Porque, como feira satélite, a JustLx conta com uma feira principal a servir de referência aos públicos interessados em arte contemporânea: a ARCOlisboa.

Um compromisso a criar raízes

Na sua terceira edição, a ARCOlisboa apresenta-se mais sólida e segura. Ao percorrer a Cordoaria Nacional encontramos, sobretudo nas galerias portuguesas, nomes consolidados da cena artística portuguesa contemporânea, entre eles: Rui Chafes, Julião Sarmento, João Louro, Pedro Barateiro, Rui Toscano, André Cepeda, Miguel Palma, Vasco Araújo, Gil Heitor Cortesão ou Rui Calçada Bastos. Com trabalhos que desafiam as escalas e os próprios suportes.

Com novos horários, que se “adaptam aos ritmos da cidade”, a ARCOlisboa aposta cada vez mais num programa paralelo com fóruns, encontros, percursos pela cidade ou atividades para crianças. O resultado é uma subida no número de visitantes para cerca de 11 mil, mais 10% do que no ano anterior. Mesmo com a nova "concorrência" da JustLx.

"É completamente natural existirem feiras paralelas. Até incentiva. Vai ajudar a ARCOlisboa porque é a feira principal”, antevia a galerista Cristina Guerra, membro do comité organizador, ainda antes do evento arrancar. Um “crescente apoio e maior interesse” que se faz sentir no número de galerias presentes, que aumentou para 72. Vêm de 14 países diferentes, incluindo Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil,  França ou Reino Unido. 

No total incluem-se 12 galerias recentes (com menos de sete anos) que integram a secção Opening, comissariada por João Laia. Destaque para a galeria BWA Warszawa, que venceu o primeiro prémio atribuído a esta categoria. A galeria polaca tomou como ponto de partida para a escolha das obras o facto de no local, onde decorre a ARCOlisboa, ter existido, no passado, produção de cordas para barcos. Os trabalhos de Adam Adach, Agnieszka Kalinowska, Slawomir Pawszak e Iza Tarasewicz marcaram, na opinião do júri, a diferença e a galeria recebeu de volta o valor pago para marcar presença na feira.

Cristina Guerra acredita que a ARCOlisboa está a conseguir captar “galerias mais internacionais e mais importantes” — o que obriga a uma seleção mais cuidada mas não necessariamente a alterações no preço por metro quadrado: para participar, um galerista poderá ter de pagar mais de oito mil euros. Com a promessa de acesso a alguns dos nomes mais importantes dos circuitos da arte contemporânea a nível nacional e internacional.

Entre os 1.800 profissionais que circularam nesta mostra, conta-se um leque alargado de colecionadores. Nesta categoria, há duas nacionalidades a destacar: belgas e espanhóis. Foi um colecionador desta última nacionalidade que adquiriu um dos 10 projetos especiais da ARCOlisboa: Verão Quente de Nuno Nunes-Ferreira, uma imponente instalação com jornais e revistas originais publicados entre 1974 e 1977, onde os tons vermelhos do período que sucedeu à Revolução dos Cravos se afirmam.

Do Brasil cada vez mais compradores, reflexo de uma tendência crescente de compra de casas em Lisboa, através dos vistos gold para investimentos acima dos 500 mil euros.

Nesta fase, a ARCOlisboa tem o compromisso renovado com a capital portuguesa para, pelo menos, mais duas edições. É o que resulta de um protocolo de cooperação com a Câmara Municipal de Lisboa, que se tem afirmado como um dos grandes compradores desta feira. Em dois anos, a autarquia adquiriu obras de 21 artistas portugueses, investindo 150 mil euros.

As escolhas podiam ser visitadas no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, na exposição Campo de Visão: Aquisições 2016-17, com curadoria de Sara Antónia Matos e Pedro Faro. Ângela Ferreira, Fernanda Fragateiro, João Queiroz, José Loureiro, Paulo Nozolino, Pedro Calhau ou Rui Toscano são alguns dos nomes que integram esta coleção. A eles juntaram-se, já este ano, Carla Filipe, Francisco Tropa, Henrique Pavão, Miguel Branco ou Rita Ferreira.

 

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Uma estreia contida

Passou demasiado despercebido para uma estreia, mas é certo que o eixo ribeirinho das feiras de arte contemporânea tinha um terceiro vértice: o Studio Lisboa 018, no Centro de Congressos de Lisboa. “De todas as feiras de arte que conheço pessoalmente na Europa, posso dizer que este é o ‘hub’ mais promissor. De há cinco anos para cá, Lisboa tornou-se uma localização cada vez mais atrativa”, caracteriza Santi Delgado, o nome à frente deste projeto.

