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Otiima Artworks: Sistemas de Produção

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Paulo Mendes

Trabalho de Campo / Artist at Work
Parte I
Otiima Artworks: Sistemas de Produção

Entrevista a José Miguel Pinto, responsável pela Otiima Artworks, sobre o contexto empresarial e artístico dos projectos já realizados, bem como do novo projecto das residências No Entulho.
 

Paulo Mendes (PM): A Otiima é uma empresa relativamente recente, cuja área de trabalho e volume de negócios se centra na arquitectura e construção. Localizada fora dos grandes centros, num parque industrial no meio do campo, começou há já vários anos a produzir obras de artistas plásticos. Como aconteceu essa relação inicial? Como se desenvolveu essa acção nos anos seguintes, nomeadamente a partir do ramo Otiima Artworks?

José Miguel Pinto (JMP): A Otiima é consequência de um trabalho que se estende a nível temporal levado a cabo por José Maria Ferreira (administrador da OTIIMA) que foi criando, ao longo de vários anos, projectos que ofereciam soluções, sobretudo através de trabalhos realizados com metais e vidro. Através deles, foi-se introduzindo cada vez mais no meio da arquitectura, tendo contribuído para a concretização de projectos de várias escalas e criando as condições necessárias para que as ideias de muitos criadores se tornassem reais.

Foi com esse espírito inquieto, e a partir dessa vontade de fazer sempre algo mais que o estritamente necessário, que começaram muitas destas produções de carácter artístico, como resposta aos reptos que diferentes artistas lhe iam lançando. E quanto maior fosse o desafio, quanto mais nebuloso parecesse ser o resultado final, maior a persistência, o entusiasmo e a dedicação. Por esse interesse em concretizar desafios que não fossem os mais óbvios no seu meio, mas também pelo respeito e interesse que sempre teve pelos artistas e pelas suas obras, nasceram muitos destes trabalhos realizados até à data.

PM: Qual é o método, grau de envolvimento e experiência da Otiima Artworks na concepção das obras? Por aquilo que pude perceber ao visitar as vossas oficinas trabalham em projectos de grandes dimensões dos quais realizam maquetas e certamente dialogam e sugerem soluções técnicas aos criadores…

JMP: O método definido para cada projecto tem sempre que ver, em primeiro lugar, com a obra e com o artista em questão. Entendemos que cada trabalho significa, mais que um encargo, uma colaboração e é dessa forma que encaramos todos os projectos, independentemente do nome ou da escala que o antecede. Colaborar é algo que fazemos quase por necessidade; é a forma como o trabalho e a produção são levados a cabo. Penso que os próprios artistas procuram essa aproximação, e que esta acontece de forma bastante natural.

É interessante perceber que estas esculturas, ditas de grande dimensão, sejam, na verdade, fruto de um trabalho muito artesanal, onde a componente do desenho deixa muitas vezes de ter um papel decisivo, dando espaço à experimentação através de vários protótipos, maquetas e do próprio olfacto de muitos dos trabalhadores que acompanham cada artista na construção das suas obras. Esse sentido de pertença, presente em cada um dos intervenientes, faz com que muitas das vezes se tomem decisões não apenas pelo artista, mas também por quem manipula directamente os materiais. Existem bastantes histórias e momentos que o reflectem.

Num caso mais recente, para a exposição Knife and Wound de Filipe Marques, o envolvimento e a partilha deste processo aconteceu de forma bastante intensa desde a sua origem. Começando pela concepção das peças que fizeram parte da exposição, ao desenho das mesmas, a conversas e decisões de nível curatorial, montagem da exposição e terminando com o registo audiovisual de todas as fases do processo, fomos realizando o nosso trabalho lado a lado com o artista ao longo de todo o processo, tanto técnico como criativo.

Esta experiência, assim como a do Still Cabanon - apresentado na Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra, Anozero, onde realizámos a curadoria em conjunto com o Atelier do Corvo – são o tipo de trabalhos que nos interessam desenvolver com mais intensidade nos próximos anos, envolvendo cada vez mais a Otiima Artworks na procura de soluções que possam ser concretas – relacionadas com trabalhos de produção de arte – e abstractas – relacionadas com projectos curatoriais e experimentais. Em qualquer um dos casos a nossa cultura será sempre material, é algo de que não queremos distanciar-nos.

PM: A produção de obras no campo da arte contemporânea foi sendo mais frequente, nomeadamente, para artistas e eventos de grande relevância dentro desse contexto, como os trabalhos realizados com Pedro Cabrita Reis e José Pedro Croft para a Bienal de Veneza ou a produção de projectos para Serralves, como no caso de Jorge Pinheiro ou da Bienal de São Paulo. É devido a essa circunstância que decidem em 2018 aprofundar ainda mais essa relação e iniciar este programa de residências artísticas denominado No Entulho?