A lógica do Studio Lisboa 018 é um pouco diferente: uma feira de artistas, com 57 stands e 68 nomes diferentes, “que vão desde pintores a artistas de vídeo. A feira não foi concebida como uma feira de arte, mas antes como uma grande exposição coletiva”. Por isso, talvez, a sensação seja de uma certa incoerência quando se percorre o espaço que fica a poucos minutos a pé da Cordoaria Nacional. A conjugação (irregular) dos stands em polos de quatro torna difícil estabelecer – como se deseja numa exposição – uma relação entre as obras.

Mesmo a um sábado à tarde, o vazio marcava os corredores do Studio Lisboa 018: ausência de visitantes mas também de representantes disponíveis para prestar informações sobre as obras. A cada passo, as peças vão evidenciando um caráter decorativo. “Preocupamo-nos que os nossos artistas estejam alinhados com as correntes mais contemporâneas da arte”. Contudo, não é isso que se sente no local. Parece existir algum amadorismo e falta de pesquisa sólida nos nomes apresentados.

Um dos projetos mais consistentes é o de Marcos Moreno, artista a trabalhar em Madrid. Nos seus desenhos, com figuras a evidenciar um traço entre a pop e a publicidade vintage, questionam-se diferentes modelos de família. Obras pequenas na dimensão e no preço, entre os 200 e os 500 euros. “Tenho de confessar que queria mais desenhos na feira, mas, devido a limitações de tempo, não conseguimos encontrar os corretos”, reconhece Santi Delgado.

O passado deste responsável cruza-se com as outras duas feiras a decorrer em Lisboa: trabalhou na Art Fairs, que organiza a JustMad e JustLx, e foi depois de uma visita à ARCOmadrid que lhe surgiu a ideia de organizar a sua própria feira. “Vi fotos idênticas às que tinha visto na ARCO, mas de uma aluna minha. Disse para mim mesmo: porque não organizar a minha própria feira de arte para todos os artistas que têm dificuldade em encontrar galerias?”, recorda. Para este responsável, “o mercado não precisa de se limitar à troca comercial. Há também trocas de ideias, de experiências, de emoções. Às vezes, uma boa ideia, pode ser uma grande riqueza, sem ser medida em euros ou dólares”.

Alargar no tempo, concentrar nos suportes

O boom de feiras de arte em Lisboa só termina no final do ano, com a Drawing Room Lisboa, dedicada ao desenho e ao trabalho artístico sobre papel. De 10 a 14 de outubro na Sociedade Nacional de Belas Artes.

“Foi uma decisão muito pensada, que só tomámos depois de comprovar que a Drawing Room Madrid estava consolidada, após três edições. Entram também questões emocionais: trabalhei durante vários anos na Arte Lisboa [antiga feira de arte contemporânea na FIL] e a experiência foi muito agradável. Tinha saudades”, remata a diretora Mónica Álvarez Careaga.

Saudades mas sobretudo atenção ao que se vai produzindo em Portugal, com mais artistas nacionais a assentar a sua criação no discurso do desenho e do papel. “A Drawing Room Lisboa vai contribuir para valorizar esta produção e canalizá-la para o mercado”, traça. Até porque existem colecionadores portugueses de desenho “muito ativos”.

A estratégia quanto a compradores está também definida em relação a Espanha: a feira em Lisboa coincide com um feriado nacional no país vizinho, facilitando o fluxo de interessados. Depois, “a presença de galerias europeias, sem dúvida, mobilizará franceses, suíços e alemães”. Só essa visão clara do mercado permite à Drawing Room posicionar-se junto de outras grandes feiras de arte dedicadas ao desenho, como a Drawing Now (Paris), a Art on Paper (Bruxelas) ou a Paper Positions (Berlim).

A lista de galerias e artistas a participar só fecha a 30 de junho. Contudo, os espaços que participaram na versão madrilena já demonstraram vontade em vir para Lisboa. Porque, inclusive, a ligação portuguesa a África e ao Brasil — e o potencial de negócio aí adjacente — “é algo que todos os agentes têm presente”. Apesar do foco no desenho como suporte, a feira, comissariada por Maria do Mar Fazenda, quer ser abrangente nas gerações de artistas que apresenta e também nos preços, entre os 600 e os 30 mil euros Com a vontade de, num futuro próximo, poder atingir em Lisboa os recordes da última edição em Madrid: 30 galerias e 12 mil visitantes.