JMP: As ideias existem e é um privilégio fazer com que elas se tornem reais. Fazer algo de novo no mundo e ter a possibilidade de poder participar nestes projectos constitui o tipo de desafios que gostamos. Temos tido a sorte de trabalhar com grandes artistas, não só os que acabas de elencar, mas outros, e também de participar em grandes eventos de índole cultural. Interessa-nos que este tipo de relações se mantenha, não só porque significam, sempre, grandes desafios que solicitam novas soluções e diferentes abordagens - que fazem com que a nossa experiência seja cada vez maior – mas também porque as suas escalas têm um impacto importante na própria vida das cidades. Exemplos disso são as obras que realizamos com o Pedro Cabrita Reis (Oficina, Porto, The Basel Line, Basileia, Longer Jouneys-Veneza, Coimbra), com o José Pedro Croft (Medida Incerta, Veneza/Matosinhos, Sabadel, Barcelona) ou até mesmo os dois pavilhões produzidos para a Bienal de São Paulo em Serralves (DepA e Fahr 021.3).

Penso que produzir estes projectos é construir, de alguma forma, marcos que vão pontuando os espaços públicos e atingindo um público mais alargado, saindo assim de uma condição fechada, privada e exclusiva.

O programa de residências No Entulho não surge directamente relacionado a esta vertente do nosso trabalho, tem mais que ver com um exercício de versatilidade. Trata-se de introduzir um material novo, manter-nos activos, encontrar ideias novas e não adoptarmos uma postura fixa de trabalho, adaptando-nos a novas situações.

Surge também da vontade e necessidade em apoiar jovens artistas, dando-lhes a oportunidade de criar de maneira livre e sustentada.

PM: Em que moldes e com que recursos, se desenvolveu o programa desta residência? O primeiro artista convidado foi o Jérémy Pajeanc, quais serão os criadores seguintes a trabalhar e a produzir nas vossas instalações?

JMP: Estas residências fazem parte de um projecto a longo prazo onde proporcionamos a artistas condições especiais para a criação artística nas nossas instalações. Nestas residências, a matéria-prima principal será todo o material inutilizado que se vai acumulando nos diferentes sectores da Otiima. Parte-se assim de uma política de reutilização, para então transformar matéria destinada à sua acumulação sem finalidade em matéria de valor.

Queremos também, ao fazer coabitar os artistas com um meio industrial, que este ambiente possa de alguma maneira a influenciar cada artista e que estes possam, por sua vez, sentir-se influenciados por todas as coisas que acontecem neste tipo de espaços. Também para os próprios trabalhadores, esta será uma instância de novas experiências, de ampliação de conhecimento e, sobretudo, de aquisição de novas perspectivas, fruto do contacto próximo com os artistas.

Os residentes contarão com todos os recursos possíveis para a construção das suas ideias. Recursos esses que não passam apenas pelos materiais, máquinas ou ferramentas, mas também pelo apoio técnico que está disponível através de toda a equipa Otiima e Otiima ArtWorks.

Neste ano de 2018 decidimos iniciar este projecto por intermédio de convites, onde seleccionamos cinco jovens criadores portugueses: Jérémy Pajeanc (que esteve em residência desde Janeiro a Março), Tiago Madaleno, Igor Jesus, João Pedro Trindade e Francisca Carvalho, aos quais se juntou o artista chileno Rafael Yaluff, como convidado especial desta primeira edição. As residências terão a duração de dois meses e cada artista, no final de cada residência, terá uma mostra aberta ao público onde apresentará os resultados da mesma.

Foi proposto a cada um dos artistas que convidasse uma pessoa externa à equipa da Otiima ArtWorks para acompanhar a sua residência, oferecendo-lhe uma nova perspectiva em relação ao seu trabalho. O objectivo será que esse elemento – ligado a áreas do pensamento como a arte, a sociologia, a literatura, a filosofia, entre outras –crie conteúdos relacionados com o trabalho desenvolvido pelo artista, nomeadamente um texto que possa ser introduzido na mostra e posteriormente, de uma forma mais extensa, no catálogo final das residências.

PM: Quais são os objectivos da Otiima ArtWorks ao realizar estas residências e ao apresentar o trabalho realizado nas próprias instalações, fazendo coexistir no mesmo espaço industrial produção e criação, operários e visitantes, trabalho e cultura?

Mais tarde, a estratégia é alcançar outros públicos? Designadamente através da mostra desses mesmos trabalhos noutros locais com maior visibilidade e editar uma publicação que funciona como registo desse trabalho produzido?

Este programa de residências vai ter continuidade depois de 2018?

JMP: Não me parece que existam grandes distâncias entre essas palavras, mas sim elementos que as aproximam. Um dos principais objectivos da Otiima ArtWorks é sair de um espaço cultural cada vez mais intelectualizado e envolver processos mais livres e experimentais, onde coabitam artistas e artesãos, arquitectos e serralheiros. Através dessa mistura, desse contacto, abrem-se novas possibilidades.

Queremos distanciar-nos de um papel museológico ou galerístico, onde muitas vezes parecem colocar-nos. O que nos interessa é a produção, a construção de possibilidades e a criação artística, esse é o nosso campo e o local onde queremos estar num futuro próximo.

Mais do que a ideia de criar novos públicos, queremos com estas residências dar oportunidade a novos artistas, divulgar o seu trabalho e sensibilizar outros intervenientes para que apostem, também eles, em projectos como este. Não é certamente uma ideia nova e tampouco será uma ideia que se esgote com facilidade. É nosso dever ajudar a criação artística e, se for o caso, ser o exemplo para que outros possam seguir o mesmo caminho.

No final deste ciclo de seis residências, que terminará em Novembro, iremos levar o resultado deste trabalho a um lugar neutro, que não esteja associado directamente à Otiima ArtWorks e que seja aberto a uma cidade. A publicação que iremos criar servirá como um caderno de viagem, onde se irão relatar processos, ideias, relações e os resultados finais de cada residência. A esta exposição e publicação iremos também juntar um documentário onde apareçam os vários momentos de residência e produção dos vários artistas participantes.

Estamos já a preparar uma nova edição, que terá início em 2019, e em que actuaremos nos mesmos moldes mas de forma mais inclusiva, adoptando um regime de open call. Com o No Entulho#02 iremos aprofundar ainda mais este programa de residências e estendê-lo no tempo e no espaço, continuando a apoiar criadores portugueses, mas abrindo também a possibilidade de residência a artistas internacionais para que possam, de alguma forma, conhecer e introduzirem-se não só na cultura mas também na produção nacional.

ArtWorks

No Entulho

Paulo Mendes é artista plástico de formação, curador de exposições e produtor de projectos culturais. Apresenta o seu trabalho individualmente e em colectivo desde o início da década de 90. O seu trabalho caracteriza-se pela contaminação entre as várias disciplinas – o cinema, o design, a arquitectura, a música, o teatro a dança –, e pela diversidade de meios de suporte que cada projecto determina – a pintura, o desenho, a fotografia, o vídeo, a instalação e a performance. Ao longo de vinte e cinco anos de trabalho, participou em aproximadamente trezentos projectos expositivos e performativos, tendo comissariado e produzido mais de setenta exposições, independentes e institucionais, que marcaram o desenvolvimento do trabalho de uma nova geração de criadores e lhe proporcionaram um extenso conhecimento das práticas artísticas em
Portugal.

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Imagens: 

Depa Architects - Pavilhão do Lago’17, na exposição Incerteza Viva: uma exposição a partir da 32ª Bienal de São Paulo nos jardins do Museu de Serralves. Fotografia José Campos / Depa architects. Cortesia: Otiima ArtWorks.  / José Pedro Croft, Medida Incerta (Bienal de Arte de Veneza, 2017). Cortesia Otiima ArtWorks. Fotografia Daniel Malhão. / Jorge Pinheiro: D'Après Fibonacci e as coisas lá fora, Museu de Serralves. / Pedro Cabrita Reis, A Remote Whisper (Bienal de Arte de Veneza, 2013). Cortesia Otiima ArtWorks. Fotografia João Ferrand. / Pedro Cabrita Reis, Trabalho de montagem de uma obra na Otiima, em 2017. Cortesia Otiima ArtWorks. Fotografia Bruno Lança. / Depa Architects, Pavilhão do Lago’17. Construção do pavilhão para a exposição Incerteza Viva: uma exposição a partir da 32ª Bienal de São Paulo, nos jardins do Museu de Serralves. Fotografia José Campos / Depa architects. Cortesia: Otiima ArtWorks. / Filipe Marques, Montagem da exposição Knife and Wound no Centro de Arte Contemporânea, Bragança, 2018. Cortesia Otiima ArtWorks. Fotografia Bruno Lança / Jérémy Pajeanc, Trabalho em processo durante a residência na Otiima, para o projecto Sans toit ni loi, 2018. Fotografia Paulo Mendes Archive Studio.

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