Cansaço: uma barreira estrutural

Há uma expressão inglesa que resume um sentimento crescente em relação às feiras de arte: “fair-tigue”, isto é, a fadiga das feiras. Se em 2000 existiam cerca de 50 feiras de arte, esse número aproxima-se agora das 300. Uma média de cinco feiras por semana, mostram os dados mais recentes da Art Basel e do UBS Art Market.

Apesar dos especialistas traçarem, frequentemente, um cenário de diminuição gradual do número de feiras para os próximos anos, estes espaços continuam a ser o “o ponto mais importante” para ligar galeristas e compradores. Os últimos tendem a valorizar o apoio, a transparência e a discrição dos negociantes de arte.

Todavia, os custos de participar numa feira representam uma preocupação para 49% dos galeristas, mostra o último relatório da TEFAF, que mede o pulso ao mercado. Participar em Art Basel, na Suíça, considerada a feira mais importante, pode ficar em aproximadamente 45 mil euros por 60 metros quadrados. Já 100 metros quadrados custam mais de 75 mil euros. Valores que não integram serviços adicionais prestados pela organização e que representam um obstáculo, sobretudo, para as jovens galerias.

Daí que estejam a surgir modelos alternativos às feiras de arte. É o caso da Condo, nascida em Londres, em 2016, pelas mãos de Vanessa Carlos, da galeria Carlos/Ishikawa. Na prática, as galerias da capital britânica recebem parceiros de outros pontos do globo nos seus espaços. Assim, estes podem mostrar os seus trabalhos no estrangeiro, com menos custos e burocracias. Um modelo alternativo para contrariar a “pirâmide neoliberal” perpetuada pelas feiras, nas palavras da própria Vanessa Carlos.

Entre as galerias portuguesas, há já nomes a integrar a Condo. Na edição de 2018, a Sadie Coles HQ recebeu a lisboeta Madragoa. Já a galeria Nuno Centeno, instalada no Porto, foi acolhida pela The Approach. Curiosamente, as duas galerias nacionais participam na ARCOlisboa, a principal feira portuguesa – o que pode servir de indicador de comparação da (reduzida) dimensão do mercado português em termos europeus.

Apesar dos modelos alternativos de organização, (como espaços pop up, as cooperativas de galerias ou os consultores independentes sem espaço físico), e da aversão de colecionadores mais experientes a grandes multidões, o modelo tradicional de feiras têm um forte argumento a seu favor: a atual forma de distribuição de riqueza, que se alterou no início do novo milénio.

“A riqueza está mais nas mãos daqueles que trabalham do que nas daqueles que a herdaram”, posicionou Marc Spiegler, director global da Art Basel, numa entrevista recente à Bloomberg. Assim, as gerações anteriores tinham disponibilidade para percorrer o mundo à procura dos objetos artísticos que melhor respondiam aos seus gostos. Agora, como o tempo é mais escasso, o espaço da feira de arte surge como um oásis onde tudo está concentrado e onde essa procura se torna mais rápida com o auxílio do telemóvel, da Internet e das redes sociais: uma realidade que não existia em 1967, quando surgiu a Art Cologne, considerada a primeira feira de arte contemporânea.

Não são também raros os relatos a dar conta de que é cada vez mais difícil (ou desafiante, consoante a perspetiva) fazer uma feira de arte numa cidade com muitas galerias, como Nova Iorque. Isto porque todos querem apresentar o melhor da sua oferta nos próprios espaços, promovendo a casa-mãe e não a área da feira. É uma realidade que está ainda muito longe de Lisboa, com um universo próximo das 60 galerias, apesar da consolidação dos eixos do Bairro Alto, de Alvalade e de Marvila.

ARCOlisboa

Drawing Room

JustLX

Studio Art Fair

Wilson Ledo (1992). Vive e trabalha em Lisboa. É jornalista desde 2013, tendo colaborado com a RTP, o Jornal de Negócios e várias publicações digitais dedicadas às questões da Cultura. É formado em Ciências da Comunicação e em Curadoria de Arte pela Universidade Nova de Lisboa. Interessa-lhe o modo como as lógicas das artes performativas se podem desenvolver em espaços tradicionalmente associados às artes visuais.

 

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Imagens: Vistas gerais da ARCOlisboa 2018. Cortesia ARCOlisboa - Ifema.

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